MATAR TUDO (E ÀS VEZES TODOS) O QUE NÃO É NOSSO

O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) manifestou-se preocupado com o silêncio da sucursal do MPLA para a comunicação social, de seu nome Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), face à postura da imprensa pública na cobertura dos congressos dos dois maiores partidos políticos, MPLA e UNITA.

A posição expressa numa nota subscrita pelo secretário-geral, Teixeira Cândido, considera uma “omissão grave” o posicionamento da ERCA, “postura que pode estar relacionada com a sua composição político-partidária”, acrescenta. Pode estar? Parafraseando João Lourenço, a verdade não é “relativa”. Ou é, ou não é. E, neste como em muitos outros casos, a verdade é alérgica ao “pode estar”, pois a verdade é que ESTÁ!

E o Sindicato dos Jornalistas não pode ter medo de dizer a verdade. Assim nem se livra do medo e nem diz a verdade.

“O SJA está convencido de que é uma obrigação da Entidade Reguladora da Comunicação Social prestar atenção às críticas dos cidadãos, endereçadas aos órgãos públicos, pois são acima de tudo contribuintes que exigem um serviço de qualidade”, sublinha-se na nota.

A organização sindical refere que continua a defender a existência da ERCA, mas “porém com uma composição e atribuições tais como estabelecidas na Lei de Base das Entidades Administrativas Independentes, aprovada pelo Parlamento, em Outubro deste ano”.

“O SJA não tem a menor dúvida de que a postura da imprensa pública na cobertura dos dois congressos violou de maneira grosseira a Constituição da República de Angola”, lê-se no documento, considerando que os meios públicos concederam “um tratamento privilegiado ao partido MPLA, situação que não contribuiu para a promoção do pluralismo de informação e a paz social”.

Por outras palavras, não são meios públicos mas sim meios privados do MPLA. A única coisa que é pública é o financiamento da gamela desses órgãos.

Os dois maiores partidos políticos angolanos, o MPLA (no poder há 46 anos), e a UNITA, o maior da oposição que esse mesmo MPLA (ainda) permite, realizaram este mês, no intervalo de uma semana os seus congressos ordinários.

A ERCA é constituída por 11 membros, dos quais cinco designados pelo partido com maioria no Parlamento (o MPLA), um membro indicado pelo Governo (do MPLA), dois pelas organizações representativas do sector e três pelos demais partidos com assento na Assembleia Nacional, dos quais dois pela UNITA, como a maior força da oposição, e o último por indicação conjunta da CASA-CE, PRS e FNLA.

Quem assina o óbito da ERCA?

O jornalista e conselheiro da ERCA, Reginaldo Silva, lamentou no passado dia 1 de Outubro, a limitada intervenção deste órgão, sendo a regulação dominada pelo Governo (MPLA), que tem tido, no último ano, “uma política de terra queimada”.

Reginaldo Silva abordou, em Luanda, a evolução da regulação da comunicação social numa conferência organizada pela Associação de Comunicólogos Angolanos, e criticou a falta de utilidade da ERCA neste campo, já que o poder regulatório continua a pertencer ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.

O jornalista afirmou que o partido do poder há 46 anos, o MPLA, nunca permitiu que a legislação relativa à regulação evoluísse para uma perspectiva mais participada, pelo que a ERCA, criada em 2017, nasceu com o mesmo “defeito de fabrico” de entidades anteriores, assemelhando-se a um “vaso de flores” (onde a maior parte são de plástico, dizemos nós) sem grande utilidade além de “engalanar o ambiente”.

Reginaldo Silva salientou que a ERCA não dá autorizações, nem participa nos licenciamentos, que continuam nas mãos do Governo, limitando-se a poder dirimir alguns conflitos a nível do direito de resposta.

“Avançámos muito pouco na partilha da regulação”, lamentou, defendendo que o modelo a seguir seria o da regulação partilhada, funcionando a ERCA como um equilíbrio do poder do Estado, sendo chamada, por exemplo, a dar pareceres sobre o licenciamento de órgãos de comunicação social, nomeadamente canais de televisão e rádios.

Neste âmbito, apontou o caso da suspensão de três canais de televisão pelo ministério (ZAP Viva, Vida TV e Record TV Africa, alegando desconformidades legais), defendendo que o controlo do direito de licenciamento “não deve estar só nas mãos de uma entidade político-partidária, que é o ministério”.

“Se houvesse uma gestão equilibrada deste direito, a ERCA devia ser chamada a pronunciar-se e devíamos dar prazos”, realçou o membro da ERCA, afirmando que “foi uma notícia triste” o anúncio de despedimentos na ZAP.

Para Reginaldo Silva, é importante que a liberdade de imprensa seja assegurada pela pluralidade e, consequentemente, por um maior número de canais, o que não tem acontecido: “O último ano de gestão deste Governo em matéria de comunicação social tem sido política de terra queimada, de arrasar, tudo o que não é nosso, fecha. E ninguém pode dizer nada por que a lei não dá poder. A regulação continua a ser controlada quase a 100% pelo Governo”.

O jornalista lembrou que Angola estava a um ano de eleições, sem a regulação que seria desejável com a ERCA, que deveria participar mais deste poder.

“Não há esta partilha e isso torna a nossa regulação pouco democrática e pouco abrangente. A regulação está entregue a uma entidade política e isso não dá garantia suficiente da liberdade de imprensa”, reforçou.

A ERCA e o Folha 8, a ditadura e a Liberdade

Recorde-se que em Junho de 2020 o nosso director lamentou não ter sido ouvido pela ERCA num protesto em que o Folha 8 foi visado pela Fundação Agostinho Neto, e acusou – e bem – a ERCA de ser um órgão ditatorial e de violar a lei.

Na altura o Folha 8 foi alvo de uma queixa da Fundação Agostinho Neto junto da ERCA por alegadamente instigar “o ódio incendiário” e ofender o primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto, tendo o regulador do MPLA considerado que as práticas editoriais do nosso jornal atentam contra “a honra e dignidade dos obreiros da independência nacional, nomeadamente do Presidente – fundador da República de Angola, António Agostinho Neto”.

Em causa, na deliberação do Conselho Directivo da ERCA, estava a “ocorrência de alguns factos susceptíveis de esclarecimentos como a comparação do antigo Presidente a personalidades consideradas defensoras da escravatura, feita pelo Folha 8”.

William Tonet disse estar diante de uma instituição ditatorial que não serve para regular, e sim controlar a comunicação social “e impor a ferradura” do MPLA (partido do poder) e disse que o único crime do Folha 8 “é dizer a verdade”, sublinhando que as instituições devem ser guardiães da lei.

“Se não fosse uma organização estalinista ditatorial [a ERCA] respeitava as leis da própria ERCA”, frisou o director do Folha 8.

William Tonet disse que fora notificado a 25 de Junho com “carácter de urgência”, para responder à queixa “através de uma notificação com três parágrafos que tinham erros enormes”, tendo questionado a autenticidade do documento sem receber resposta.

A ERCA recebeu a queixa e, “como já tinha tudo cozinhado”, deliberou no dia 26 de Junho, afirmou na altura William Tonet, lamentando o incumprimento da lei, segundo a qual teria dez dias para responder.

Quanto à urgência, diz ter acontecido “porque o MPLA mandou e quando o MPLA manda as pessoas esquecem a lei”.

William Tonet disse estar a ser “acusado de assassinar alguém”, sem dizer “quando, nem com que armas” com uma queixa envolvida num “manto de falsidades”.

Segundo o director do Folha o alegado artigo do jornal onde Agostinho Neto teria sido apontado como escravocrata, não passou de um post (publicação) no Facebook publicado no dia 17 de Junho em que não é feita qualquer referência directa a Agostinho Neto.

O ‘post’ diz que “vários países estão a retirar dos espaços públicos as estátuas de assassinos, ditadores e defensores da escravatura. Em Angola está a demorar para que isso aconteça” e foi publicado ao lado de uma foto com um busto do primeiro presidente onde se lê “Assassino Agostinho Neto”, tendo uma grua como pano de fundo.

Das três “acusações” (assassinos, ditadores e defensores da escravatura) o Bureau Político do MPLA, via Fundação Agostinho Neto, coadjuvada pela ERCA, só contesta a terceira. Assim, dá como provadas e inquestionáveis as duas primeiras: Assassino e ditador.

A deliberação da ERCA teve o voto vencido de três conselheiros, o que para Tonet “fragiliza” a decisão, considerando que “ regime teve de ir buscar a maioria quantitativa porque lhe falta substância para vencer na maioria qualitativa”.

Na altura, tal como hoje, continuamos a considerar que a ERCA é parcial e segue “a voz do dono” (o MPLA).

“Se fosse um órgão independente não tinha de haver maiorias do MPLA porque a ERCA não concorreu às eleições. A ERCA só seguiu a voz do dono e nem se preocuparam de estar em xeque um jornalista”, realçou William Tonel, afirmando que o caso foi discutido nos órgãos de comunicação social públicos angolanos (ANGOP, TPA e Jornal de Angola) sem “ouvir a outra parte”.

“É esta agora a maior liberdade que existe com o presidente João Lourenço?”, questionou William Tonet, contestando também o teor da queixa, onde é pedido o encerramento do jornal.

“Como é que alguém que se queixa já está a pedir a pena de fuzilamento?”, interrogou-se.

Na queixa, a Fundação alegou que “há mais de 30 anos” o Folha 8 acusa, sem provas, Agostinho Neto de criminoso, ditador e assassino, pretendendo “impor a sua narrativa tirana, desrespeitando a figura do primeiro Chefe de Estado e violando a lei aplicável sem qualquer reacção da ERCA nem do Governo”.

Pouco importa a nossa capacidade de, na altura, existirmos há 25 anos mas já há “mais de 30 anos” criticarmos Agostinho Neto…

“O Folha 8, com rigor, não faz jornalismo e, por esse facto, urge aplicar a lei e ser imediatamente encerrado”, pediu a Fundação na queixa dirigida à ERCA e assinada pela presidente do Conselho de Administração, Irene Alexandra Neto, filha do ex-presidente falecido em 1979.

“A presidente da Fundação Agostinho Neto faz exactamente o que seu pai fez em 1977”, salientou ainda o director do Folha 8, aludindo aos acontecimentos do 27 de Maio em que milhares de angolanos perderam a vida devido a uma alegada tentativa de golpe de Estado encabeçada por Nito Alves e à repressão que lhe sucedeu.

“Não vamos perder tempo com julgamentos, é o que esta senhora pediu. Sem ouvir, encerrem [o jornal]”, salientou William Tonet, observando que “nem todos os angolanos são obrigados a gostar de Agostinho Neto”.

“É legitimo que a Fundação defenda o seu patrono e que o MPLA defenda o seu presidente, mas é também legítimo que as pessoas que não se revêm em Agostinho Neto assumam que não lhe reconhecem os valores humanistas de grande libertador e combatente da liberdade”, disse William Tonet.

Na sua declaração de voto contra a deliberação da ERCA, o jornalista Reginaldo Silva justificou que a decisão acabou por ser uma condenação antecipada do Folha 8 sem que o mesmo tivesse exercido o contraditório

Através da sua página do Facebook, o conselheiro da ERCA disse igualmente que votou contra a decisão “por entender que ela, de algum modo, antecipa a abordagem que a ERCA se propõe fazer ao desempenho editorial do Folha 8 com base na queixa que lhe foi apresentada pela Fundação Agostinho Neto”.

Thomas Jefferson disse que “se tivesse de escolher entre governo sem jornais e jornais sem governo, não hesitaria em escolher esta última”. Esta tese não se aplica à maioria dos conselheiros do MPLA na ERCA porque… não sabem ler.

No dia 26 de Junho de 2020, a ERCA provou que o Folha 8 está no caminho certo. Ao demarcar-se, em sessão plenária extraordinária, das práticas editorais do Folha 8 que, diz, “atentam contra a honra e dignidade dos obreiros da independência nacional, nomeadamente do Presidente e fundador da República de Angola, António Agostinho Neto”, a ERCA mostrou que fazemos… Jornalismo.

Folha 8 com Lusa

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