Deus pode perdoar, os angolanos não

Este texto começa com a “explicação”, integral, de Marcolino Moco sobre a sua exoneração. Depois recordamos o texto “Moco ajoelhou e rendeu-se – Dói muito mas é verdade!”, aqui publicado em – registe-se a data – 21 de Agosto de… 2017, e assinado pelo nosso director-adjunto, Orlando Castro. Conclusões? Ter razão antes do tempo nem sempre é um motivo de orgulho.

«Pousada alguma poeira, mesmo que 1001 castigos celestes imprevistos ainda se venham abater sobre a cidade, e antes que outras mil e tantas conjecturas sejam alvitradas, vou explicar, para quem ainda não o apreendeu ou mal o apreendeu, o significado da minha exoneração – com algumas encenações laterais forjadas – de um cargo que me foi pedido para aceitar, com alguma insistência. Sobretudo a forma como foi feita (a exoneração), para que ninguém fique com dúvidas, pelo menos sobre o meu entendimento sobre o assunto.

Justo há uma semana, estava eu a sentar-me para tomar a primeira colherada de sopa que Dona Julieta tão saborosamente me preparou (eu só sou “feminista” mas, desgraçadamente, não sei cozinhar, mea culpa kkkkk…), quando vejo o inacreditável no telejornal da TPA; mais ou menos assim: Presidente da República remodela CA da Sonangol; decretos: exonera tal….tal … e tal executivos e Marcolino José Carlos Moco, não executivo; e nomeia tal….. tal ….tal, executivos e Bernarda Gonçalves Martins, não executiva. Bom, para desanuviar um pouco o ambiente, pedi à mesa para me levantar um pouco e ir avisar os gatinhos que costumam passar pelo nosso quintal, dizendo-lhes que a partir daquele momento já não iriam encontrar o comedouro tão apetrechado, por causa da nova situação que nos tinha acontecido kkkkkk…… Não se zanguem com a piada …… é da idade!

Se fui avisado? Sim fui, em certa medida. A primeira vez, aí por volta de fins do primeiro semestre do ano passado, por um alto funcionário da Sonangol – aqui importantíssimo esclarecer que não se tratou de nenhum membro do CA, dos quais guardo a lembrança de tão belas jornadas, em franca camaradagem e respeito mutuo – mas de quem não esperaria tal intermediação, para me admoestar, com todo aquele pequeno respeito, que eu deixasse de referir que estava desiludido com a governação do Presidente João Lourenço. Isso fora depois de uma entrevista dada ao “Novo Jornal”, em que o jornalista tinha “ajindungado” um pouco o título. E eu respondi, também muito delicadamente, que a crítica não era dirigida contra a governação, no sentido tão estrito, mas sim ao sistema geral de condução política que afinal o novo Presidente parecia não querer alterar. E dei exemplos com os quais o intempestivo fulano pareceu concordar.

O segundo aviso saiu aquando daquele post em que falei do “regresso aos métodos autoritários”. Aqui a coisa foi já um pouco mais sinistra, porque veio de uma mensagem privada em FB, “assinada” por um, certamente heterónimo, que depois se retirou. Este que perguntava se apesar de toda a dinheirama e mordomias eu ainda não me sentia acomodado.

Curioso recordar que uns dias antes tinham sido atribuídos, especificamente aos administradores não executivos da Sonangol, salários muito bem longe da realidade, por fofocas dentro e fora das “redes”. Tudo isso depois do kazumbi me lembrar que eu também já tinha sido “isso, isso e mais aquilo”, no tal passado tão longínquo em que, para mim, os problemas eram tão diferentes e já (bem ou mal) ultrapassados.

Ainda tive tempo de lhe explicar as minhas posições com uma delicadeza que ele agradeceu. Porém, apesar de eu lhe ter garantido que não aceitei o lugar por linkage à possível prisão de língua, insistiu a perguntar: mas o camarada Moco não acha que está tão bem acomodado? Já não lhe dei mais qualquer tipo de resposta.

Bom, aquilo de que estamos a falar agora, coincidência ou não, acontece depois dos meus últimos dois posts aqui, sobre posições supostamente do BP do CC do MPLA e orientação de certos programas da nossa TV pública, criticadas por vários outros camaradas da chamada “família MPLA”, que por certo não têm nem esperam por cargos tão suculentos, enquanto persiste este clima de intimidação cada vez (mais ou menos?) sofisticado.

No que me diz respeito, aproveito para informar, solenemente, para a tristeza, por certo, de muitos próximos, que nunca mais aceitarei (como aliás o fiz durante os últimos muitos anos do presidente Dos Santos) cargos que afinal só servem para ficarmos calados, quando não para tecer loas “à chefia” (onde está o fim do bajulação?), mesmo perante irregularidades tão evidentes, que frenam a consolidação da pretendida estabilização política, económica, social e cultural do nosso país. Como referiu Jesus Cristo, “Nem só do pão viverá o homem”.

Males que vêm por bem, assim, só pessoas de má vontade poderão afirmar que não quis colaborar com o novo Presidente, quando as minhas ideias eram bem conhecidas. E só gente maldosa continuará a conclamar que me vendi por uma tijela “de lentilhas”.

Mas o meu coração continua aberto, sem qualquer tipo de mágoa, para com o camarada João Lourenço que conheço (não tão parecido com o actual Presidente da República) e para todos os outros actores políticos e sociais, dentro de uma verdadeira agenda de aprofundamento da nossa reconciliação nacional, a todos os níveis.»

Moco ajoelhou e rendeu-se – Dói muito mas é verdade!
(21 de Agosto de 2017)

O ex-primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, que vestiu com grande maestria a falsa farda de crítico da liderança de José Eduardo dos Santos, admite que tem mantido conversas com vista a uma aproximação ao cabeça-de-lista do MPLA, João Lourenço, às eleições de quarta-feira, mas sem passar cheques em branco. Alguém acredita?

A posição foi assumida hoje, em entrevista exclusiva à agência Lusa, por Marcolino Moco, militante do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975 e pelo qual assumiu o cargo de primeiro-ministro entre 1992 e 1996, depois de no sábado ter estado na tribuna do comício de encerramento da campanha eleitoral de João Lourenço, que tenta suceder à liderança de 38 anos de José Eduardo dos Santos como chefe de Estado angolano.

Marcolino Moco claudicou, desiludiu, ajoelhou-se e, por isso, tem de rezar junto do altar de um suposto deus (Eduardo dos Santos) e do seu santo/cordeiro preferido, João Lourenço.

Fomos todos enganados. Fomos. No dia 7 de Janeiro de 2017, Paulo de Morais (Professor Universitário, ex-candidato às eleições presidenciais em Portugal e Presidente da Frente Cívica) escrevia aqui no Folha 8:

“É com homens como Marcolino Moco que Angola tem de arrancar para um outro futuro. Só homens amantes mais do seu povo do que do poder ou dinheiro, poderão desviar Angola do percurso suicida em que se encontra esta comunidade colectiva. Angola necessita de uma Perestroika à africana, liderada por um novo Gorbatchov que mude o rumo político deste que é um dos mais belos e ricos países do mundo. Esta mudança de rumo tem de ter lugar sem violência ou guerra, sob a tutela de uma comissão internacional do tipo da “Verdade e Reconciliação “que Mandela instituiu na África do Sul.

Cabe a pessoas com vontade, vigor e perseverança e autoridade política encontrar os caminhos do futuro de Angola. Marcolino Moco, face às posições críticas que vem tomando face ao poder vigente, e a par dos mais desassossegados do MPLA, não pode virar as costas a este desafio.”

Infelizmente, por muito que volte a dizer que “caiu que nem um patinho”, Marcolino Moco virou as costas ao desafio.

“Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã não seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido”, afirmou Marcolino Moco hoje à Lusa.

De acordo com Marcolino Moco, nas últimas semanas já manteve contactos directos, em duas ocasiões, com João Lourenço, o cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais de quarta-feira.

Questionado sobre se admite voltar a trabalhar directamente com o MPLA, e com João Lourenço, num eventual cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilidade: “Responder liminarmente a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximações, mais conversas. Ele felizmente garantiu-me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interromper, nós poderemos chegar a uma saída, a uma conclusão”.

Uma aproximação que, insiste Marcolino Moco, surge como benefício da dúvida quando o partido está em renovação, com a saída de José Eduardo dos Santos.

“Nunca quiseram saber das minhas críticas, pelo contrário. Recebi ameaças, o isolamento perante muitas pessoas. Agora, a testar o estrago que foi feito, há uma aproximação repentina à minha pessoa. Uma aproximação que eu não posso recusar, numa altura em que o candidato do partido já não é o mesmo”, disse.

Ainda assim, Marcolino Moco espera para ver, tendo em conta a alegada manipulação das imagens e declarações de um dos encontros, públicos, que teve, em Luanda, com João Lourenço, pela televisão estatal.

“Posso dizer – e disse-o ao João Lourenço – que para ir ao comício no sábado deixei muita gente a chorar, dividida, em casa. Que não queriam que eu fosse, depois desse episódio, em que me passaram de crítico a um dos bajuladores mais reles, me humilharam. É importante dizer que eu só fui lá porque o secretário-geral do MPLA me disse que o Presidente José Eduardo do Santos [que também esteve no comício de encerramento] pediu para que eu lá fosse, no dia em que faria a última intervenção”, recordou.

Mesmo na hora da aproximação e valorizando a intervenção de José Eduardo do Santos no comício, “por não ter feito um discurso sectário ou partidário”, porque “o que vem aí é muito difícil”, Marcolino Moco não(?) deixa a crítica.

“Começamos a fazer eleições sem primeiro criar condições para que essas eleições sejam úteis. Das primeiras resultou uma guerra, demorou por aí uns quantos anos, da segunda e da terceira resultou a entrega do país a uma família. Então, é esse benefício da dúvida que eu dou ao MPLA”, apontou.

Apesar da postura crítica dos últimos anos, o ex-primeiro-ministro reconhece que o partido “teve o bom senso” de não o expulsar, apesar de “estar preparado para o efeito”.

“É um partido muito intolerante para com qualquer ideia diferente lá dentro”, justifica, sobre o facto de ter deixado de participar activamente na vida do partido, sob liderança de José Eduardo dos Santos.

“Há uma família que toma conta do país e estraga tudo, que é a família do Presidente, que acham que com o desaparecimento de Jonas Savimbi o país estava nas suas mãos, tinham direito a tudo”, aponta.

“Foi uma gestão desastrosa e vergonhosa. Queria evitar utilizar esses termos agora, mas é inevitável, é evidente, quando um Presidente cria um Fundo Soberano sem consultar a Assembleia Nacional e nomeia o seu filho para o dirigir”, acrescentou.

Após encontros com João Lourenço que descreve como “breves mas significativos”, Marcolino Moco conclui com o aviso: “Tenho 64 anos e não passo cheques em branco a ninguém. Voto na nação angolana, que ainda não está completa”.

Alguém (ainda) acredita em Marcolino Moco? Em tempos, muito recentes, escrevi que Marcolino Moco “é uma das mais prestigiadas figuras de Angola, sobretudo da Angola que todos desejamos e que um dia destes floresça”. Hoje, com o coração a sangrar, sou obrigado a dar a mão à palmatória e dizer que a Angola que todos acreditamos que um dia destes florescerá não mais poderá contar com Marcolino Moco.

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