O top(ete) do Presidente

Com toda (e mais alguma) legitimidade de quem é Presidente da República apenas porque foi o cabeça-de-lista do partido mais votado, o general João Lourenço, enalteceu hoje a missão da Polícia Nacional de Angola (PNA), que cumpre o 45º aniversário (tantos quantos o MPLA tem de Poder), destacando o seu papel como garante da legalidade institucional, integridade territorial e segurança e estabilidade social.

Por Orlando Castro

Numa mensagem de felicitações dirigida à PNA, o general João Lourenço, também Comandante-em-Chefe das Forças Armadas (para além de ser, desde 2017, o representada de “Deus” em Angola) realça que esta força “tem vindo a cumprir a sua honrosa e elevada missão, fiel ao espírito de defesa da paz, da integridade territorial, da segurança e estabilidade social e de garantia da legalidade institucional”.

Criada poucos meses depois da independência, a Polícia Nacional (do MPLA) tem sido criticada nos últimos tempos pelo uso excessivo de força na repressão de manifestações, sendo o caso mais recente os incidentes na vila mineira de Cafufo de que resultaram várias mortes devido a uma alegada invasão de uma esquadra, que o governo classificou como “um acto de rebelião”.

João Lourenço, que destaca a modernização e melhoria da formação dos efectivos da PNA (nem o seu Comandante, Paulo de Almeida, consegue contar até 12 sem se descalçar), “superando a falta de meios, de equipamentos e efectivos dos primeiros anos”, sublinha que as forças policiais se têm dotado de “meios cada vez mais sofisticados e eficazes para exercer uma grande variedade de funções na defesa da ordem pública e da vida e bens dos cidadãos”.

O Presidente da República, igualmente Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo, devoto e eterno admirador do único herói nacional (Agostinho Neto) que, por sinal, mandou assassinar milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977, conclui a mensagem exaltando “a memória dos que deram as suas vidas pela pátria” e expressando solidariedade às famílias dos efectivos que “nestas quatro décadas e meia perderam as suas vidas no exercício da sua nobre missão”.

Também o Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança da Presidência da República, general Pedro Sebastião, felicitou a PNA, hoje, em Luanda, discursando no acto central das comemorações do 28 de Fevereiro, que tiveram lugar no Instituto Superior de Ciências Policiais.

Mostrou, no entanto e certamente por estar a falar de uma outra Polícia Nacional, preocupação com situações que mancham a corporação face a registos de má actuação policial, encorajando os efectivos a responder à altura das suas responsabilidades, enquanto detentores de meios para impor a ordem e a segurança pública “lá onde ela for ferida”.

“É a nossa tarefa que deve ser exercida e cumprida sem paternalismo e muito menos sem excesso, que podem desvirtuar a essência da vossa missão que, de resto é muito bem sublinhada no lema: Pela ordem e Pela Paz ao Serviço da Nação” (em português do Povo: matar primeiro e interrogar depois), concluiu o também general das Forças Armadas Angolanas, citado na página oficial de Facebook da PNA.

O general Pedro Sebastião, que representou, na ocasião, João Lourenço (general presidente que no contexto da guerra civil mostrou ser o mais valente na defesa das mais recuadas linhas de combate), destacou o papel da Polícia também a nível da cooperação internacional, com a participação no processo de formação e preparação profissional, nos seus estabelecimentos de ensino e centros de formação, de efectivos policiais de Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Princípe, Namíbia, Zâmbia, República Democrática do Congo, Guiné Equatorial e República Centro Africana.

O sucesso na formação das suas congéneres é de tal ordem que estão em listas de espera polícias da Guiné Equatorial, Coreia do Norte, Myanmar, Estado Islâmico, bem como de grupos de defesa dos direitos humanos, como Al-Qaeda, Boko Haram e Talibãs.

O eterno amor PA/JL

Para este sucesso contribuiu decisivamente o grande, o enorme Paulo de Almeida, admirador eterno e apaixonado do general João Lourenço (ou será ao contrário?).

O general João Lourenço ficou deleitado (presume-se porque quem cala consente) ao ouvir o Comandante-geral da Polícia (do MPLA), Paulo de Almeida, defender o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. Para Paulo de Almeida, a resposta da polícia tem sido sempre em legítima defesa.

O comandante-geral da Polícia Nacional afirma (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao manda massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem os juristas.

“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferência de imprensa destinada a supostamente esclarecer o ataque terrorista (foi isso, não foi?) na região do Cafunfo, onde o MPLA mostrou mais uma vez – como já fizera Agostinho Neto em 1977 – que não está para perder tempo com julgamentos, razão pela qual mata primeiro e interroga depois.

Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional”.

(Por alguma razão a Polícia é tão
forte com os fracos mas bate com
as patas no mataco a fugir velozmente
quando o adversário é forte)

“Você está a atacar o Estado angolano com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantismo próximo do que diria João Lourenço, o Comandante Paulo de Almeida.

E, enquanto o míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”, o Presidente João Lourenço confina-se no silêncio de quem gostaria de um dia ser como Paulo de Almeida.

Outra afirmação que encheu as medidas do general (João Lourenço) foi quando o comandante-geral da Polícia Nacional disse que pelo lado das autoridades não estava a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo-crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário (que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidade de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriais. Nas democracias e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam-se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.

“Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processo-crime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizações querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualmente melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnação de… João Lourenço.

Recorde-se que o então Comissário Chefe da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, dizia em Dezembro de 2015 (altura em que João Lourenço terminava o doutoramento em como derrotar as forças coloniais) que as últimas manifestações convocadas pelos partidos da Oposição tinham como objectivos a tomada do poder, um golpe de Estado, portanto, motivo pelo qual as forças de segurança as impediram. Nessa altura foi “capturado”, tal como agora na Lunda, um vasto arsenal bélico, com destaque para umas centenas de… cartazes contra o regime.

A Polícia Nacional afirma, reafirma, continua a afirmar ter provas mais do que cabais que provam que esses meliantes (hoje já são terroristas) pretendiam mesmo derrubar o regime. Ontem eram uns, hoje são outros, amanhã seremos todos nós.

Entrevistado pela Rádio Ecclésia sobre o balanço das actividades desenvolvidas pela Policia Nacional, eis que o então seu Segundo Comandante Geral sacou da pistola, perdão, da cartola, a mais bombástica revelação:

“Temos provas de que as orientações eram de um grupo chegar ao Palácio do Governo Provincial, outro grupo saía do Baleizão para chegar ao Palácio Presidencial. As provas recolhidas sustentam a tese de que o objectivo da última manifestação era o assalto ao poder”, garantiu na altura (na altura ainda não estavam disponíveis os mísseis intercontinentais) Paulo de Almeida.

Paulo de Almeida disse que “a lei permite que os cidadãos ou associações cívicas se manifestem. Os polícias não têm nada que impedir. Mas também a lei diz que essas manifestações têm regras, não podem ser próximas de locais de soberania, não podem ser manifestações que perturbem a ordem e a tranquilidade pública, violentas, que criam instabilidade e ameaçam o pacato cidadão que não tem nada a ver com a confusão”. E acrescentou, para que não restem dúvidas quanto à tentativa de tomar o poder pela força, que “as manifestações não podem ser agressivas, não podem ser desordeiras e nós só actuamos quando elas desrespeitam essas situações”.

Então ficamos todos a saber que a presença de mais de dois cidadãos junto aos locais de soberania era um indício de golpe, que se não forem vestidos com as cores do MPLA e dando vivas ao Presidente os manifestantes serão considerados agressivos, que se andarem a colar cartazes entram na categoria, potencialmente golpista, dos desordeiros.

Paulo de Almeida sublinhou também que a Polícia Nacional sabe quais são as intenções dos manifestantes. E sabe com certeza. Se até consegue saber o que os cidadãos pensam… E então no que pensavam esses golpistas? O Comandante responde: “O público pode não saber isso, mas nós sabemos, então agimos em conformidade. Eu sei que isso não vai agradar às pessoas mas a verdade é esta. Nós estamos aqui para garantir a segurança de todos”.

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