Plataforma 27 de Maio bate com a porta

A Plataforma 27 de Maio, que congrega sobreviventes e órfãos dos massacres de 27 de Maio de 1977, levados a cabo pelo assassino Agostinho Neto (herói nacional do… MPLA), acusa o Governo angolano (no Poder desde 1975) de “encenar” uma homenagem às vítimas com fins de propaganda, branqueamento e absolvição dos genocidas, e anunciou a desvinculação da Comissão de Reconciliação.

Numa carta endereçada ao presidente da CIVICOP (Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vitimas dos Conflitos Políticos) e ministro da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz, a Plataforma acusa a CIVICOP e o Governo de quererem “passar uma esponja sobre os massacres que vitimaram milhares de angolanos”.

Em causa está a cerimónia marcada para o próximo dia 27 de Maio, em que pela primeira vez o governo angolano vai assinalar a data em que se deu o massacre (o MPLA chama-lhe tentativa de golpe de Estado), que a Plataforma denuncia como “uma encenação”.

“Pretende-se, sobretudo, passar a imagem de que tudo ficará resolvido, a reconciliação será feita e o perdão concedido, não havendo responsáveis pelos crimes hediondos nem busca da Verdade Histórica”, critica a Plataforma no documento hoje divulgado.

O acto de homenagem prevê um minuto de silêncio em memória das vítimas dos conflitos políticos e a entrega de certificados de óbito a duas órfãs, bem como a presença de um representante da Fundação 27 de Maio e de Francisco Queiroz.

Para a Plataforma, trata-se de beneficiar “da presença de alguns colaboracionistas e do aval de algumas instituições, que se deixaram aliciar pelo poder, quando “a verdadeira homenagem que as vítimas merecem deveria começar com um pedido de perdão público do Sr. Presidente da República e dirigente máximo do MPLA, General João Lourenço, pelos crimes praticados pelo regime naquele período”.

“No caso de Angola, não houve passividade mas autoria nos massacres”, acusam as associações representadas na Plataforma (Associação 27 de Maio, Associação Memória 27 de Maio de 1977 e Sobreviventes do 27 de Maio).

Na carta, sublinham que uma homenagem credível terá de passar pela procura da verdade histórica, identificação dos responsáveis pelos crimes cometidos, e que os agentes da repressão que praticaram crimes deixem de ser considerados “vítimas”, bem como a localização dos restos mortais das vítimas, emissão das certidões de óbito, onde conste a data e causa da morte e, por fim, a sua devolução às famílias.

A Plataforma refere que a CIVICOP “ignorou” estes apeclos levando à decisão de suspender a participação nos trabalhos desta entidade, em Março.

Afirmam ter sido agora surpreendidos com a encenação teatral programada para o dia 27 de Maio, que descrevem como uma “manobra de propaganda escandalosa”, a que recusam dar aval, rompendo, em definitivo, com a CIVICOP.

“Não vamos desistir deste nosso combate sem tréguas e apelamos aos patriotas angolanos, aos amantes da verdade e da justiça e à comunidade internacional para que não se deixem ludibriar por esta manobra fraudulenta”, concluem na missiva

Mais um massacre, desta vez à verdade e à nossa memória

Do alto da sua torre de divina sabedoria, o Presidente João Lourenço ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002.

Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República de Angola, João Lourenço inclui entre os conflitos a “intentona golpista do ’27 de Maio’ [de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado”.

Para quem não sabe, como parece ser o casso dos escribas que redigiram a nota, ou até mesmo do próprio Presidente do MPLA, intentona significa: “Intento ou empresa insensata, conluio de motim ou revolta”.

João Lourenço justifica a decisão como um “imperativo político e cívico do Estado” para “prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultantes dos conflitos políticos”. Um “imperativo político e cívico do Estado” que o MPLA/Estado leva a efeito sem ouvir, muito menos integrar, representantes de outros partidos ou da própria sociedade. Tudo normal, portanto.

“Convém instituir um mecanismo para a promoção da auscultação e de um diálogo convergente, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivência nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternidade entre os angolanos”, salienta o chefe de Estado (não nominalmente eleito), Presidente do MPLA (o único partido que governou Angola desde a independência) e Titular do Poder Executivo.

A Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para Homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, segundo João Lourenço, seria (é) coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e ex-ministro da Geologia e Minas, cargo para o qual foi nomeado aos 28 de Outubro de 2012 por José Eduardo dos Santos, Francisco Queiroz, e integra vários outros departamentos ministeriais e – porque não se brinca em serviço – o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE).

A comissão, prossegue-se o decreto de João Lourenço, devia preparar e submeter à aprovação do Presidente da República um programa que contenha um conjunto de acções para que se preste “homenagem condigna à memória dos cidadãos que faleceram como resultado dos conflitos que ocorreram no país no período referenciado”.

“Tal tem a finalidade de se curar as feridas psicológicas das famílias e de regenerar o espírito de fraternidade entre os angolanos através do perdão e da reconciliação nacional”, argumentava o chefe de Estado de Angola.

Como símbolo paradigmático da benemerência de João Lourenço pode apontar-se o que se passou recentemente no Cuíto Cuanavale. No dia 23 de Março de 2019, de uma forma que não gera dúvidas, João Lourenço assumiu que só é Presidente dos angolanos do MPLA. Na cerimónia de branqueamento da batalha do Cuíto Cuanavale, condecorou meia centena de antigos combatentes, nenhum deles esteve ligado às Forças Armadas da Libertação de Angola (FALA) – exército da UNITA, mas apenas às Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), do MPLA, do seu MPLA.

Nesse sentido, a comissão teria de propor “mecanismos apropriados” para identificar e comunicar-se com as famílias e as entidades colectivas ou singulares com interesse no assunto “e obter a cooperação que delas se espera”.

“Deve também apresentar sugestões sobre o modo como o Estado angolano deve prestar uma homenagem condigna aos cidadãos vítimas dos conflitos políticos e trabalhar com as instituições apropriadas para elaborar os projectos e orçamentos da construção do monumento e os actos de homenagem”, lê-se no decreto.

Além do ministro da Justiça e Direitos Humanos, a comissão, apoiada por um grupo técnico, integrava também representantes da Casa Civil e da Casa de Segurança do Presidente da República, e dos ministérios da Defesa Nacional, dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria e da Comunicação Social e do SISE.

No decreto, João Lourenço frisa que, para o “cabal desenvolvimento das suas atribuições”, a comissão deve consultar, dentre outras, instituições como os ministérios das Relações Exteriores, da Família, Acção Social e Promoção da Mulher, da Saúde e da Cultura, bem como os partidos políticos com assento parlamentar, organizações religiosas reconhecidas como tal, organizações “idóneas” da sociedade civil e outras “cujo objecto social facilite o alcance dos seus fins”, refere-se no decreto.

O decreto surgiu um dia depois de o Bureau Político do MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, e também liderado por João Lourenço, ter aprovado a medida, com o intuito de estabelecer – segundo disse – um diálogo nacional e fortalecer as bases de consolidação da paz e da reconciliação nacionais.

Um assassino que é herói (nacional e mundial) do MPLA

Em Angola, o Dia do Herói Mundial (que substituirá o Dia do Herói Nacional, designação muito pequena para a amplitude do protagonista) é uma comemoração partidária transformada, por força da ditadura, em nacional angolana e agora em mundial, em memória do nosso maior genocida, do nosso maior assassino, António Agostinho Neto.

Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.

João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento de Agostinho Neto.

“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial que pudesse ombrear (à sua escala) com Adolf Hitler, Joseph Stalin, Pol Pot, Mao Tse-Tung, Kim Jong-il (entre muitos outros).

“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou também o Bureau Político.

Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.

“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.

“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.

“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.

Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha), “mergulhado nos seus recalcamentos e frustrações”, na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.

Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?

Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”. O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?

Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que o MPLA utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.

Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira do MPLA, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.

Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.

É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?

Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, de prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..

Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e com a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.

“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.

Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.

Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também por não haver um líder em Angola.

Folha 8 com Lusa

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