Sem fiado o MPLA não sabe (como) viver

O Fundo Monetário Internacional (FMI) está a analisar com o governo angolano alternativas que podem ser adoptadas pelo país (leia-se MPLA) após a conclusão do programa de assistência financeira, em Dezembro de 2021, não descartando a possibilidade de um novo empréstimo.

“Existem diversas alternativas que nós já apresentamos às autoridades, seja um novo programa com desembolso, sem desembolso, um programa precautório. Entre as modalidades que nós temos, as autoridades estão a considerar as diversas alternativas para ver aquilo que faz mais sentido”, disse o representante do FMI em Angola, Marcos Souto, questionado sobre um possível novo empréstimo a Angola depois de terminar o actual programa, em Dezembro.

“Não estamos a guiar para um lado ou outro, estamos a oferecer as alternativas que temos, a apresentar as vantagens e as desvantagens, (não sabemos) se vão querer a continuação do programa actual ou um novo programa. Penso que, nos próximos meses, à medida que nos aproximarmos da data de fim do programa actual essa discussão vai avançar, mas ainda não há nada de concreto”, detalhou, acrescentando que tendo em conta o nível de exposição de Angola, se o FMI não for solicitado irá passar para uma fase de avaliação pós-programa

O FMI aprovou recentemente a quinta revisão ao programa de ajustamento financeiro de Angola, permitindo o desembolso imediato de 772 milhões de dólares (633 milhões de euros), salientando a visão positiva das autoridades e o empenho nas políticas do programa.

O programa de ajustamento financeiro foi acertado com o FMI em Dezembro de 2018, num valor de 3,7 mil milhões de dólares, que foi em Setembro aumentado para cerca de 4,5 mil milhões de dólares (de 3 mil milhões de euros para 3,7 mil milhões de euros), dos quais cerca de 3 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) já foram entregues, a que se junta o valor agora anunciado, e dura até final deste ano.

Questionado sobre o facto de Angola estar em período pré-eleitoral e possíveis preocupações quanto a gastos adicionais, Marcos Souto salientou que as autoridades angolanas parecem comprometidas “no que diz respeito ao caminho de prudência das finanças públicas”, tendo em conta as medidas que tem sido adoptadas a nível de orçamento ou de endividamento.

“Não temos indicação de um momento expressivo de gastos sugeridos por um ano eleitoral mas as discussões para o orçamento vão começar em breve e aí teremos mais visibilidade para ver qual o valor do barril de petróleo que será usado no orçamento e como querem usar os recursos”, indicou.

O FMI, acrescentou, tem apelado ao executivo angolano para que insista “num caminho prudente” e “numa trajectória de declínio rápido da divida publica para libertar recursos que não sejam direccionados para o serviço da dívida”.

O representante do FMI apontou também à necessidade de considerar a sustentabilidade da divida aquando da contratação de novas linhas de crédito.

“O que aparecer tem de ser garantido num contexto de planeamento de divida, a nível de sustentabilidade da divida e redução do risco de financiamento, sobretudo no caso de Angola cuja capacidade de divida é muito limitada”, sublinhou.

Apontou também a necessidade de boa gestão dos recursos públicos, já que os recursos disponíveis “são limitados” e há que ter uma preocupação grande com o retorno económico, procurado projectos que maximizem este retorno, como por exemplo infra-estruturas de acesso à água ou projectos que potenciem a diversificação económica.

O fiador é quem mais ordena

Angola vai aproveitar a prorrogação da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida do G20 para pedir também a extensão da moratória do serviço da dívida bilateral não garantida até ao final do ano, anunciou no dia 9 de Junho o Governo.

“Após avaliação da conjuntura, o Governo de Angola, através do Ministério das Finanças, decidiu aproveitar a prorrogação final da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida do G20 (DSSI) e solicitou aos seus parceiros soberanos que continuassem a paralisação do serviço da dívida bilateral não garantida de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 2021”, anunciou o Ministério das Finanças, num comunicado.

O Ministério não menciona os valores da divida bilateral, mas segundo as informações disponibilizadas no site do Banco Nacional de Angola, no final do ano passado era de 5.774,1 milhões de dólares (4.732,9 milhões de euros).

No comunicado reafirma-se que as autoridades angolanas, com o apoio do FMI e outros parceiros multilaterais, “continuam a implementar um ambicioso programa de reformas macroeconómicas até à data, com ênfase para a gestão da dívida”, que tem permitido manter a dívida numa base sustentável, apesar dos impactos da Covid-19.

O Ministério destaca também que a extensão do DSSI proporcionará a Angola fundos adicionais para continuar a mitigar as consequências da pandemia e aumentar a capacidade de o Governo implementar o seu programa de longo prazo de crescimento económico sustentável.

O Executivo não prevê, para já, a necessidade de se envolver em mais negociações de reformulação do perfil com os credores, além daquelas relacionadas com a implementação do DSSI, acrescenta-se no documento.

No passado dia 7 de Abril, a ministra das Finanças, Vera Daves, disse que várias vezes teve de dizer aos banqueiros comerciais para se acalmarem porque a prioridade do país é o financiamento em termos concessionais, abaixo das taxas do mercado. Se possível, como comprova a história do MPLA, entrando os banqueiros com o dinheiro e o governo com a experiência. Isto porque, no fim, os financiadores ficariam com a experiência e o MPLA com o dinheiro…

“Recebemos muitas propostas dos bancos comerciais para financiar projectos específicos, e a nossa iniciativa é dizer para se acalmarem, porque a prioridade é o sector privado, o investimento directo, queremos tirar o pé do acelerador relativamente às linhas de financiamento”, disse Vera Daves durante uma conversa com o presidente do Banco Mundial, que decorreu em formato virtual a partir de Washington, no âmbito dos Encontros da Primavera organizados em conjunto com o FMI.

Abrindo o painel sobre “Repensar a Dívida: Financiando o Futuro numa crise”, Vera Daves disse que “os bancos comerciais ainda estão interessados em dar financiamento a Angola, mas Angola quer evoluir para uma estratégia de combinação de fundos do sector privado e fundos concessionais”, ou seja, abaixo das taxas de juro praticadas pelo mercado.

Respondendo a uma pergunta sobre o interesse da banca comercial no país, a ministra respondeu que esta junção dos dois tipos de financiamento visa “convidar o sector privado para se envolver e participar connosco no crescimento e na exploração de oportunidades, e encontrar fundos através de termos concessionais que às vezes não são aceitáveis para os bancos comerciais”.

É um processo “que de alguma forma é doloroso porque há um enquadramento mental e estratégias diferentes, e alguns dos nossos parceiros já começam a perceber, mas ao princípio não era fácil negociar nestes termos”, apontou, concluindo que Angola está “empenhada com o investimento privado e em ter financiamento concessional, resistindo a assinar contratos em termos comerciais que vão adicionar stress à situação da dívida”.

O FMI prevê que Angola saia da recessão este ano, crescendo 0,4% e acelere o crescimento para 2,4% em 2022, antecipando também uma redução da dívida pública para menos de 100% do Produto Interno Bruto no próximo ano. Pouco antes o FMI previa um crescimento de 3,2%…

Acreditando que aos angolanos só faltam as penas para serem burros, a ministra das Finanças passa a ordem superior de que o MPLA está quase a encontrar a “pedra filosofal”, descobrindo ao mesmo tempo o caminho marítimo para o Huambo com a tese de (espantemo-nos!) que diversificar a economia é essencial para conseguir vencer o desafio da dívida, que o FMI coloca nos 110,7% do PIB este ano.

“Temos de garantir que diversificamos a nossa economia e quebramos a nossa dependência do petróleo, crescendo de forma inclusiva, com mais empregos, mais colecta de impostos e aumentamos a nossa capacidade de pedir menos linhas de financiamento, mesmo que seja a nível concessional, e se isso acontecer as taxas de juro baixam”, diz Vera Esperança dos Santos Daves de Sousa.

Por outras palavras, o Governo procura garantir que antes de morrerem os angolanos estavam vivos. E não é que tem razão?

Durante uma conversa com o presidente do Banco Mundial, David Malpass, no âmbito dos Encontros da Primavera do banco e do Fundo Monetário Internacional, a ministra das Finanças de Angola abriu a discussão no painel sobre “Repensar a Dívida: Financiando o Futuro numa crise” e admitiu enormes dificuldades económicas.

Por conveniência estratégica, a ministra esquece-se que Angola só teve governos do MPLA e explica que “estávamos a sofrer com as consequências da pandemia, estávamos num ponto de partida difícil, com recessões durante tantos anos e a pandemia veio piorar a economia, que é muito dependente do petróleo, e por isso tudo o que afecta o petróleo afecta-nos muito duramente”, disse Vera Daves.

Lembrando as principais dificuldades dos últimos anos, em que Angola enfrentou crescimentos económicos negativos, a ministra disse que foi preciso “trabalhar em diferentes frentes”, elencando as reformas na receita, na despesa e na dívida, e sublinhando a “ajuda importante do Banco Mundial, FMI e a Iniciativa para a Suspensão da Dívida (DSSI), do G20, alargada pela última vez até final deste ano.

“Isto foi muito útil e falámos com os principais credores para encontrar uma solução que nos permitisse ter espaço para respirar a médio prazo e libertar recursos financeiros para lidar com as necessidades sociais e dar apoio financeiro às famílias”, acrescentou a governante.

Questionada sobre a evolução do montante de dívida pelo presidente do Banco Mundial, Vera Daves respondeu que houve um aumento da dívida externa em 18 mil milhões de dólares desde 2015, mas salientou que “se olharmos para o total da dívida, de 2017 até 2020 há um decréscimo de 88 mil milhões para 68 mil milhões de dólares, o que mostra que apesar de ainda termos desafios, estamos no bom caminho”.

Para além disso, acrescentou, houve também “uma redução de 60% desde 2018 nas necessidades brutas de financiamento, através da expansão da base da colecta fiscal”.

Vera Daves admitiu que ainda é preciso “melhorar a qualidade da despesa e construir confiança sobre os indicadores macroeconómicos e o empenho do Governo nas reformas para garantir que a percepção de risco do país diminui e que as taxas de juro desçam, o que é importante”.

Folha 8 com Lusa

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