Algozes e traidores querem polir o genocídio de Neto

A Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), obviamente do MPLA e não republicana e independente, pretende, depois de várias peripécias em que os algozes desempenham papel, também, de vítimas, mas por serem vampiros, pretendem polir, branquear e quase desmentir o maior genocídio praticado por António Agostinho Neto, então presidente do MPLA e da República Popular de Angola, depois da II Guerra Mundial, ao mandar assassinar e, as palavras são dele, “sem perder tempo com julgamentos”, no 27 de Maio de 1977, cerca de 80.000 cidadãos inocentes, sem o justo processo legal.

Por William Tonet

Agora, querem que uma das filhas de Nito Alves vá receber a certidão do pai, sem lhe explicarem como e porque razão o mataram e onde está enterrado, mas, pasme-se, precisamente atrás da estátua do homem, Agostinho Neto, que matou o seu pai, sem o ouvir e conceder um digno e justo julgamento. No festim vão também desfilar falsos presos ou verdadeiros, mas submissos, além de discursarem responsáveis da Fundação 27 de Maio que nunca estiveram presos nas fedorentas masmorras da tenebrosa DISA, em 1977 e que, na caça de mordomias, se prestam ao trabalho sujo, putrefacto e conivente de apunhalar a memória das vítimas e dos sobreviventes, excluídos, apenas, por pretenderem um esclarecimento sobre a VERDADE, para que a reconciliação seja, na realidade, uma plataforma digna de verdadeira conciliação.

Hoje vou rememorar, nesta rúbrica, o esboço da capa do livro, que provavelmente, sairá em 2022 e uma introdução do mesmo.

INTRODUÇÃO

De tanto remover as cinzas sempre cintilam as brasas que se diria estarem apagadas mas que, tal como a verdade, não prescrevem e estarão sempre acesas. E assim, por um conjunto de circunstâncias pontuais, decidimos fazer a abordagem, em livro, de um drama nacional, o 27 de Maio de 1977, que mais tarde ou mais cedo terá que ser sanado, sem no entanto esquecer, nem descurar, a dificuldade e a grandeza da empreitada.

Para compreender o que se passou no dia 27 de Maio de 1977 e, sobretudo, o que se passou depois desse dia, não basta ter o conhecimento da situação criada por um litígio que opôs então duas alas rivais do MPLA, de um lado os Netitas, do outro, os Nitistas.

Os antecedentes da trama engendrada contra Nito Alves, ícone como comandante da guerrilha e José Van-Dúnem, ex- prisioneiro político de São Nicolau, e milhares de outros jovens intelectuais, militantes do MPLA, continuam escondidos no lamaçal fedorento e cúmplice onde ainda se movimentam antigos camaradas de armas, transfigurados em algozes para a defesa dum poder manchado de sangue, que prossegue a sua rota insensível aos clamores das almas de milhares de vítimas assassinadas e dos seus familiares que aguardam por um simples boletim de óbito.

Caricatamente, ante a crueldade dos assassinatos selectivos, instaurados por Neto desde 1964, na luta de libertação nacional e os em massa e sem julgamento levados a cabo pela tenebrosa DISA, polícia política do seu regime, entre 1977 a 1979, é confrangedor, em pleno século XXI, o mutismo e o cinismo do regime, que proclamou “em nome do comité central do MPLA”, em 1975, a Independência de Angola, sem a realização de eleições democráticas, como vaticinavam os Acordos do Alvor rubricados com as autoridades portuguesas e os três movimentos de libertação nacional: FNLA, MPLA e UNITA.

Por esta razão, não se pode tentar tapar com uma peneira o maior genocídio levado a cabo no século passado por uma força política no poder, contra militantes do seu próprio partido, o MPLA, cujo crime foi o de reivindicar, em sede própria, um maior pragmatismo ideológico na condução dos destinos da então República Popular de Angola. Ademais, estamos em face de um fenómeno que sai das fronteiras angolanas.

Na realidade, depois dos horrores praticados por Adolf Hitler e dos seus serviços de segurança, a Gestapo, na II Guerra Mundial, a DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola) de Angola, protagonizou a maior chacina ocorrida no século XX em África, com a mui benévola colaboração intervencionista do partido no poder, o MPLA e das tropas mercenárias cubanas.

Esta foi a verdade! Esta é a verdade! Esta será sempre a verdade!

Os números oficiosos, baseados nas prisões arbitrárias, na quantidade de presos em campos de concentração, nas múltiplas cadeias, nos fuzilamentos diários, nos enterrados vivos, nos jogados de avião ou lançados ao mar, são aterradores: 60 ou mesmo 80 mil vítimas, na sua maioria intelectuais jovens brutalmente assassinados sem direito a qualquer tipo de defesa.

Uma autêntica “limpeza da intelectualidade autóctone”.

E nessa mal-aventurada empreitada, “o guia imortal”, “o político profundamente humano”, como o “marketing tacanho” do regime propaga ter sido Agostinho Neto, ao mostrar tamanha insensibilidade no seu desempenho, “promulgando as listas de morte” levantadas pela “corte de sangue”, ter-se-á, para muitos, transformado no “político profundamente assassino”, com o seu apogeu a estatelar-se na lama vermelha de tanto sangue, no genocídio de 27 de Maio de 1977.

Enterrando, à força, a balança da justiça atirou às urtigas os preceitos da mesma: imparcialidade, sensatez e frieza, apanágio dos grandes líderes nos momentos de divergências internas.

Mostrou-se sempre, mais ou menos, parcial, sobretudo depois de ter tomado partido irreversível pela ala liderada pelo seu padrinho e confidente, Lúcio Barreto de Lara, contra quem conseguiu unir as lianas da guerrilha, no 1º Congresso do MPLA, realizado em 1974, em Lusaka, Alves Bernardo Baptista. Terá sido esta opção digna do perfil de um líder, num momento de crise?

Nito Alves, o jovem e histórico comandante da 1ª Região que o havia salvado de morte súbita política no conclave de Lusaka, na capital da Zâmbia, quando a maioria dos militantes do interior e exterior estavam contra a direcção do partido, três anos depois viu-se cobardemente abandonado pelo homem que ele tinha salvado, Agostinho Neto, e sem possibilidade de esgrimir os seus argumentos em fórum próprio.

Travou uma luta titânica contra o tempo, por se ter dilatado voluntária ou involuntariamente o prazo de dois meses dado pelo Comité Central à Comissão de Inquérito liderada por José Eduardo dos Santos para ouvir os acusados.

A estratégia foi masoquista, pois passava-se a ideia, para o público de um hipotético inquérito, mas a máquina, nos bastidores, tinha instruções para frear a sua marcha, pois o destino dos acusados já estava traçado…

Assim, não houve qualquer inquérito. Catalogado como culpado, antes de qualquer juízo imparcial e isento, escancarou-se-lhe o coração, num impulso de irreverência, para, num último grito do Ipiranga, explicar aos membros do Comité Central e organizações sociais do MPLA, a injustiça que campeava contra a sua pessoa e companheiros de infortúnio.

Com todos os campos minados, com a maquinação no seu esplendor, a única companheira era a frustração, que lhe permitiu encarar de frente a cobarde e assassina muralha de betão, ardilosamente ministrada na comunicação social, por Costa Andrade “N’dunduma” e Artur Pestana “Pepetela”, que, numa premonição impressionante, para além da diabolização, previram todo o cenário posterior.

Desta forma, Nito apontou baterias para um “túnel escapatório”: “As 13 Teses em Minha Defesa”, uma visão comunista baseada em fórmulas marxistas-leninistas, que ingenuamente acreditou ser a linha defendida por Agostinho Neto. Ledo engano!

O Presidente da RPA e do MPLA acreditava sobretudo no não-alinhamento e no liberalismo económico e muito menos no socialismo científico, que publicamente advogava. Por essa razão, foi severamente insensível, e responsável, talvez não a 100, mas a 90%, pelas mais graves atrocidades cometidas na história da Angola independente.

Ninguém, de forma imparcial, poderá afirmar se Neto era um idealista como líder político, ou se carregava uma costela assassina incubada, mas seguramente é obrigado a rememorar, por exemplo, a crise de 1963 do MPLA e as que se seguiram, para entender melhor a mentalidade oblíqua deste médico, casado com uma portuguesa, líder político por convite e poeta da África lusófona com algum talento por veia epidérmica, que presidiu por dois anos ao destino da República Popular de Angola, depois de ter esmagado com o apoio de forças mercenárias cubanas, russas, guineenses, moçambicanas e argelinas, a oposição política da FNLA, que contava com o apoio das tropas zairenses, e a UNITA, que se tinha aliado em desespero de causa aos racistas sul-africanos.

Mas o pendente mais penoso de uma data tão polémica quanto dramática, deve ser analisado com o rememorar de um percurso sinuoso dos trilhos por que passou a história do MPLA, enquanto movimento de libertação, estrela do ex-cometa soviético.

Portanto, vamos começar pelo princípio e o princípio é o “glorioso” MPLA, a sua nascença oficial envolvida em mistérios gerados de raiz pelos seus próprios fundadores, incapazes que são de apresentar provas do que dizem. Depois veremos como o Dr. António Agostinho Neto chegou ao poder, primeiro no seio do MPLA, depois, como presidente da República de Angola, ao termo de um trajecto semeado de contradições e quezílias, fomentadoras de todos os fraccionismos que balizaram a sua caminhada histórica.

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