O presidente da coligação CASA-CE critica a “acentuada degradação social” do país, originada por “erros da governação e leituras políticas mal feitas”, considerando que em Angola existem apenas as classes dos “miseráveis, dos pobres e dos marimbondos”. Perante o risco de extinção eleitoral, Manuel Fernandes minimiza o impacto da Frente Patriótica Unida (UNITA, Bloco Democrático e PRA-JA).
Para Manuel Fernandes, que falava à Lusa na semana que marca o quarto ano de mandato do Presidente (não nominalmente eleito) João Lourenço, inicialmente o chefe de Estado apaixonou muitos angolanos com o seu discurso, fruto da alternância na continuidade, mas a sua acção “tem sido regressiva”.
“Ao longo dos dois primeiros anos de mandato foi feito um exercício, podemos considerar, um pouco mais ousado, onde houve alguns avanços, mesmo do ponto de vista do exercício das liberdades fundamentais”, afirmou o presidente da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), na oposição.
Mas, segundo o político, a partir de 2020, o país “registou um retrocesso”, sobretudo no “exercício das liberdades fundamentais e a degradação do tecido socioeconómico”, com uma “pobreza extrema que arrasa os angolanos” em todo o país.
“Estamos a ver uma regressão, mesmo do ponto de vista do exercício das liberdades; o papel da comunicação social pública, enfim, nas manifestações há posições um pouco mais brutas para com o cidadão, a comunicação social está a regredir a sua abertura, infelizmente”, lamentou.
Manuel Fernandes, terceiro presidente da CASA-CE, coligação fundada em 2012 pelo político Abel Chivukuvuku, lidera a coligação desde Fevereiro passado, em substituição do almirante André Mendes de Carvalho “Miau”, afastado a pedido dos partidos que suportam a coligação.
Para o líder da CASA-CE, a governação de João Lourenço, “eleito” em 23 de Agosto de 2017 por ser o cabeça-de-lista do partido vencedor (MPLA) na sequência das “eleições” gerais, acentuou a degradação social, sobretudo nos últimos dois anos, com uma “pobreza extrema que extinguiu a classe média angolana”.
“[Hoje] não temos classe média, hoje temos apenas três classes: os miseráveis, os pobres e os marimbondos [classificação dada, depois de décadas de bajulação, por João Lourenço a José Eduardo dos Santos e seus apoiantes], que são os ricaços. A classe média, que se dizia, já não existe”, afirmou.
Uma crise com “várias origens” mas que decorre fundamentalmente “dos erros da governação, leituras políticas de gestão muito mal feitas”, sustentou.
O líder da CASA-CE disse estar a “trabalhar para ideias inovadoras para tirar o país da actual situação”, prometendo apresentar em breve as ideias e propostas da coligação eleitoral que “devem alterar o quadro”.
O combate à corrupção, à impunidade e ao nepotismo constituem alguns dos eixos das promessas da governação do Presidente João Lourenço, também presidente do MPLA (no poder desde 1975) e Titular do Poder Executivo.
A corrupção, no entender de Manuel Fernandes, “é um mal que deve ser combatido de forma contínua e, por ser um mal maior depois da guerra”, frisou, o processo tem de ser encarado com “mais seriedade e não com a selectividade com que denota”.
“Porque hoje o que se denota é alguma selectividade no combate à corrupção, espécie de que há os vulneráveis e há os intocáveis. Não é correcto”, notou.
O também deputado à Assembleia Nacional considerou que, no capítulo económico, Angola “está empobrecida” porque quem dirige olha apenas para as consequências e não para as causas, “como a falta de uma produção nacional sólida”.
Recordando que Angola acabou de aderir à Zona Livre de Comércio da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), questionou: “Como se vai fazer isso se não temos estradas em condições? Temos produção nacional para deixarmos de ser um autêntico mercado de consumo para um mercado produtor? É isso que devemos ver e analisar”, apontou.
O presidente da CASA-CE manifestou-se igualmente preocupado com o que considera de “problema da coesão territorial”, defendendo “diálogo favorável e inclusivo” para a resolução dos problemas do país, como a situação de Cabinda.
“Será que devemos continuar com o Estado presente, de termos um número elevado de efectivos das Foças Armadas Angolanas em Cabinda e depois passarmos ao mundo que há paz? Porque não se promove um diálogo favorável mais inclusivo e daí surgem ideias para a satisfação das partes?”, questionou ainda o político angolano.
A CASA-CE congrega seis partidos políticos, nomeadamente o Partido de Aliança Livre de Maioria Angolana (PALMA), Partido Nacional de Salvação de Angola (PNSA), Partido Pacífico Angolano (PPA), Bloco Democrático (BD), Partido Democrático para o Progresso de Aliança Nacional Angolana (PDP-ANA) e o Partido de Apoio para a Democracia e Desenvolvimento de Angola — Aliança Patriótica (PADDA-AP). Elegeu 16 deputados nas eleições gerais de 2017. As próximas eleições em Angola estão… previstas para 2022.
Noutra frente, Manuel Fernandes desvaloriza as pretensões da Frente Patriótica Unida, bloco político na oposição que ambiciona o poder, e considerou que “a verdadeira frente” é a sua formação, que está “muito compacta e coesa”.
Manuel Fernandes disse ter “dificuldades de entender” a Frente Patriótica Unida, uma iniciativa que “não é uma coligação, mas um espaço político de aglutinação de vontades políticas e também poderá absorver actores da sociedade civil, mas para serem incorporados numa determinada lista”.
“Nós, CASA-CE, somos uma coligação eleitoral e nós é que somos uma verdadeira frente, porque até somos uma convergência, seria negativo e uma irresponsabilidade grande dissolvermos a CASA para então aderirmos a um outro projecto político, não é possível”, afirmou o político, questionado sobre esta possibilidade.
A Frente Patriótica Unida inclui a UNITA, maior partido na oposição que o MPLA ainda permite, Bloco Democrático e PRA-JA, que promete “desalojar” o MPLA do poder.
O presidente da CASA-CE descarta assim a adesão à “Frente” e assegura que a sua agremiação política vai concorrer enquanto coligação eleitoral nas próximas eleições, manifestando-se aberto a “outras vontades políticas e da sociedade civil”.
“Estou aqui a lutar para conseguir consolidar a CASA-CE, como um instrumento político com vocação de poder, e também estou interessado que o Presidente João Lourenço saia do poder, que vá para a oposição, mas quem deve lá estar? Porque não o Manuel Fernandes? É um direito que me assiste como dirigente político”, notou.
A saída de Abel Chivukuvuku da liderança da CASA-CE, afastado em 2019 por divergências internas (guerra de tachos), concorreu para a saída de muitos militantes da coligação e para a divisão do grupo parlamentar da coligação, que elegeu 16 deputados em 2017, mas hoje está fragmentada.
À testa da coligação desde Fevereiro passado, Manuel Fernandes afirma que as “fissuras” que encontrou na estrutura da coligação, sobretudo em consequência da saída de Abel Chivukuvuku, “estão completamente sanadas”, fruto da sua estratégia de “reorganização interna e reposição da dinâmica ” da CASA-CE.
“Podemos dizer que as fissuras estão completamente sanadas, apenas temos o caso que estamos a tratar agora, que é do Bloco Democrático”, adiantou.
A CASA-CE suspendeu, no princípio deste mês, a participação política do BD até 2022, por este “ter decidido não renovar o acordo de participação” com a coligação nas eleições gerais do próximo ano.
Manuel Fernandes, também deputado à Assembleia Nacional, diz-se “triste” com a actual divisão do grupo parlamentar, garantindo que o “futuro será marcado pela união e enquadramento de jovens para uma melhor representatividade no parlamento”.
“Não estamos a dizer que os mais velhos não são válidos, mas devemos reconhecer que hoje precisamos inverter o quadro anterior”, atirou.
Em contexto pré-eleitoral, o político fez saber que a CASA-CE desenvolve várias acções, enquadradas em três vectores principais: mobilização, enquadramento e formação política.
“Estamos a trabalhar e a breve trecho vamos remeter as nossas ideias para as eleições, ou seja, o pré-programa de governo. Vamos submetê-lo à discussão da sociedade, buscar outros contributos para que de facto seja um instrumento que conta a participação de todos os angolanos”, concluiu Manuel Fernandes, político formado em administração de empresas.
Folha 8 com Lusa