A PERIGOSA ETERNIZAÇÃO DO PROCESSO “CAFUNFO”

“Esta eternização do processo “Cafunfo/Zeca Mutchima” pode começar a colocar em causa a imagem do País no exterior, tendo em conta o processo e o facto de alguns dos co-arguidos já terem falecido”, afirma Eugénio Costa Almeida.

Segundo o analista angolano, “esta matéria, apesar de parecer um mero processo jurídico de “malfeitores e rebelião”, na realidade tem subjacente questões de separatismos que extravasam a nossa territorialidade e soberania, porque tem extensão nos outros lados da fronteira angolana”.

“Como se pode verificar no mapa do The Guardian, de 2012 – mas que se mantém actual, na maioria dos casos – há [ainda] vários pontos de sublevação territorial, algumas bem perto de nós e outras dentro das nossas fronteiras, que não podem ser caladas”, afirma Eugénio Costa Almeida.

“Este processo que decorre nos Tribunais do Dundo, Lunda Norte, apesar de ser do âmbito judicial, também tem – ou deveria ter – intervenção do Governo, face à problemática que está implícito ao processo: separatismo liderado por um movimento que se denomina de Movimento do Protectorado Português de Lunda-Tchokwe (MPPLT) e que José Mateus Zeca Mutchima será o seu líder e de acordo com as acusações apresentadas em Tribunal, pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), desde Fevereiro de 2021, como recorda a edição digital diária do Jornal Folha 8”, relembra o articulista.

Afirma Eugénio Costa Almeida que “não está em causa o processo jurídico. Por isso é que está a ser julgado. O que está em causa, e de acordo com um dos advogados defesa, citado pelo Novo Jornal, Salvador Freire, o adiamento – já não sei quantos ocorreram – prende se com o facto de, e cito, «o Ministério Público [MP] não está preparado para apresentar as alegações».

“Estranho, que ao fim de tanto tempo o MP ainda esteja nesta situação. Não creio que o SIC não tenha facultado todo o processo ao MP para analisar, ponderar e tirar as suas conclusões jurídicas sobre os «crimes de “associação de malfeitores e rebelião armada”», afirma o analista, acrescentando que, “repito, apesar de ter de – ou dever de – continuar a haver uma clara separação entre os dois superiores órgãos de soberania, que são o Poder Governativo e a Justiça, neste caso as implicações transfronteiriças são muitos e importantes, quer para a RDC, quer para a Zâmbia, como para outros países do Continente Africano”.

Eugénio Costa Almeida conclui a sua análise dizendo que, “por esse facto, o Governo de República tem de ter, igualmente, uma palavra a dizer. Quanto mais não seja, exigir que o processo judicial seja claro e rápido… “

A propósito de Cafunfo, recordamos o artigo aqui publicado no passado dia 12, sob o título “Cafunfo? Onde é que isso fica?”:

Uma estrada impraticável, onde nem os camionistas querem ir, falta de energia e de água são algumas das dificuldades apontadas pelos empresários da vila mineira de Cafunfo, na província angolana da Lunda Norte, que condicionam o investimento local. Parabéns MPLA. 46 anos no Poder e ainda não teve tempo para fazer algo mais do que ser o partido com mis corruptos por metro quadrado.

Os empresários juntam-se assim aos cerca de 170 mil moradores de Cafunfo, a vila mineira da Luanda Norte onde, a 30 de Janeiro de 2021, dezenas de pessoas foram assassinadas pelo Polícia (do MPLA) durante uma manifestação, nas denúncias sobre a falta de infra-estruturas que agravam a pobreza extrema da região, apesar de esta ser uma das mais ricas do país devido à abundância de diamantes.

No topo da insatisfação está a ausência de uma estrada digna desse nome que, apesar das promessas, continua a faltar, sendo um dos motivos que levou ao protesto do ano passado, mobilizado pelo Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, cujo líder, entre outros participantes se encontra actualmente a ser condenado (o MPLA chama-lhe julgamento) no tribunal da comarca de Chitato, no Dundo (capital da Luanda Norte).

Ângela Moisés, comerciante de frescos, explicou à Lusa como trazer os produtos, provenientes essencialmente de Benguela, Namibe ou de Luanda, àquela localidade de difícil acesso, se tornou uma verdadeira aventura.

“É difícil, é mesmo sofrimento”, diz. “Os camionistas não aceitam vir para aqui e se tiverem de vir [cobram] uma margem um bocado mais elevada, o frete é mais elevado por causa da estrada, a estrada é péssima”, explica.

Quando chove “não passa nenhum camião” e a localidade fica isolada, o que pode chegar a uma semana, “até o chão secar”. E há mesmo quem se negue a vir, salienta Ângela Moisés.

São necessárias pelo menos 12 horas para transpor os 700 quilómetros de distância entre a capital, Luanda, e Cafunfo, sendo o troço final, entre a vila mineira e o município do Cuango, com cerca de 40 quilómetros, o mais penoso.

A estrada pública não passa de um caminho esburacado e praticamente intransitável, dividida por ravinas, onde apenas as motos circulam. Como alternativa, moradores e visitantes têm apenas a via que atravessa a concessão mineira do Cuango, sujeita a restrições e limitações de horário.

O governo local diz que a reabilitação da estrada está em curso, mas para os habitantes de Cafunfo são ainda promessas. É assim há 46 anos. “Estamos à espera que nos dêem uma solução. De concreto, ainda não vimos nada”, desabafa Ângela Moisés.

Totalmente dependentes de geradores para a energia, os comerciantes apontam também os custos do combustível, aliados à escassez e irregularidade do abastecimento, entre as dificuldades que enfrentam, como Rosa Teixeira, proprietária de uma hospedaria e restaurante.

“Nós usamos os nossos geradores e há momentos em que a hospedaria fica sem luz porque não temos combustível”, lamenta.

Quando este chega às bombas, “é luta” para comprar, relata Rosa Teixeira, lembrando que o combustível é também transportado em camiões e estes nem sempre chegam. Ao longo do percurso, carroçarias enferrujadas de camiões de transporte de mercadorias, tombadas aqui e ali e deixadas ao abandono, atestam os obstáculos da viagem.

“A estrada nacional não existe, só tem ravina. Nós queremos, pelo menos, que arranjem a estrada, queremos água, queremos energia, escola, hospitais, é só isso que nós queremos”, pede.

Bento Pedro, filho da terra e proprietário de uma hospedaria, corrobora. “Pensar em investir aqui não foi fácil, foi preciso amor à pátria para fazer um investimento destes”, diz, sublinhando que as dificuldades são “enormes” por falta de infra-estruturas.

A residencial, com mais de 20 quartos, é totalmente auto-abastecida, dependendo de gerador para ter electricidade e de uma captação própria de água.

“Fiz a minha captação para puxar água para aqui, e não foi barato. E nem imaginas qual o meu consumo de luz aqui. Tenho três geradores e diariamente devo gastar quase 150 mil kwanzas [cerca de 250 euros] só para manter a casa acesa, é um problema sério”, lamenta.

Bento Pedro fala também sobre a complexidade em aceder aos produtos de que necessita, do mobiliário à alimentação.

“Às vezes, mesmo tendo o dinheiro não encontramos o produto, por causa das estradas. Há dificuldades graves para os camiões chegarem ao Cafunfo. Há quem nem aceite alugar os camiões, há quem diga ‘não vou para lá por que lá não há estrada’, e os produtos quando chegam já vêem com um preço muito alto”, desabafa o empresário.

“Mas com as nossas dificuldades estamos no Cafunfo. Sem problemas, com problemas, estamos aqui”, prossegue Bento Pedro, apelando à intervenção das autoridades para melhorar a situação, o que viabilizaria também novos investimentos na localidade.

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