O Grupo Parlamentar da UNITA condenou hoje o “assassínio” de Eugénio Pessela, de 41 anos de idade, que, “segundo testemunhas, participava pacificamente” na manifestação organizada, no sábado, pelo Secretariado Provincial do partido em Benguela.
Num comunicado hoje divulgado, a UNITA fala de incidentes graves ocorridos em Benguela no dia 11 de Dezembro de 2021, “envolvendo cidadãos angolanos que exerciam o direito de manifestação e efectivos da Polícia Nacional, que culminaram na morte de um manifestante e o ferimento de outros dois”.
O Secretário Provincial da UNITA em Benguela, Adriano Sapiñala, partilhou na sua página do Facebook que o militante, de 41 anos, foi atingido no peito com uma granada de gás lacrimogéneo, na marcha de saudação ao XIII Congresso Ordinário do “Galo Negro”, tendo sido assistido, mas não resistiu ao ferimento.
“O Grupo Parlamentar da UNITA considera inaceitável a morte de cidadãos no exercício dos seus direitos e liberdades constitucionalmente protegidos e insta as autoridades competentes no sentido de apurarem os factos e as circunstâncias do acidente, para a consequente responsabilização criminal e disciplinar dos autores, nos termos consagrados pelo artigo 75.° da Constituição da República de Angola”, apela o partido.
Em Cabinda, segundo o activista Makosu Sita, a Polícia travou uma marcha pacífica alusiva ao dia 10 de Dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos.
“As intimidações começaram vários dias antes do dia marcado, uma vez que as casas dos organizadores estavam a ser vigiadas e estes foram obrigados a dormir fora das suas casas. Já no próprio dia, havia forte aparato policial em todas artérias da cidade de Cabinda, e as primeiras detenções começaram as 10:00”, disse o activista, indicando que o número de detidos foi superior a uma centena, alguns dos quais terão sido, entretanto, libertados.
A intervenção da polícia em Cabinda mereceu uma nota de repúdio da associação Omunga que criticou o “plano de recolha horas antes da realização da referida manifestação com o objectivo de inviabilizar a realização da mesma”.
“Fala-se em cerca de 100 manifestantes detidos e tantos outros desaparecidos; alguns manifestantes foram recolhidos e deixados em zonas distantes do centro da cidade sem condições mínimas de regresso; enquanto decorria esta operação as vias de comunicação ficaram inoperantes, resta saber se foi uma mera coincidência ou não”, denuncia a Omunga numa nota assinada pelo seu coordenador, João Malavindele, lembrando que o direito à manifestação está consagrado na lei.
“Assim sendo, a acção perpetrada pelas forças da ordem e segurança constitui grave violação dos direitos humanos”, diz a Omunga, exortando a Procuradoria-Geral da República e o Ministério do Interior a fazerem uma investigação no sentido de identificar os envolvidos directamente na ação que agora se denuncia, e responsabilizá-los criminal e civilmente.
Em Luanda, a polícia interveio numa tentativa de manifestação que, segundo o porta-voz do comando provincial de Luanda, foi marcada por “actos de arruaças, queima de pneus e apedrejamento das forças da ordem”.
Nestor Goubel afirmou que a polícia recebeu informações sobre a presença de um grupo de aproximadamente uma centena de elementos, pertencente ao grupo “Sociedade Civil Contestatária”, concentrados junto do cemitério de Santana, com cartazes, que se preparavam para realizar um protesto.
O porta-voz da polícia adiantou que foram abordados no sentido de se aferir a legalidade da presença na via pública, uma vez que os mesmos não exibiram nenhum documento, tendo sido advertidos que deveriam cumprir um determinado trajecto, ao qual desobedeceram.
“Desobedeceram ao percurso orientado pela polícia e em passo de corrida, abandonaram o cordão policial em direcção ao triângulo do Caputo na avenida Hoji Ya Henda”, afirmou, acrescentando que as forças da ordem tentaram acalmar os ânimos, enquanto os manifestantes pegavam em pneus, fósforos e combustível para cometer “actos de vandalismo”, tendo a polícia sido obrigada a tomar medidas de dispersão.
Questionado pela Lusa, Nestor Goubel disse que não houve detenções.
“Silêncio misterioso” sobre o assassinato de Inocêncio de Matos
Noutra frentes, a família do activista Inocêncio de Matos, morto há um ano por disparos da Polícia, durante uma manifestação em Luanda, criticou o “silêncio misterioso” dos órgãos de justiça sobre o processo, lamentando a “cosmética” concretização dos direitos humanos.
O activista angolano, de 26 anos, morreu em 11 de Novembro de 2020, na sequência de disparos efectuados por efectivos da polícia angolana durante uma manifestação, em Luanda.
Doze meses após a sua morte, o pai do activista, Alfredo Miguel, pediu “encarecidamente a todos os actores que concorrem para a causa da justiça e dignidade humana em Angola e além-fronteiras a ajudarem a família na efectivação da justiça” sobre a morte de Inocêncio de Matos.
“E de modo geral a todos que perderam a vida em circunstâncias iguais, com vista a acudir à triste realidade da sociedade angolana, que muitas vezes é abordada de maneira cosmética por parte das entidades do Estado angolano”, afirmou Alfredo Miguel em conferência de imprensa.
Alfredo Miguel recordou à imprensa que o mundo assinalou o Dia Mundial dos Direitos Humanos e que o Presidente angolano, João Lourenço, garantira em Novembro de 2020, durante um encontro com a juventude, que o “processo de investigação” do caso “estava em curso e que o mesmo seria esclarecido em breve”.
“Porém, 12 meses depois da garantia do senhor Presidente da República, até à data presente, os órgãos de justiça não se pronunciaram sobre o respectivo crime”, apontou.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola deu a conhecer, na altura, que de acordo com o primeiro exame do cadáver e autópsia a perícia concluiu que a causa da morte de Inocêncio de Matos foi um “traumatismo crânio-encefálico com fractura dos ossos do crânio e lesão do encéfalo, resultante de ofensa corporal com objecto de natureza contundente”.
Testemunham oculares garantem, no entanto, que o jovem activista foi baleado e morreu no local, sendo este também o entendimento dos familiares que culpam a polícia pela morte, como reafirmou Alfredo Miguel.
O pai da vítima afirma que seu filho “indefeso foi cobardemente assassinado enquanto prostrado, diante do forte e desproporcionado arsenal policial, implorando” que lhe “poupassem a vida”.
“Mesmo assim, as forças da Polícia nacional atiraram impiedosamente com metralhadoras de guerra à cabeça do infeliz jovem que se encontrava de joelhos ao chão”, lamentou.
Passado um ano do assassinato, observou, “as autoridades governativas aos distintos níveis, demarcam-se da abordagem sobre a morte de Inocêncio de Matos, enquanto o misterioso silêncio dos órgãos de justiça sobre o processo, com vista ao esclarecimento e responsabilização exemplar dos mentores do premeditado crime, se mantém”.
Para Alfredo Miguel, a sociedade angolana vê-se na “obrigação de pedir licença e compreensão aos que se sentem incomodados pelas legítimas reclamações do povo fragilizado pela miséria, fome, injustiça e violência gratuita imposta por aqueles que têm o dever sagrado de proteger a vida humana”.
O pai de Inocêncio de Matos pediu igualmente aos deputados angolanos para “não perderem a identidade e os legítimos objectivos que os conduziram ao parlamento para a concretização das expectativas dos cidadãos que representam”.
Alfredo Miguel, que já efectuou vigílias em frente à sede da PGR angolana, disse ainda que a morte do seu filho provocou “transtornos incontornáveis à família e à sociedade em geral que chora e clama por justiça plena e incondicional”.
A propósito do “Dia Mundial dos Direitos Humanos julgamos que Angola precisa ainda de fazer muito mais e mais do que isso, existem provas evidentes sobre violações graves dos direitos humanos como é o caso do meu filho e de muitos que continuam sem esclarecimentos”, rematou.
Folha 8 com Lusa