O analista da consultora NKC African Economics que segue a economia de Angola considera que uma queda dos preços do petróleo ou uma falha nas receitas não petrolíferas pode obrigar o país a reestruturar a dívida. Ou seja, é mais uma oportunidade para o Governo mostrar o que tem mostrado nos últimos 45 anos: Não sabe o que é governar.
“Angola continua com risco elevado de ter uma dívida problemática, uma situação em que um país tem dificuldades em servir a dívida e necessita, ou está à beira de requerer, uma reestruturação da dívida”, disse Gerrit van Rooyen.
“A dívida pública total está actualmente em mais de 120% do Produto Interno Bruto, e os maiores riscos que precisariam de uma reestruturação dos empréstimos comerciais são outra queda dos preços do petróleo ou uma geração inadequada de receitas não petrolíferas, sendo que ambas podem acontecer se a pandemia de Covid-19 e a recessão global não melhorarem significativamente este ano”, acrescentou o analista.
Comentando a quarta revisão do programa de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI), aprovada esta semana e que permitiu o desembolso de mais 487,5 milhões de dólares, mais de 400 milhões de euros, o analista desta filial africana da Oxford Economics vincou que apesar das dificuldades, “o apoio continuado do FMI e as alterações ao perfil da dívida ao abrigo da Iniciativa para a Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) ajudaram a cobrir o substancial défice de financiamento que emergiu devido ao choque da Covid-19”.
Fazendo eco dos elogios do FMI ao empenho das autoridades no cumprimento do programa e na aplicação das reformas estruturais, a NKC African Economics notou que as recentes reformas nas áreas orçamental, monetária, política e fiscal justificam o apoio dos credores, mas alertou que a situação financeira continua dependente da evolução de vários factores na economia mundial.
“Estas reformas justificam o recente apoio que os credores deram às autoridades, desde que estes esforços se mantenham e que os factores externos não se deteriorem materialmente”, concluiu Gerrit van Rooyen.
A forte queda dos preços do petróleo e o aumento dos custos decorrentes da pandemia de Covid-19 obrigaram Angola a procurar alívio da dívida junto de três credores chineses, impedindo um incumprimento financeiro por parte de uma das economias africanas mais endividadas.
Além dos 6,2 mil milhões de dólares, cerca de 5 mil milhões de euros, que Angola conseguiu adiar junto dos credores chineses, o Governo de João Lourenço optou por aderir à DSSI, o que adiou o pagamento de 1,8 mil milhões de dólares, o equivalente a quase 1,5 mil milhões de euros, em dívida aos países do G20.
Esta semana o FMI anunciou o desembolso de mais uma verba ao abrigo do programa de ajustamento em vigor no país desde 2018, elevando para quase 3 mil milhões de dólares o total já desembolsado até agora, de um programa que foi aumentado para cerca de 4,5 mil milhões de dólares no ano passado.
No comunicado que anuncia a quarta revisão, o FMI salientou que “a natureza multifacetada do choque da Covid-19 continua a ter um impacto negativo na economia e na população de Angola” e que “a produção e os preços do petróleo continuam fracos”.
Contudo, a instituição sediada em Washington, Estados Unidos da América, sublinhou que as autoridades angolanas “conseguiram um ajustamento fiscal prudente em 2020 que incluiu ganhos de receitas não petrolíferas e contenção nas despesas não essenciais, preservando ao mesmo tempo as despesas essenciais em redes de saúde e segurança social”, e que a “aprovação do orçamento de 2021 em Dezembro consolida estes ganhos”.
Por outro lado, nesta quarta revisão também se apontou que “as autoridades também permitiram que a taxa de câmbio actuasse como um amortecedor de choques e começaram a implementar uma mudança gradual no sentido de um aperto monetário para fazer face ao aumento das pressões sobre os preços”.
Dívida pública / Covid-19
A ministra das Finanças angolana, Vera Daves, afirmou em Novembro de 2019 (ainda a pandemia de Covid-19 não existia) que a dívida pública deveria atingir um valor recorde em 2020, estimando que o rácio do stock da dívida sobre o Produto Interno Bruto diminuiria a partir da segunda metade de 2020.
Fé em “deus” (João Lourenço), meia bola e força, pontapé para a frente e depois se veria. Viu-se.
Dirigindo-se aos deputados da Assembleia Nacional, no dia em que foi apreciada e votada no plenário a proposta do Orçamento Geral do Estado para 2020, a ministra sublinhou que a proposta respondia à necessidade de prosseguir com o reequilíbrio das finanças públicas e apontou a “elevada incerteza” do ambiente económico internacional que levaram o executivo a adoptar uma “abordagem conservadora” quanto ao preço do petróleo (ainda a pandemia de Covid-19 não existia).
No OGE para 2020, o executivo usou um preço médio de 55 dólares por barril e projectou uma produção média diária de hidrocarbonetos (do sector petrolífero e do gás) de 1.436,9 mil barris de petróleo equivalentes, por dia, em 2020.
Com um crescimento esperado de 1,5% para o sector dos hidrocarbonetos e de 1,9% para os sectores não petrolíferos, Vera Daves projectou para 2020 um crescimento de 1,8% do PIB, uma taxa que ainda que “reduzida”, representava a reversão do ciclo de baixo crescimento que se registava desde 2016.
Apesar do aumento da inflação para 25%, necessário para “acomodar” ajustamentos do regime de preços de alguns bens e serviços e a “transição para um regime cambial mais competitivo”, a ministra considerou positiva a trajectória de consolidação fiscal, salientando que o OGE 2020 apresentava um saldo positivo de 1,2% do PIB, superior às estimativas de 1,0% do PIB para 2019.
Apesar do saldo fiscal positivo, “o ano de 2020 adivinha-se muito desafiante do ponto de vista da gestão de tesouraria, dado que o rácio entre o serviço da dívida e a receita fiscal atingirá o valor recorde de 114%”, admitiu Vera Daves, projectando que o rácio do stock da dívida sobre o PIB comece a decrescer a partir da segunda metade de 2020.
Para conseguir reduzir o rácio já em 2021 e ganhar folga de tesouraria, o executivo pretendia seguir uma estratégia de financiamento que privilegie a dívida de longo prazo.
Segundo Vera Daves, as necessidades brutas de financiamento ascendiam (ainda a pandemia de Covid-19 não existia) a 7 biliões e 879 mil milhões de kwanzas, que seriam financiadas através do superavit fiscal, financiamento interno e externo e venda de activos.
A ministra salientou o peso do sector social na despesa orçamentada (2,3 biliões de kwanzas num total de cerca de 15 biliões de kwanzas, aproximadamente o mesmo valor em termos de receitas) dando como exemplo o impacto do Programa de Transferências Sociais Monetárias.
Este programa, através do qual se pretende garantir um rendimento mínimo mensal para cerca de um milhão de famílias consideradas como muito vulneráveis, estava na fase final de preparação, e deveriam entrar em funcionamento no primeiro trimestre de 2020.
Vera Daves afirmou ainda que o OGE estava exposto a “riscos exógenos e endógenos”, sublinhando que, no caso destes riscos “se materializarem no sentido favorável” e gerarem maiores saldos de tesouraria, será acelerado o processo de redução da dívida financeira e com fornecedores do Estado.
Coerente com a sua linha estratégica, o Governo preparava-se (ainda a pandemia de Covid-19 não existia) para angariar até 3 mil milhões de dólares nos mercados internacionais ainda em 2019 ou no princípio de 2020, tendo na altura já reunido com investidores em Nova Iorque.
A autorização presidencial para essa emissão foi publicada a 7 de Novembro, e nela pode ler-se que “é autorizada a ministra das Finanças, no âmbito do Programa Global de Médio Prazo para a Emissão de Títulos de Dívida Soberana, a emitir títulos de dívida soberana nos mercados internacionais sob a forma de Eurobonds, até ao montante de 3 mil milhões de dólares [2,71 mil milhões de euros] ou o equivalente em outros moedas, em uma ou mais séries”.
A assunção de mais este encargo (ainda a pandemia de Covid-19 não existia) deverá elevar o rácio da dívida pública em mais de três pontos percentuais face ao Produto Interno Bruto de Angola, que o Fundo Monetário Internacional estimava nos finais de 2019 que valia cerca de 90 mil milhões de dólares. Ainda segundo os dados do FMI, divulgados em Outubro, este rácio deverá ficar, no final deste ano, nos 95% do PIB.
O Governo do MPLA (o único que Angola conhece desde 1975) previa em Junho de 2018 reduzir o rácio da dívida pública para 60% do PIB até 2022, meta inicialmente inscrita nos objectivos governamentais para este ano e referência para o endividamento público.
O objectivo consta do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo, contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na actual legislatura.
O documento traçava expressamente a meta de “diminuir o rácio Dívida/PIB de 67% em 2017 para 60% até 2022” e o objectivo de “assegurar a sustentabilidade da dívida pública, através da implementação de uma estratégia de gestão da dívida”. Em 2015, o rácio da dívida pública angolana rondou os 46% do PIB e em 2013 os 25%.
Folha 8 com Lusa