O especialista da Organização das Nações Unidas (ONU) em integridade financeira e antigo primeiro-ministro do Níger, Ibrahim Mayaki (foto), considerou hoje que uma maior liberdade de imprensa pode combater fluxos financeiros ilícitos em Angola e Moçambique. Por alguma razão o MPLA não gosta, por exemplo, do Folha 8.
O co-presidente do painel de alto nível sobre responsabilidade financeira internacional, transparência e integridade (FACTI) da ONU, Ibrahim Mayaki, defendeu hoje que a sociedade civil e a imprensa livre têm papéis “extremamente importantes” para que a verdade não seja escondida ou encoberta.
“O que posso dizer do meu ponto de vista africano, é que o aumento da liberdade de imprensa em praticamente todos os países africanos é muito relevante”, disse Ibrahim Mayaki, considerando os “instrumentos” que a imprensa tem para “perceber como os fluxos financeiros ilícitos criam o escoamento de recursos”.
Ibrahim Mayaki, director executivo da Agência de Desenvolvimento da União Africana (AUDA-Nepad), respondia a uma pergunta da Lusa sobre como se podem melhorar as situações de Moçambique e Angola, depois do escândalo das “dívidas ocultas” e da investigação “Luanda Leaks”, respectivamente.
“A dívida [de Moçambique] foi oculta porque a informação foi escondida. Para evitar que a informação seja escondida, o papel da sociedade civil é extremamente importante. Agentes da sociedade civil devem implicar-se em observar como o Governo funciona e quão transparente é”, explicou o antigo primeiro-ministro do Níger (1997-2000).
“Olhando para o que está a acontecer agora em Moçambique, em termos de aplicação da lei e papel do sistema judiciário, há uma determinação absoluta nesse sentido”, considerou Ibrahim Mayaki, sublinhando que todos os Governos têm de ser levados a prestar contas e levados à justiça, se necessário.
“O mesmo está a acontecer em Angola” continuou o especialista das Nações Unidas e da União Africana, mostrando que, afinal, é sempre aconselhável não esticar demasiado a corda. Todos? Bem. Como em tudo, como em todo o mundo, governos a prestar contas é uma missão quase impossível. E então, como é o caso de Angola (e também de Moçambique), quando se tem o mesmo partido a governar durante 45 anos…
“Quando o Presidente João Lourenço subiu ao poder, [a corrupção] foi o primeiro grande dossiê que ele atacou e levou em conta”, acrescentou Ibrahim Mayaki, numa clara demonstração de que é fácil, barato e dá votos para se ser eleito para organizações internacionais misturar o corredor de fundo com o corredor de fundo, confundir a enciclopédia de promessas com o caderninho de obras de facto realizadas.
No caso de Angola, o que mais pesou foram as “redes de agentes em todo o mundo, que facilitaram fluxos ilícitos. É o que chamamos de intermediários”, disse, apontando que um novo relatório do painel FACTI inclui recomendações sobre como lidar com intermediários de crimes financeiros.
No caso de Moçambique “só lhes podemos chamar cleptocratas”, apontou Ibrahim Mayaki, considerando que o Governo de Armando Guebuza, (Presidente entre 2005 e 2015) foi responsável por “implementar mecanismos ocultos que não sobreviveram”.
A cleptocracia é a existência de sistemas políticos que possibilitam a corrupção e ganhos pessoais dos líderes.
“Ao mesmo tempo, percebe-se, vendo a relação entre o FMI (Fundo Monetário Internacional) e Moçambique sobre as ‘dívidas ocultas’, que há uma assimetria de informação, que ajudou que as dívidas ocultas existissem”, considerou ainda Ibrahim Mayaki.
“É importante, ao nível global, que haja uma forte cooperação, seja com as Nações Unidas, Banco Mundial, FMI”, declarou o nigerino.
As “dívidas ocultas” do Estado moçambicano foram empréstimos de cerca de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de 2 mil milhões de euros) contraídos entre 2013 e 2014 em forma de crédito em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
O negócio foi descoberto anos depois, o que acentuou uma crise financeira pública e levou Moçambique a entrar em incumprimento no pagamento aos credores internacionais.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou, no ano passado, mais de 715 mil ficheiros, denominados “Luanda Leaks”, que detalham alegados esquemas financeiros que terão permitido à empresária Isabel dos Santos e ao marido, Sindika Dokolo, que entretanto morreu, retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os fluxos financeiros ilícitos abrangem vários tipos distintos de actividades, como lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, suborno e corrupção, evasão fiscal e repatriação de activos ou recursos.
Folha 8 com Lusa