Quando, num país, a justiça é calcada pelas botas do autoritarismo e os juízes transformam-se em capachos do despotismo, as liberdades sucumbem. As sociedades gregárias civilizadas, criam normas jurídicas gerais e abstractas para impedir a propagação e vulgarização do livre arbítrio de quem, através da compleição física ou poder despótico, impõe aos demais as suas vontades.
Por William Tonet
Um dos processos jurídicos mais rocambolescos, que perdurará ao longo dos anos, nos corredores do Direito, como a pior mancha jurídica praticada em 15 de Agosto de 2019, pelo juiz, Joel Leonardo, do Tribunal Supremo é o de Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, eleito deputado, nas suspeitas eleições de 2017, ganhas pelo MPLA.
O magistrado, fala-se, intramuros, ganhou o título de presidente do Tribunal Supremo, se, marginal às leis e através de elucubrações jurídicas condena-se o arguido a uma pesada pena, para ser eleita o símbolo de João Lourenço, Presidente da República, no combate aos crimes contra a corrupção.
O juiz de forma bizarra confundindo conceitos primários, como desvio orçamental de desvio financeiro, condenou o, até agora, único ministro, natural de Cabinda, e “em cúmulo jurídico visto o artigo 92.º do Código Penal vai o réu condenado na pena única de 14 anos de prisão maior e multa de 18 meses, à razão diária de 120 kwanzas”, sentenciou Joel Leonardo, pelos crimes de peculato, branqueamento de capital, associação criminosa e artifícios fraudulentos para desviar fundos do Estado no caso do Conselho Nacional de Carregadores (CNC)”.
O julgamento iniciado aos 31 de Maio de 2019, durou dois meses e meio e teve como escopo um prejuízo ao Estado de mais de mil milhões de kwanzas, equivalente a 13 milhões de euros, mas, no acórdão em nenhum momento existe uma prova material de desvio financeiro, por parte de Augusto Tomás justificativa de tão elevada pena, mais a mais, quando nos autos não consta a sua assinatura, para transferência de valores, para contas particulares.
Os seus actos resumiram-se a orientar, depois de autorização do Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) a praticar desvios orçamentais, ou seja, transferir do CNC, para o Ministério da Justiça, Caminhos de Ferro de Luanda, bolseiros dos Transportes e Ministério, que não são empresas privadas, nem do réu, logo a moldura, à luz do direito, em países democráticos e de direito é, diametralmente, oposto.
O advogado Sérgio Raimundo considera ter sido esta uma sentença encomendada. “Não há dúvidas! Em momento algum, alguém disse que Augusto Tomás se apoderou deste ou daquele valor. Augusto Tomás mandou pagar despesas do Ministério da Justiça, e o Ministério da Justiça não é uma empresa de Augusto Tomás, é um departamento do Executivo. São tantas as contradições, que dá a sensação que esta sentença veio sei lá de onde. Não há condições para o exercício de uma verdadeira administração da justiça se nós estivermos a condenar pessoas por encomenda ou para dar a entender que agora as coisas mudaram é melhor fazerem sozinhos”, asseverou.
QUEM O QUER MORTO?
No princípio do ano, Augusto Tomás contraiu, na cadeia de São Paulo, COVID 19, com mais de 70% do pulmão afectado, tendo sido evacuado, de urgência, para a Clínica Girassol, onde permaneceu cerca de cinco meses internado. Por altura da alta, os médicos aconselharam sérios cuidados, tendo ficado, sob autorização e vigilância (agentes armados) dos Serviços Prisionais de Outubro de 2020 a Julho de 2021, sob prisão domiciliar, devido à necessidade de terapia bronco-pulmonar, três vezes por semana, arbitrariamente suspensas, sem consentimento médico, pelo juiz do Supremo, Daniel Modesto, através de um rocambolesco mandado de captura, quando o réu estava localizado e sob guarda policial.
No dia 14 de Julho de 2021: “O doutor Daniel Modesto Geraldes, venerando juiz conselheiro presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo manda: a qualquer oficial de justiça, agente da autoridade policial ou de força pública que, ao ver o presente, devidamente assinado e autenticado com o carimbo a óleo em uso na Secretaria Judicial da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proceda à captura e conduza à cadeia o cidadão Augusto da Silva Tomás, solteiro, de 63 anos de idade”.
Lamentável!
“Esta é mais uma prova de perseguição, arbitrariedade e humilhação do cidadão, quando o Tribunal Supremo sabe que o mesmo está localizado e nunca violou, as medidas de restrição de movimento”, esclareceu o seu advogado.
Recorde-se ter o Supremo impressões digitais, consideradas por muitos fazedores de direito e familiares, “assassinas” ao negar que o réu, Manuel António Paulo, pudesse fazer uma revisão médica, para substituir a pilha, que lhe garantia a respiração e demais sinais vitais. A insensibilidade dos juízes contribuiu para o aceleramento da sua morte, no 30 de Janeiro de 2021, na Clínica Sagrada Esperança.
“Talvez seja o mesmo; a morte, que o Presidente da República de Angola esteja a reservar ao nosso conterrâneo, Augusto Tomás, com tanta injustiça e arbitrariedade”
Regressado aos calabouços, no 15.07.21, estranhamente, Tomás ainda não foi sujeito a nenhum teste, nem de zaragatoa, tão pouco lhe foi ministrada qualquer vacina de COVID-19, quando já contraiu o vírus. Mas não lhe tendo sido dada nenhuma dose, viu agravadas as humilhações e restrições de direitos, como não ter banhos diários de sol, estar 24 horas com a cela fechada, como se na privada, aberta apenas, por 5 minutos, para recepção da comida da família e ter apenas um pequeno balde de água insuficiente, para a higiene de um doente com o SARS-COV. Numa só palavra, contrariando a Constituição é-lhe denegada assistência médica e medicamentosa. Um crime!
Atente-se que a 19 de Novembro de 2019, o Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, em sede do processo n.º 100/019, reduziu a pena de 14 anos, do ex-ministro, convertido no maior inimigo de João Lourenço, a uma (pena) de oito anos e seis meses de prisão maior e, a 02 de Fevereiro de 2021, o plenário do Tribunal Constitucional, através do Acórdão 663/21, indeferiu um “Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade”, interposto pelos seus advogados, sob forte contestação de alguns dos 10 juízes, avessos a ditadura e higienicamente comprometidos com o direito, afastaram a unanimidade, nomeadamente, o ex-juiz presidente, Manuel Aragão, e os conselheiros Carlos Teixeira, Josefa Neto e Maria de Almeida Sango.
Na declaração de voto vencido, Manuel Aragão alegou que os princípios do direito a um julgamento justo “exigem uma máxima idoneidade de meios” e considerou que a “mitigação das formalidades” só é admissível quando necessária “a salvaguardar um outro direito processual fundamental”.
Neste caso, o juiz considerou que havia elementos que “certificam a violação do princípio do direito ao julgamento justo”, o que fundamentou o seu voto contra o acórdão.
Maria de Almeida Sango referiu ter o Tribunal Supremo violado a possibilidade dos juízes do plenário, estudarem o processo, que contém mais de 28 volumes, nas condições adequadas, devido à exiguidade do prazo determinado o que os impediu de decidir de forma conscienciosa.
“Não restam dúvidas de que o prazo dado aos conselheiros para emitir o seu visto, não lhes permitiu formar um bom juízo de valor e tomar uma decisão justa”, escreveu a juíza, acrescentando que o acórdão “proferido por esta instância [Tribunal Supremo] vai na contramão e beliscou os direitos e garantias constitucionais dos recorrentes” pelo que deveria ser declarado inconstitucional, por ter violado vários princípios da Constituição, como o da igualdade de armas, o direito à tutela jurisdicional efectiva, o princípio do contraditório e o direito ao julgamento justo e conforme.
Como se pode aferir, o problema não é o de Augusto Tomás estar preso, mas se teve direito a um justo processo legal e a condenação, está caboucada em provas materiais irrefutáveis de cometimento de ilícitos, enquanto governante. E é aqui que a porca torce o rabo, pois nada é blindado, apenas houve uma sentença adesão, sustentada, em actos indeterminados e na presunção da culpa, facilmente, carimbados no acórdão, do juiz Joel Leonardo, um verdadeiro hino ao mau direito.
SEM DISCRIMINAÇÃO É LIBERTADO
Augusto Tomás foi condenado a vários crimes, dentre eles o de violação das normas de execução orçamental, que ao abrigo do novo Código de Processo Penal, foi descriminalizada a conduta integradora dos elementos objectivos e subjectivos, logo, o bom direito, apelaria a consciência jurídica, imparcial do Ministério Público, para instar oficiosamente o Tribunal Supremo à rever o cúmulo jurídico, alterando a pena única.
Tendo sido, escandalosamente, encomendada, não se espera tal higiene, por parte do Supremo, principalmente, depois de alguns magistrados terem sido “untados” com milionárias moradias, por parte do TPE, interessado nessa contenda.
Desta feita cabe à defesa de Augusto Tomás, esgrimir argumentos para requerer a revisão da decisão condenatória, quer por via de Recurso Extraordinário de Revisão ou através de Recurso Extraordinário de Cassação, CPP (Código de Processo Penal) art.º 536.º: “1. A reapreciação, por via de recurso de cassação das decisões penais condenatórias transitadas em julgado, pode ser proposta pelo Presidente do Tribunal Supremo ou requerida pelo Procurador-Geral da República, Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola e Provedor de Justiça”.
O novo CPP escancara uma porta mais larga, para a interposição do Recurso Extraordinário de Cassação, ao permitir a entrada do Bastonário da Ordem dos Advogados e o Provedor de Justiça, quando antes, apenas o presidente do Supremo e Procurador da República, poderiam fazê-lo, mas havendo fortes suspeições de terem tido interesses na causa, demonstrados na acusação e condenação, nunca o farão.
Assim, se o caminho, indirecto: bastonário e provedor, parecer tortuoso, resta avançar, sem dependência, para o Recurso Extraordinário de Revisão, por ser directo.