Somos livres para estar de acordo (com o MPLA)

Escreve a VoA que jornalistas e fazedores de opinião em Angola não acreditam na liberdade de imprensa em ano eleitoral, a julgar pela contínua pressão do regime sobre os profissionais da classe. Nada de novo, portanto. Como o Folha 8 disse logo que João Lourenço tomou posse, e como dizia antes, Angola continua sem ter jacarés vegetarianos.

Nos últimos tempos, as denúncias têm surgido de todos os lados de uma pressão cada vez maior do poder público para impedir que vozes que não as do Governo e do partido no poder, o MPLA, cheguem às antenas e páginas da imprensa pública, actualmente dominada pelo Estado, escreva a VoA.

Há mais de um ano, o Governo passou para a tutela do Estado vários meios de comunicação pertencentes a antigos dirigentes por, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), terem sido adquiridos com recursos públicos.

Apesar da promessa de que esses meios seriam privatizados, continuam sob tutela do Governo e, segundo observadores, seguindo a linha editorial do Executivo. Ao mesmo tempo, vários jornalistas têm tido às costas investigações da PGR e alguns já enfrentam processos nos tribunais.

“Não teremos nada de novo que nós não saibamos”, considera Jorge Eurico, editor do jornal em formato electrónico “O Kwanza”, acrescentando, escreve a VoA que para o jornalista, neste ano de pré-campanha “o circulo vai ficar cada vez mais apertado”.

O jornalista e director do jornal “O Crime”, Mariano Brás, diz que a crise económica colocou a imprensa privada numa situação de mendicidade e propensa ao aliciamento fácil no período eleitoral, mas também sujeita à intimidação e pressão políticas.

“Neste período de eleições, a postura adoptada pelo regime é de intimidação. Não acredito que haverá um acompanhamento imparcial das eleições”, afirma Mariano Brás.

Por seu turno, o reverendo e activista social Elias Isaac entende, segundo disse à VoA, que o problema da liberdade imprensa em Angola não está nos jornalistas mas “na estrutura política e de governação do país que fingidamente manifesta acreditar na democracia mas a sua alma e a sua essência é autoritária”.

Refira-se que tanto o Sindicato de Jornalistas Angolanos como o Instituto de Comunicação Social da África Austral, MISA-Angola, têm denunciado nos últimos tempos uma maior pressão do Governo sobre jornalistas.

A liberdade de expressão global está “em declínio”, encontrando-se no nível mais baixo numa década, alertava o Article 19, que avalia o estado actual deste direito no mundo, e que coloca Portugal em 11.º lugar no ranking e Angola num brilhantíssimo 104.º lugar.

Esta informação consta no relatório “The Global Expression Report 2019/2020: The state of freedom of expression around the world”, divulgado pela organização internacional Article 19, numa análise a 25 indicadores em 161 países para elaborar um marcador geral com que pontua a liberdade de expressão numa escala de 1 a 100.

A classificação, onde a Dinamarca lidera, seguida da Suíça e Noruega, e a Coreia do Norte é o último da lista, agrupa os países dentro de cinco categorias: em crise, muito restringidos, restringidos, menos restringidos e abertos.

Os países escandinavos ocupam quatro das seis primeiras posições, sendo o Canadá (em 4.º lugar) o único país não europeu no ‘top 10’, no que respeita à liberdade de expressão aberta.

Portugal lidera o “top 5” no que respeita ao indicador ‘liberdade de reunião’ de forma pacífica.

Numa análise aos países de língua oficial portuguesa, que constam do ranking, Timor-Leste é o que ocupa a melhor posição, em 54.º lugar, com liberdade de expressão menos restringida.

Moçambique ocupa o 81.º lugar e o Brasil a 94.ª posição, com liberdade de expressão categorizada como restringida. Angola fica em 104.º lugar, com aquele direito classificado de muito restringido. A título de curiosidade, também Hong Kong tem a mesma classificação que Angola, ocupando o 111.º lugar.

“Na esteira da pandemia Covid-19, enfrentamos um reequilíbrio global da relação entre indivíduos, comunidades e o Estado. Desde Dezembro de 2019, assistimos ao redesenhamento do mundo em inúmeras maneiras: as fronteiras aumentaram, a vigilância aumentou e o movimento foi drasticamente reduzido”, lê-se no referido relatório.

Durante a pandemia, “houve estados de emergência declarados em 90 países, criando situações legislativas excepcionais que têm permitido limitações de direitos e liberdades, foram mais de 220 as medidas e políticas globais que restringem a expressão, reunião, e informação, com evidências que as eleições também estão a ser vítimas de manipulação sob pretexto de protecção da saúde pública”, prossegue.

Além disso, “mais de metade da população mundial – cerca de 3,9 mil milhões de pessoas – vivem em países onde a liberdade de expressão está em crise: o nível mais alto de sempre. O declínio a longo termo tende a ser em países com líderes democraticamente eleitos que mantiveram o poder por longos períodos e que lentamente corroeram as instituições democráticas”.

“A liberdade de expressão global está em declínio, actualmente no mínimo numa década”, sublinha.

Aponta também que, “entre os receios de desinformação na crise da saúde”, a regulação dos media “tornou-se mais rígida, com a tendência das ‘fake news’ a assumir novas proporções à medida que os governos usam a crise sanitária como desculpa para restringir ainda mais” liberdade de expressão.

O relatório denuncia que o “poder sobre a liberdade de expressão é cada vez mais consolidado nas mãos de algumas redes sociais, embora o foco das autoridades continue a cair no policiamento dos utilizadores, em vez de garantir que as plataformas e empresas respeitam os direitos humanos”.

Panos ruins, peixe podre, fuba podre

Em Outubro de 2020, o Presidente da República enalteceu o facto de Angola subir 15 pontos, em três anos, no ranking da liberdade de imprensa, como referiu a organização Repórteres Sem Fronteiras. É, de facto, obra. E agora com as diferentes a TPA com a Palanca TV e TV Zimbo (entre outros) a dar uma ajuda, vamos subir, em breve, aí uns 100 lugares.

João Lourenço, que discursava ontem na Assembleia Nacional sobre o Estado da Nação, enfatizou a ocupação por Angola da 106ª posição no ranking da liberdade de imprensa, na edição/2019, compilada pela Repórteres Sem Fronteiras.

Modestamente, o Presidente não citou o ranking elaborado pela ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana, num trabalho conjunto com o DIP (Departamento de Informação e Propaganda do MPLA), Jornal de Angola, TPAs, TV Zimbo, RNA e Angop, onde Angola aparece nos primeiros cinco lugares dos países com mais liberdade de imprensa.

O Presidente destacou a política de modernização tecnológica e de reforço de infra-estruturas das empresas e institutos públicos do sector da Comunicação Social, visando garantir um maior e melhor desempenho dos profissionais e aumentar a quantidade e qualidade dos serviços prestados aos utentes.

O Chefe de Estado disse também que Angola subiu 19 pontos e melhorou a sua pontuação no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, de 2019, saindo da posição 165 para a 146.

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, é o que o Governo do MPLA quer.

O Governo quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico e da propaganda.

Quem é o Presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo, para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?

Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Relembre-se que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo.

Sejam implementadas as teses do actual MPLA, que ao fim e ao cabo pouco diferem das do anterior MPLA, a não ser na embalagem, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.

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