E A CULPA É (SÓ PODE) DA UNITA

A Polícia Nacional de Angola abriu um inquérito interno para apurar a morte de um militante da UNITA, maior partido da oposição que MPLA (ainda) permite, que supostamente terá ocorrido durante uma manifestação na província de Benguela, foi hoje anunciado.

Em causa está a morte de Eugénio Pessela, cidadão de 41 anos, que, de acordo com um comunicado de imprensa do grupo parlamentar da UNITA, citando testemunhas, “participava pacificamente” numa marcha organizada, no sábado, pelo secretariado provincial do partido em Benguela.

Num comunicado de imprensa hoje distribuído, o comando provincial da Polícia Nacional em Benguela tornou público que, no sábado, se realizou uma actividade política de massas da UNITA no Largo da Peça.

De acordo com a Polícia, tal actividade foi antecedida de uma comunicação prévia da UNITA, dirigida ao governador provincial, a dar conta da pretensão de efectuar uma marcha em certas artérias da cidade, em alusão à reeleição do seu líder, Adalberto da Costa Júnior.

A Polícia avançou que foram realizadas três reuniões de concertação com distintos responsáveis da UNITA, tendo sido comunicado aos organizadores da impossibilidade da realização da marcha, por violação do Decreto Presidencial 280/21, referente ao combate à pandemia da Covid-19, “podendo sim realizar-se a actividade de massas circunscrita num único local sem ter carácter ambulante”, de acordo com o mesmo decreto. Relembre-se que, na prática, o Decreto Presidencial 280/21 não se aplica quando os actos de massas são organizados pelo MPLA.

Face à insistência dos dirigentes da UNITA “em desacatar a orientação, mesmo depois de várias tentativas de os demover da teimosia, a polícia reforçou a presença policial nas principais artérias da cidade, sobretudo no Largo adjacente ao Liceu Comandante Kassanji, onde estava prevista a concentração dos militantes e de lá partirem para a marcha”.

Segundo a polícia, cerca de 3.500 pessoas, provenientes de vários pontos da província, estavam no local, tendo as forças da ordem montado três barreiras de segurança, incluindo o lançamento de duas serpentinas (cercas de arame de aço farpado).

“Mas mesmo assim, os militantes da UNITA, em clara desobediência às autoridades públicas, forçaram e romperam a serpentina, acompanhado de arremessos de objectos contundentes (pedras, garrafas de água mineral com areia e combustível) às forças da ordem”, refere-se no comunicado.

Para impedir o rompimento da segunda barreira, a Polícia admitiu ter lançado “artefactos não letais, apenas de efeito moral, originando um certo pânico no local”.

Sobre as informações “que circulam nas redes sociais” dando conta da existência de três feridos causados pela situação, a polícia não confirmou, salientando que o Hospital Geral de Benguela, assim como o municipal, não registaram a entrada de feridos ligados àquela ocorrência.

“Por conseguinte, a Polícia Nacional tomou conhecimento que na morgue do Hospital Geral de Benguela deu entrada na manhã de domingo de um cadáver, cuja morte foi extra-hospitalar”, salienta-se no documento.

A Polícia sublinha que das diligências que efectuou verificou que o nome da vítima coincide com que se indica nas redes sociais, pelo que, ordenou a abertura de um inquérito para apurar o caso.

“Foi igualmente solicitada uma autópsia ao cadáver, para que se conheça a real causa da morte”, informou a Polícia, que lamentou “profundamente o sucedido”, apelando às formações políticas a pautarem a sua actuação no respeito pelas normas vigentes no país, “evitando situações desastrosas”.

O secretário provincial da UNITA em Benguela, Adriano Sapiñala, partilhou na sua página do Facebook que o militante, de 41 anos, foi atingido no peito com uma granada de gás lacrimogéneo, na marcha de saudação ao XIII Congresso Ordinário do “Galo Negro”, tendo sido assistido, mas não resistiu ao ferimento.

“O Grupo Parlamentar da UNITA considera inaceitável a morte de cidadãos no exercício dos seus direitos e liberdades constitucionalmente protegidos e insta as autoridades competentes no sentido de apurarem os factos e as circunstâncias do acidente, para a consequente responsabilização criminal e disciplinar dos autores, nos termos consagrados pelo artigo 75.° da Constituição da República de Angola”, apela o partido.

Recordando Sílvio Andrade Dala

Setembro de 2020. A UNITA dizia estar indignada com o silêncio do Presidente da República diante da morte do médico Sílvio Andrade Dala, ocorrida numa esquadra da Polícia, em Luanda. Na altura, o comandante geral da Polícia, Paulo de Almeida, negou enfaticamente que o médico tenha sido morto por agentes da polícia. Pois. É claro. Terá sido um… suicídio?

Na altura, o secretário-geral do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, Álvaro Chicuamanga, disse à VOA que o mais alto mandatário do país devia ter-se pronunciado nas primeiras horas da ocorrência para condenar o acto e manifestar solidariedade para com a família.

Álvaro Chicuamanga desafiou o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e o comandante-geral da polícia a colocarem os seus cargos à disposição e condenou os excessos das forças da ordem. Tudo continua na mesma, a bem do que melhor convém ao MPLA.

Curiosamente, à época, David Mendes, então deputado independente da UNITA, pediu um boicote ao uso da máscara de protecção facial no interior das viaturas pessoais, num acto que considerou de “desobediência civil em protesto contra a morte do médico angolano”.

Solidário com a sugestão de David Mendes esteve o jurista e deputado do MPLA, João Pinto, que descreveu o incidente como “triste e chocante”.

O ministro do Interior, Eugénio Laborinho, confirmou a instauração do inquérito e de um processo-crime para o Procurador-Geral da República aferir o que terá ocorrido na esquadra.

Também a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, defendeu, em nota de condolências, que devia ser instaurado um processo-crime com vista a esclarecer as circunstâncias reais em que ocorreu a morte do médico, para responsabilização dos eventuais prevaricadores.

Por sua vez, Paulo de Almeida, garantia que “não foi morto ninguém nas celas da polícia, não foi morto nenhum médico, foi uma morte patológica que aconteceu, infelizmente coincidiu estar sobre alçada da polícia, mas não foi a principal causa da morte,” disse o comandante da Polícia à Rádio Nacional de Angola.

Paulo de Almeida rejeitou também as acusações de abusos de poder por parte dos agentes da polícia envolvidos na aplicação das medidas de prevenção do coronavírus, actuação essa que mereceu a condenação da Amnistia Internacional.

“É preciso ficar bem claro, não sei quando é que há excesso de zelo, quando o governo publica um diploma em que chama atenção como o cidadão deve andar na via pública está na lei, quando as autoridades competentes do governo anunciam que todo cidadão, quando estiver na via pública deve usar máscara e se não usar está sujeito a penalizações, portanto, actuamos,” disse Paulo de Almeida, acrescentando que “o médico é um cidadão, não é diferente de qualquer outra pessoa”.

Segundo o Ministério do Interior, Sílvio Dala foi interpelado por um efectivo da Polícia Nacional, por não uso de máscara na sua viatura, e levado à esquadra. A medida do efectivo da PN baseou-se no Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública, que impunha o uso obrigatório de máscara na via pública e no interior das viaturas, mesmo as viaturas pessoais.

Por sua vez, o porta-voz do Ministério do Interior, Waldemar José, afirmou que o médico teria sido encaminhado para uma esquadra policial mais próxima, onde foram cumpridas todas as formalidades da elaboração do auto de notícia e a respectiva notificação de transgressão.

Pelo facto de a esquadra não possuir mecanismo para o pagamento da multa de cinco mil kwanzas, disse, o médico terá ligado para alguém próximo para efectuar o respectivo pagamento e levar o comprovativo à esquadra.

Foi nesse período de espera, de acordo com o oficial comissário, que o cidadão teria começado a sentir-se mal tendo desmaiado embatendo com a cabeça no chão.

O mesmo, afirma, foi prontamente posto numa viatura das forças de defesa e segurança que a levou para o Hospital do Prenda, no mesmo distrito, onde veio a falecer durante o trajecto.

“Queda aparatosa que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça… Devido ao seu estado grave”? Certo. Tão certo como o facto de que o médico antes de morrer estava… vivo.

Em comunicado de imprensa, o Ministério referiu que após dirigir-se à esquadra dos Catotes, no Rocha Pinto, foram explicados ao médico os moldes de pagamento da coima e não tendo um terminal de multibanco nos arredores, telefonou a um familiar próximo para proceder ao pagamento.

A nota adiantava que “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo tido uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.

“Devido ao seu estado grave, foi levado para o Hospital do Prenda e no trajecto acabou por perecer”, sublinha-se no documento, acrescentando-se que o Serviço de Investigação Criminal interveio, levando a vítima para a morgue do Hospital Josina Machel. De acordo com as autoridades, a família do falecido terá confirmado que o médico padecia de hipertensão.

O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (que comparado com a Polícia nada percebe da questão) contrariou a versão da polícia, dizendo que depois da queda o médico foi mantido na cela e horas depois foi encontrado morto.

“Só assim que entenderam levar na viatura da polícia o malogrado para o Hospital do Prenda, onde apenas foi confirmada a sua paragem cardiorrespiratória irreversível”, refere o sindicato.

Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava o falecido, depois de tomar conhecimento da morte deslocou-se à referida morgue e ficou surpreendido porque a gaveta onde se encontrava o corpo estava cheia de sangue.

“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a pancadaria e duros golpes que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realçou o sindicato.

O malogrado médico deveria saber, e o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, fartou-se de avisar, que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência.

Ora, não andar com máscara como era obrigatório pode causar, sobretudo dentro das esquadras, “quedas aparatosas” que podem “provocar ferimentos ligeiros na região da cabeça…” que, contudo, originam um “estado grave” e a morte.

Mas quando um cidadão não usa máscara tem de ser levado para a esquadra, o único lugar adequado para resolver tão candente problema, e aí há sempre a possibilidade de quedas, de ferimentos ligeiros que evoluem para grave e que terminam na morgue.

Está, portanto, esclarecido que o médico Sílvio Dala foi (como é timbre da Polícia) levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a – como mandou o chefe – dar-lhe chocolates e rebuçados e a servir-lhe um “whisky” (com duas pedras de gelo).

Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala terá começado a agredir as grades da cela, atirando-se pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizou mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o falecimento…

Folha 8 com Lusa

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