Diz-nos com quem andas, dir-te-emos quem és

Os jornalistas turcos receiam que a liberdade de Imprensa esteja sob ameaça na Turquia, na sequência das operações dirigidas pelo poder político contra profissionais e executivos de grupos editoriais. Em Angola, nesta matéria, existe uma vantagem decisiva para o regime. Só se pode recear por aquilo que existe. Tirando os casos mais resistentes, que se podem contar pelos dedos de uma mão em vias de ser amputada, tudo o resto é folclore, é propaganda.

Para Sevgi Akarçesme, uma colunista do Zaman, o diário de maior circulação na Turquia, o jornalismo é “uma das profissões mais perigosas” na Turquia actual, denunciando que a liberdade de imprensa estava por um triz.

Se é perigosa! Nós sabemos bem disso. Para além de mais de uma centena de processos judiciais, temos a noção de que estamos na linha de fogo de todos aqueles que querem que a nossa liberdade termine onde começa a deles, mas que afirmam (com o dedo na gatilho) que a deles nunca termina.

“Ser jornalista hoje na Turquia é uma das profissões mais perigosas. Recusamos que nos silenciem. A imprensa livre é importante para a democracia. Não sou optimista a curto prazo”, afirmou Sevgi Akarçesme.

Nós por cá também recusamos que nos silenciem. Isso não impedirá os donos dos jacarés de nos incluírem na cadeia alimentar destes répteis. Mesmo assim, haverá sempre quem resista, quem transporte dinamite no peito e faça os jacarés e os seus donos ir pelos ares.

Num domingo de Dezembro de 2014, a polícia turca bateu à porta do grupo de imprensa Zaman, na periferia de Istambul, com um mandado de prisão do editor-chefe, Ekrem Dumanli.

Naquele dia, foram detidas 26 pessoas em todo o país, entre jornalistas, executivos e ex-chefes de polícia, considerados pelo Presidente da República, Recep Tayyip Erdogan, como integrantes de uma conspiração terrorista para o derrubar do poder.

Além do Zaman, o canal Samanyolu também foi um alvo da operação, com a detenção do presidente do grupo, Hidayet Karaca, de produtores e de argumentistas de séries televisivas.

A operação teve como alvo simpatizantes do clérigo muçulmano Fethullah Gulen, na altura com 73 anos, auto-exilado desde 1999 na Pensilvânia, nos EUA.

Recep Tayyip Erdogan foi “vítima” de uma tentativa de golpe militar feito por medida e à medida de Recep Tayyip Erdogan.

Esta foi, aliás, a melhor maneira para Recep Tayyip Erdogan fazer ele próprio um golpe militar para permitir a Recep Tayyip Erdogan instituir a pena de morte, fazer todas as purgas que entender, ficar com todos e mais alguns poderes e, ainda por cima, garantir a solidariedade e o apoio da Europa, EUA e Rússia. Não é nada de novo, mas continua a ser uma jogada de mestre.

Cá pela banda, do ponto de vista formal e na mesma altura os processos judiciais que visam silenciar-nos têm como autores impolutos (segundo as regras e os valores do regime) cidadãos como, entre outros, António Pereira Furtado, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ou o General Pita Groz. Do ponto de vista informal, contam com operacionais “anónimos” pagos para nos tirarem a tosse.

Certamente para cumprir o seu maquiavélico desiderato, afirmavam que o Folha 8 continua a “contar com uma equipa de jornalistas nacionais e estrangeiros que no presente momento têm redigido os principais artigos detractores da política governamental do País”.

No início de 2008 surgiu uma coisa chamada “Independente”, um jornal estrategicamente renascido das cinzas, ligado a Fernando Manuel, outrora membro da DISA (a polícia do Estado/MPLA), depois SINFO e ex-vice-ministro da Segurança do Estado, e que apareceu como um instrumento de desacreditação da imprensa privada que se atrevia a não tocar pelo diapasão do regime.

Em Angola, a filosofia oficial – com a qual é conivente a comunidade internacional através do seu silêncio – é valorizar os que trocam um prato de pirão em pé por uma lagosta de cócoras. Mas, continuamos a pensar que não é este tipo de sociedade que os angolanos querem, que os Homens livres querem.

A impunidade do regime e dos seus mercenários continua e quanto mais cedo se calarem as vozes que se batem pela denúncia das arbitrariedades e da corrupção endémica do sistema, melhor.

Este sistema mata mesmo, apesar da imagem de anjo dos seus deuses, desde Agostinho Neto a João Lourenço, passando por José Eduardo dos Santos.

Ao contrário do que os mais ingénuos esperavam, o MPLA e o seu regime tentam eliminar todos quanto pugnem por uma imprensa livre, liberdade de expressão e implantação de uma verdadeira democracia. Não são os únicos, é certo. Como se vê pela Turquia, os jornalistas são – se vivos – uma epidemia que põe em perigo os que se julgam donos disto tudo.

Com os milhões do petróleo e de outras minas, os donos do reino, ao invés de trabalhar para uma verdadeira reconciliação nacional, pretende consolidar o seu regime com a eliminação física dos seus adversários políticos, como aconteceu – recorde-se – com o jornalista Ricardo de Melo, Nfulumpinga Landu Victor, ou Jonas Savimbi.

“Aprender” com Recep Tayyip Erdogan

Nos últimos cinco anos, mais de 200 jornalistas e colaboradores dos meios de comunicação foram presos na Turquia. Treze deles ainda estão atrás das grades. A Turquia permanece como uma das maiores prisões do mundo para os jornalistas. Ao longo de 2020, 48 jornalistas passaram pelo menos um dia sob custódia policial por, entre outras coisas, evocar o destino dos refugiados sírios, investigar a gestão da pandemia de Covid-19 ou abordar a questão curda.

É uma das sentenças de prisão mais pesadas proferidas contra um jornalista turco. Em 23 de Dezembro de 2020, o jornalista Can Dündar foi condenado a 27 anos e seis meses de prisão por “espionagem e assistência a uma organização terrorista”. Uma sentença proferida à revelia, uma vez que Can Dündar vive exilado na Alemanha desde uma tentativa de assassinato em 2016. Os problemas judiciais do ex-diretor do jornal Cumhuriyet começaram após a publicação de um artigo sobre entregas de armas a grupos islâmicos na Síria. O presidente Recep Tayyip Erdogan então advertiu: “Quem assinou este artigo exclusivo vai pagar caro por isso. Eu não vou deixar assim”.

Setenta e um anos era a idade do mais velho jornalista turco preso na cadeia de segurança máxima de Silivri, perto de Istambul, depois que a Suprema Corte da Turquia anulou, em Julho de 2019, a sentença de prisão perpétua proferida contra ele, o seu irmão Mehmet Altan e a jornalista Nazli Ilicak em 2018. Os três foram acusados de ter apoiado a tentativa de golpe de 15 de Julho de 2016 por “transmitirem mensagens subliminares na televisão”.

Ao todo, 63 jornalistas foram condenados por “ofensa contra o presidente” Recep Tayyip Erdogan, com base no artigo 299 do Código Penal, desde que foi eleito Presidente da Turquia em Agosto de 2014. Os jornalistas também são regularmente condenados com base na lei antiterrorismo, em particular por pertencerem ou apoiarem uma organização ilegal. A Lei dos Bancos e a Lei do Mercado de Capitais também possibilitam a instauração de processos judiciais e a condenação de jornalistas económicos.

128 mil euros é a soma corresponde aos danos que a Turquia deveria pagar a oito jornalistas do jornal Cumhuriyet presos arbitrariamente em 2016 por quase um ano. O valor, definido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (CEDH) em 10 de Novembro de 2020, não é o primeiro. Em cinco anos, a CEDH condenou a Turquia a 234.760 euros de indemnização para os profissionais dos meios de comunicação.

A Turquia ocupa o 154º lugar entre os 180 países do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa estabelecido pela RSF.

Os jornalistas turcos foram alvo de pelo menos 139 agressões nos últimos cinco anos. Só em 2020, pelo menos 18 jornalistas foram agredidos. Pelo menos 160 meios de comunicação turcos foram forçados a fechar as portas. As medidas do estado de emergência foram usadas não apenas para fechar jornais, mas também para silenciar a mídia pró-curda, como a IMC TV, ou de esquerda, como a Hayatin Sesi TV. Esses dois órgãos de comunicação estão há quase cinco anos na Justiça para poderem transmitir novamente.

É de 90% a percentagem de meios de comunicação turcos controlados hoje por investidores próximos ao governo.

1.358 é o número de artigos ou links para artigos censurados em 2020 por decisão dos juízes a pedido do presidente Erdogan, do seu filho Bilal Erdogan, do seu genro Berat Albayrak, de investidores próximos ao governo, ou ainda de personalidades políticas.

Nos últimos cinco anos, 3.436 jornalistas que trabalhavam em redacções turcas foram demitidos. Somente em 2020, esse número chega a 215 jornalistas. 276 é o número de dias em que a publicidade estatal em jornais críticos foi suspensa em 2020, privando esses meios de receitas publicitárias essenciais para sua sobrevivência económica.

Embora a chegada ao poder do presidente João Lourenço, em Setembro de 2017, tenha posto fim a 38 anos de governo do clã dos Santos, alguns canais de TV, as rádios e os cerca de vinte veículos da imprensa escrita permanecem, em grande parte, sob o controle ou a influência do governo e do partido no poder.

No âmbito legal, uma série de leis adoptadas em 2016 obriga estações de rádios e TVs a transmitir as declarações oficiais do presidente à nação e facilita a instauração de processos criminais por difamação. A censura e a autocensura, um legado histórico do MPLA, continua cada vez mais pujante, nomeadamente com o efectivo domínio, em 2020, de diversos órgãos de grande porte que já dispunham de recursos públicos.

Os custos exorbitantes das licenças de rádio e televisão também servem de travão ao pluralismo, impedindo a entrada de novos actores no cenário angolano dos meios de comunicação. Forças de segurança retomaram maus hábitos, prendendo vários jornalistas e atacando outros. Apenas um punhado de rádios e sites conseguem produzir informações críticas e independentes.

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