O vice-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Mateus Magala, defendeu, em entrevista à Lusa, que os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) devem aprofundar a cooperação económica, destacando as vantagens do Compacto Lusófono, um tipo de “Pato com Laranja”, uma comédia italiana de Luciano Salce.
“O BAD identificou a necessidade de aprofundar a cooperação económica no seio da comunidade dos países lusófonos, reforçando ao mesmo tempo a sua integração na sua região e as suas ligações às cadeias de valor do comércio intra-regional e global”, disse Mateus Magala, em declarações a partir de Abidjan, a sede do banco.
Questionado sobre se o banco sentia que não estava a penetrar nesses mercados, nomeadamente Angola e Moçambique, as maiores economias africanas lusófonas, Mateus Magala acrescentou que “o BAD criou, em parceira com os Governos de Portugal e dos PALOP, a iniciativa Compacto Lusófono que serve como um quadro estratégico para acelerar o crescimento inclusivo, sustentável e diversificado do sector privado nos PALOP, que permitirá ao mesmo tempo aumentar o volume de financiamento do BAD ao sector privado nesses países”.
O Compacto Lusófono é, supostamente, um modelo inovador de financiamento dos projectos nos países lusófonos africanos, em que Portugal, que tem inscrita uma garantia de 400 milhões de euros no Orçamento do Estado para este ano, e o BAD desempenham um papel primordial no financiamento, preparação, acompanhamento e execução dos projectos.
Segundo Mateus Magala, este “catalisador da implementação das áreas prioritárias do Banco liderada pelo sector privado” tem um valor mínimo de projecto de 30 milhões de dólares, quase 25 milhões de euros, mas é ajustável tendo em conta a dimensão de economias mais pequenas.
“Devido aos custos elevados associados a financiamento de projectos privados, o BAD, para a sua janela de financiamento directo ao sector privado, considera projectos no valor mínimo de 30 milhões de dólares, o que vai ao encontro da política do BAD que estipula que a sua comparticipação financeira máxima em qualquer projecto não deve exceder 33% do custo total do projecto ou programa de investimento”, mas esta questão é ultrapassada com a criação de linha de crédito, que pode distribuir esta verba geral por vários projectos de valor menor.
“O BAD dispõe de vários instrumentos e iniciativas que apoiam projectos de menor dimensão, principalmente através de intermediários financeiros locais e regionais ou de programas de investimento, através de, por exemplo, empréstimos e linhas de crédito a instituições financeiras locais e regionais para repassar às entidades de sectores diferentes”, explica o vice-presidente.
Ciente da diferente dimensão das economias dos PALOP, Mateus Magala reconhece que como “a maior parte dos países dos PALOP têm constrangimentos em estruturar projectos de grande dimensão, o BAD encontrou veículos especiais de investimento como instrumentos importantes para apoiar o desenvolvimento do sector privado, especialmente em economias menores, a fim de permitir o financiamento de pequenos projectos, mas de grande impacto económico e social”.
É nesse contexto que estão “em preparação dois fundos piloto para Cabo Verde e São Tomé e Príncipe”, adiantou.
O Compacto Lusófono é uma “plataforma de financiamento, envolvendo o BAD, Portugal e os seis PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), fornecendo mitigação de risco, produtos de investimento e assistência técnica para acelerar o desenvolvimento do sector privado nos países lusófonos africanos”.
O Compacto para o Desenvolvimento é uma iniciativa lançada no final de 2017 pelo BAD e pelo Governo português (através da SOFID) para financiar projectos lançados em países lusófonos com o apoio financeiro do BAD e com garantias do Estado português, que assim asseguram que o custo de financiamento seja mais baixo e com menos risco.
Em Julho de 2019, a presidente da comissão executiva da SOFID afirmou que o Compacto Lusófono, um acordo para facilitar financiamentos nos PALOP, é um “mitigador de risco” e salientou a necessidade de adoptar “soluções criativas” para apoiar projectos de desenvolvimento nos países africanos.
“Para mobilizar os fundos, precisamos de avançar com soluções criativas”, sublinhou Marta Mariz, durante uma intervenção no 21º Fórum de Energia de África (AEF 2019), destacando o apoio ao Compacto Lusófono.
“É um mitigador de risco, permite financiar e conceder assistência técnica aos projectos”, acrescentou a responsável da SOFID (Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento) a propósito do Compacto.
O Compacto Lusófono “surge de uma nova política de financiamento ao desenvolvimento por parte do Estado português que permitirá ao BAD aumentar a sua disponibilidade de financiamento nos países lusófonos”, disse Marta Mariz à margem do Fórum.
O Compacto está assim assente “numa política de alavancagem” em que o BAD é um dos financiadores, mas os projectos podem contar com outros co-financiadores, como a própria SOFID, além dos capitais próprios dos promotores dos projectos.
A SOFID vai funcionar como elo entre o BAD, o Estado português e as empresas portuguesas interessadas em projectos de investimento nos países signatários do Compacto Lusófono, continuou a responsável da instituição de crédito que recusou avançar detalhes sobre os projectos que já foram identificados.
O Compacto Lusófono foi assinado pelo BAD, por Portugal e pelos PALOP a 28 de Dezembro de 2018, para garantir financiamento, instrumentos de mitigação de riscos e assistência técnica a projectos do sector privado ou parcerias público-privadas.
Criada em 2007, a SOFID tem como objectivo contribuir para o crescimento económico de países emergentes e em vias de desenvolvimento, articulando com os objectivos e a estratégia do Estado Português em matéria de economia, cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento, de acordo com a sua página institucional.
E o Observatório Luso-Angolano?
A unidade de estudos económicos da revista britânica The Economist considerou, em Julho de 2015, que a criação do Observatório de Investimentos entre Portugal e Angola era uma medida eminentemente simbólica que surgiu na sequência do forte declínio das exportações portuguesas para Angola.
De acordo com uma nota de análise da Economist Intelligence Unit (EIU), “o Observatório de Investimentos foi constituído para aumentar as relações bilaterais e os fluxos entre Angola e Portugal através da facilitação e melhoramento do foco dos investimentos em Portugal e Angola, embora na realidade a sua criação seja mais provavelmente uma medida simbólica do que uma iniciativa prática”.
“O seu lançamento foi adiado por causa do desentendimento diplomático devido às investigações judiciais portuguesas às elites angolanas, pelo alegado envolvimento em branqueamento de capitais em Lisboa”, escreve a EIU, concluindo que “isso levou ao cancelamento de uma cimeira bilateral de alto nível, planeada durante um longo tempo e que deveria ter acontecido em meados de 2014, ao passo que o Presidente de Angola usou o seu habitual discurso do estado da nação para questionar a relação do país com Portugal”.
No entanto, resumia a EIU, “essas tensões estão agora resolvidas, já que um número de investigações legais em Lisboa acabaram”.
Na nota aos investidores, a EIU lembrava que a exportação de bens portugueses para Angola caiu 23,6% entre Janeiro e Março de 2015 face ao primeiro trimestre de 2014, um valor que os analistas atribuem, “com toda a probabilidade, à falta de divisas estrangeiras, causada pela baixa dos preços do petróleo e queda das receitas do Governo”.
Mesmo fazendo, na altura, tudo o que Eduardo dos Santos mandava, nomeadamente considerar que os altos dignitários do regime angolano estão acima da lei, Portugal continuava com a corda no pescoço. A prova disso estava na criação da linha de crédito de 500 milhões de euros para reforçar a tesouraria das empresas portuguesas que exportam para Angola.
“Há mais de 300 empresas que estão a recorrer a esta linha de crédito e nós no Governo, em concreto no Ministério da Economia, estamos atentos porque se for necessário ampliar esses 500 milhões assim o faremos, ou proporemos em Conselho de Ministros”, disse o então ministro da Economia, António Pires de Lima.
O ministro português falava após se reunir com o congénere angolano, Abraão Gourgel, no âmbito da visita de dois dias que efectuou a Luanda, onde presidiu à criação do Observatório dos investimentos angolanos em Portugal e portugueses em Angola.
De acordo com António Pires de Lima, essa linha de financiamento serviria também para apoiar as cerca de 5.000 empresas portuguesas que têm Angola como único destino das exportações.
Esta actividade estava a ser afectada pela crise económica em Angola, decorrente da forte quebra nas receitas com a exportação de petróleo, com as vendas de Portugal a caírem 25% no primeiro trimestre do ano, o que levou o ministro português a assumir o “conselho” aos empresários nacionais para diversificarem os destinos de exportação.
“É muito importante que a economia angolana diversifique fontes [de receita], e esse é um objectivo dos responsáveis angolanos, assim como é importante que as empresas portuguesas diversifiquem os seus mercados”, apontou o governante português.
Na época, a crise da cotação do petróleo no mercado internacional obrigou o Governo angolano a rever, em Março, o Orçamento Geral do Estado para 2015, estimando agora um défice nas contas públicas de 7% e um crescimento do Produto Interno Bruto de 6,6%, mas as dificuldades não se ficaram pelos cofres públicos e alastraram para a economia real, nomeadamente pela falta de divisas estrangeiras.
Várias empresas estrangeiras queixavam-se da dificuldade em obter dólares para conseguir não só pagar aos fornecedores, mas também aos próprios funcionários, que geralmente recebem uma parte do salário na moeda de origem e outra parte na moeda local.
O então ministro Pires de Lima sublinhou aos jornalistas o “forte compromisso de Portugal com Angola”, ao nível das empresas e do poder político.
“Nós estamos em Angola nos momentos de maior crescimento, mas também nos momentos de maior exigência”, disse, após a reunião com o congénere angolano.
Nesse ano, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano, Portugal foi destronado no primeiro trimestre deste ano da liderança dos fornecedores de Angola pela China e pela Coreia do Sul.
Após vários anos a liderar, Portugal figurou entre Janeiro e Março no terceiro lugar das origens das importações por Angola, com uma quota de 10,9% e 70.033 milhões de kwanzas (526,6 milhões de euros) de produtos vendidos, traduzindo-se numa quebra homóloga de 2,1%.
Folha 8 com Lusa