Para ganhar as eleições, MPLA decreta fim da crise

A consultora Eurasia considera que Angola (ou seja, o MPLA) não deverá pedir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) um novo programa de assistência financeira devido à necessidade de aumentar a despesa pública antes das eleições, marcadas/previstas para o próximo ano.

“É pouco provável que Angola prossiga com um segundo programa do FMI até depois das eleições de 2022 devido ao aumento da pressão sobre a despesa pública para sustentar o apoio ao MPLA” (partido no poder há 46 anos e que agora vise com o pesadelo de ser obrigado a abandonar a gamela), lê-se num comentário à evolução da situação económica no país.

No comentário, enviados aos clientes, os analistas escrevem que “a retirada dos subsídios, o abrandamento da economia angolana e o falhanço do partido no poder em garantir algumas promessas eleitorais levou a um declínio do apoio nos tradicionais bastiões”.

Para os analistas desta consultora, “a crescente concorrência eleitoral colocada pela formação de uma coligação na oposição e as mudanças à lei eleitoral aumentaram o risco da existência de mais protestos políticos nas vésperas das eleições de 2022”.

Estas eleições, concluem, “podem ser a campanha presidencial mais competitiva na era do pós-guerra, principalmente devido ao facto de o MPLA enfrentar pela primeira vez uma oposição unida liderada por Adalberto da Costa Júnior”, líder da UNITA.

Este fortalecimento da oposição “pode fazer com que o Presidente, João Lourenço, atrase a redução dos subsídios aos combustíveis e acelere o ritmo dos programas” eleitoralistas “para atrair investimento directo estrangeiro e diversificar a economia”, apontam os analistas.

Recorde-se que Angola vive hoje (em bom rigor, vive há quase 46 anos) uma degradação progressiva ante a incapacidade do Governo do MPLA de reverter o quadro de penúria generalizada que a esmagadora maioria das famílias angolanas enfrenta.

O País está falido, doente e sem rumo. A juventude, que é o futuro da Nação, sente-se traída e impotente, porque os governantes, ao invés de governarem para o povo, roubaram o País e roubaram também o futuro da juventude.

No Sul, aldeias inteiras assistem o êxodo das suas populações assoladas pela fome e pela falta de água que agravam a pobreza e semeiam a morte, como o Folha 8 demonstrou em algumas das suas mais recentes reportagens. Nos centros urbanos, o preço galopante dos alimentos faz as suas vítimas, e a classe média que há alguns anos atrás brotava vai minguando.

Os preços dos alimentos da cesta básica sobem todos os dias sem qualquer controlo. O preço do açúcar, mesmo o produzido em Malange, por exemplo, continua a ser manipulado a favor dos cartéis e contra os interesses do povo desprotegido por quem o devia proteger.

Não se compreende que mesmo quando o câmbio do dólar se mantém inalterado e a oferta de produtos nacionais aumenta, os preços desses produtos continuem a aumentar a um ritmo superior à taxa da desvalorização da moeda, em violação das leis do mercado.

A incapacidade do governo de resolver os problemas sociais tornou-se estrutural (para além de congénita), tendo transformado a falta de água potável, as doenças endémicas, o desemprego, a educação sem qualidade, a falta de saneamento básico, a incompetência do governo e a corrupção em verdadeiros inimigos do povo angolano.

Para agravar a situação, o Partido Estado/MPLA capturou o Estado, subverteu a democracia e delapidou os recursos do País para beneficiar meia dúzia dos seus oligarcas.

Prova disso é a persistência na contratação directa das mesmas empresas para as principais empreitadas de obras públicas, quando a maioria das construtoras que outrora empregavam milhares e milhares de cidadãos e lhes mitigavam a fome, asfixiadas pelo não pagamento da divida pública vão minguando no esquecimento.

A conduta desviante de quem governa, que não escuta os seus parceiros sociais, não dialoga sequer com os partidos fora da sua órbita, cria uma crise insanável na relação entre governantes e governados, que obriga a Nação a rever os fundamentos da relação intrínseca existente entre responsabilidade política e legitimidade governativa.

O republicanismo ensina que a responsabilidade política dos governantes constitui o fundamento das obrigações políticas dos cidadãos, no sentido em que as regras de conduta responsável a que os governantes estão vinculados são também regras de legitimidade política.

Quando os governantes quebram tais regras, tomando decisões que lesam manifestamente o bem da comunidade ou quando praticam crimes, isso significa que as condições que tornariam o seu poder legítimo e válido se desfizeram.

Nesta base, o Partido Estado/MPLA perdeu (se é que alguma vez a teve) a legitimidade política para continuar a governar Angola. De facto, o republicanismo e a democracia representativa, não permitem o exercício do poder representativo sem responsabilidade.

A responsabilidade é uma condição da democracia, tal como a democracia é uma condição da responsabilidade. O povo admite apenas a cedência do seu poder aos seus governantes porque conserva a oportunidade de os vigiar e de os remover.

É convicção generalizada (até mesmo de muitos angolanos do MPLA) que o Partido Estado/MPLA perdeu a legitimidade política para continuar a governar Angola por manter o Estado capturado, asfixiar as liberdades democráticas, manter de alguma forma a corrupção e manter a economia refém de interesses hegemónicos, solidamente entrincheirados nas esferas do poder e por ter passado a governar contra os interesses do povo soberano de Angola.

Angola precisa de adoptar um Programa de Emergência Nacional para tirar o País da crise em que se encontra. A fome, a saúde, a educação, o desemprego, a habitação e a criminalidade tornaram-se problemas de segurança nacional e precisam de ser tratados como tal.

Os angolanos querem governantes que sejam patriotas, que amem o povo, respeitem a Lei e não sejam corruptos. Não querem governantes que estejam comprometidos em salvar os seus partidos, mas governantes comprometidos em salvar Angola e os Angolanos.

O tempo da democracia tutelada, para perpetuar no poder alguns e excluir outros, tem de acabar. Ou acaba ou Angola morre. Também tem de acabar o tempo da República sem republicanismo; o tempo da democracia sem liberdade de imprensa; o tempo de todos ficarem amordaçados à vontade de uma só pessoa.

O problema não está na filiação política das pessoas. Está nas práticas erradas e na incapacidade dos dirigentes de governar para o povo, olhar para todos.

É preciso negociar uma solução pacífica, democrática e definitiva para o conflito em Cabinda. É preciso ouvir as pessoas e conciliar as suas aspirações com as do país inteiro.

A manipulação de procedimentos e resultados eleitorais praticadas até aqui firmam a convicção de que a liderança do MPLA quer para Angola um capitalismo de partido único e uma democracia que não produza alternância, que encara eleições como um ritual, cuja função é revestir, com as aparências da legalidade, a “vitória anunciada” do partido do governo, a qualquer custo e por qualquer meio.

Angola já rejeitou no plano formal este modelo de governação em 1992 e também em 2002. O passo que falta para Angola tornar-se de facto um Estado de Direito Democrático é garantir que as eleições deixem de ser um ritual controlado pelo Partido Estado; e passem a ser eleições democráticas, livres e justas, que reflictam sempre e só a vontade soberana do povo.

Em 2017, chegamos ao cúmulo de ver uma CNE dividida a anunciar resultados que não produziu. Ficou confirmado que a CNE serviu e tem servido apenas de testa de ferro das ordens superiores. Até hoje, ela não tem os resultados eleitorais reais, mesa por mesa, assembleia por assembleia, porque são manipulados.

Importa recordar que os problemas de Angola dizem respeito a todos os seus filhos, incluindo os que vivem na diáspora e também aos investidores estrangeiros que escolheram Angola como seu local de residência e àqueles que investiram aqui o seu dinheiro, contando com o justo retorno do capital investido.

Por isso é normal que as forças democráticas do País conversem com os investidores e lhes reafirmem garantias de estabilidade. Eles sabem tudo o que se passa em Angola. Sabem coisas que o povo não sabe. Porque é lá no estrangeiro que estão os dinheiros de Angola, é lá que se cozinham os contratos que o povo não conhece.

Folha 8 com Lusa

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