MPLA roubou e rouba mas diz que não é ladrão

A Cedesa, entidade que estuda assuntos de Angola, apelou ao Estado angolano (MPLA há 46 anos) para que gaste mais dinheiro na criação de emprego, porque o país deverá atingir este ano um excedente orçamental entre 2,3% e 2,75% e sair da recessão. A Cedesa também já disse: O MPLA “está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

“Entendemos que o desemprego é um caso especial, que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas”, defende a Cedesa, num relatório agora divulgado.

“Apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego, eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios”, diz a organização.

Segundo a Cedesa, “o Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego” porque “é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem, no curto-prazo, o problema da falta de emprego, sobretudo jovem” em Angola.

Em termos de estatísticas, considera que o país deve apurar “melhor quem está ocupado com actividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efectivamente obter qualquer trabalho remunerado, mesmo querendo”. Porque “há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade”.

A Cedesa prevê que este ano Angola saia da recessão económica e tenha um excedente orçamental “entre 2,3% e 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo”.

“O nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do Produto Interno Bruto atinja entre 1,4% e 1,75%”, afirma-se no documento.

Além disso, a Cedesa “aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano” e realça que, “considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza” a sua previsão é de que, em 2022, “o rácio dívida pública/PIB se situe abaixo dos 100%, obtendo uma maior consolidação”.

Consequentemente, “prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contracção da economia angolana chegue ao fim este ano”, se não houver “mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19”.

O grupo de académicos explica ainda que as suas perspectivas entram em conta com vários factores, destacando os principais, como o cálculo do preço do petróleo, “sempre um elemento determinante na economia angolana”.

Assim, admitem que “o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD [dólares] a 75 USD por barril”.

“Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do kwanza face ao dólar e euro, o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio”, refere.

O grupo tomou ainda em linha de conta uma “recuperação mundial pós-Covid-19” que “trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China”.

Por último, antecipa que “paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando, fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político”.

“Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de Julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os 500 milhões de dólares (424 milhões de euros)”, assinalam.

Do ponto de vista dos obstáculos à recuperação, realça “a falta imensa de capital”, um elemento “essencial para qualquer retoma sustentada”, e também “a inexistência de diversificação da economia”, bem como “a persistência da burocracia administrativa”.

Em Abril deste ano, a Cedesa considerou que Angola cometeu “um erro” ao entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção, defendendo a criação de um minissistema judicial para o efeito.

Tem razão. Mas a ideia é mesmo essa. Por alguma razão o Procurador-Geral da República é um general, por alguma razão a PGR (como muitos outros organismos) é uma mera sucursal de um partido (o MPLA) que comanda o país há quase 46 anos e que é dirigido por um general.

Para a Cedesa, o que existe hoje em Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.

Voltemos a ler: Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.

Por isso, os “processos perdem-se fisicamente nos tribunais, outros embrulham-se, outros surgem com decisões inaceitáveis e outros prolongam-se inexplicavelmente”, acrescenta a Cedesa, faltando – contudo – elencar que também, e sobretudo, há decisões judiciais que apenas oficializam as ordens superiores e, outras, que à partida consubstanciam – contrariando as mais elementares regras de um Estado de Direito (que Angola não é) – o veredicto de que até prova em contrário todos somos culpados.

Assim, “entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção revela-se um erro”, concluía a Cedesa na sua análise intitulada “Estado de Direito e Corrupção em Angola: por um minissistema de justiça contra a corrupção”.

Neste contexto, a Cedesa propunha no documento a criação de um minissistema judicial anticorrupção para que os processos avancem. A ideia tem pernas para andar, mas as minas do MPLA são tantas que a vão amputar na primeira esquina. O máximo que o MPLA aceitará fazer é trocar seis por… meia dúzia.

Segundo a Cedesa, cada sistema jurídico nacional admite vários subsistemas de acordo com as matérias ou propriedades traçadas. “Tal não viola qualquer concepção de Estado de Direito, pelo contrário, cria regras e obrigações para todos, transparentes e claras, em determinadas áreas”, sublinhou.

Por isso, “existirá um Estado de Direito para a normalidade e um Estado de Direito para a corrupção”, defende.

O minissistema judicial anticorrupção, vocacionado para os grandes crimes de natureza económico-financeira e de captura do Estado, funcionaria, assim “com independência dos outros órgãos judiciários e judiciais e seria composto por quatro partes”, propõe a Cedesa no documento.

As quatro partes seriam: Um órgão especial com poderes judiciários para a investigação e acusação, um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, um corpo de juízes autónomo dedicado a esses tribunais e, por último, uma lei processual simplificada, elaborada à semelhança da norte-americana ou da francesa actual, que permitisse julgamentos rápidos e justos.

“Este órgão seria um misto de Polícia Judiciária e Ministério Público, tendo poderes de investigar, apreender, realizar buscas e detenções, pedir cooperação judicial internacional e, no final, fazer uma acusação ou arquivar um processo de grande corrupção”, especificou.

Além disso, “só trabalharia nestes casos e seria composto por um corpo de agentes com treino focado e dedicado”.

Porém, alertou que a existência de um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, para julgamento e recurso dos casos de grande criminalidade económico-financeira e captura do Estado, implicaria uma revisão da Constituição naquilo que se refere ao artigo 176.º n.º 3 e 5.

“Dever-se-ia passar a admitir uma jurisdição destinada aos grandes crimes de natureza económico-financeira e também abolir a proibição de tribunais com competência exclusiva para julgar determinados tipos de infracção”, referiu.

A Cedesa advogou que, com um corpo de juízes autónomo e dedicado aos tribunais do minissistema contra a corrupção, Angola teria a vantagem de poder ter juízes especializados nestas matérias, que preencheriam os lugares nos tribunais.

Caso Angola não pretenda realizar uma revisão constitucional sobre o tema, os analistas sugeriram que o país, em vez de criar um sistema de tribunais exclusivos com juízes próprios, possa estabelecer secções especializadas para o combate à corrupção nos tribunais já existentes.

Assim, os tribunais das capitais provinciais – ou somente o de Luanda – bem como os da Relação e o Tribunal Supremo disporiam de secções especializadas para a corrupção. “Tal já é constitucionalmente possível e o restante minissistema proposto mantinha-se como descrito”, frisaram.

O grupo de estudos recordou que o poder político angolano, quando elegeu como objectivo principal o combate à corrupção, resolveu fazê-lo “através dos órgãos judiciais pré-existentes e com as pessoas titulares habituais”.

“Não houve qualquer renovação orgânica ou de pessoal, apenas meros ajustes, o vice-PGR subiu a PGR, os presidentes do Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional trocaram de cargo e umas leis um pouco apressadas sobre recuperação de activos foram aprovadas”, referiu.

Para a Cedesa, esta opção de Angola deve ter tido por base uma opinião “formalista, dada pelos mais eminentes juristas angolanos, segundo a qual, o combate à corrupção deveria ser feito dentro do Estado de Direito e com os meios legais existentes”, porque só assim seriam garantidos os necessários direitos de defesa e credibilidade dos processos.

Permitindo ao mesmo tempo que, perante o estrangeiro, o país pudesse “afirmar que não haveria qualquer abuso por parte das autoridades pois era o sistema judicial instalado que estava a funcionar, dentro das normas habituais do Estado de Direito”.

“Esta normalidade legal parece correcta, mas na realidade é o que impede um real, célere e efectivo combate contra a corrupção”, afirmou a entidade.

O que acontece, sublinhou a Cedesa, “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

Voltemos e reler: “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

Salvaguardando que nessa estrutura existem “agentes de mudança”, juízes, procuradores, polícias, funcionários, que “devem ser elogiados pelo seu trabalho aturado”, a Cedesa considerou, porém, “que são uma excepção – mesmo que larga – e não impedem que a estrutura judicial como um todo seja conservadora e avessa ao risco de combater os seus aliados de ontem”.

Neste contexto, o relatório notou que “a luta contra a corrupção pode acabar por ser inglória e não resultar, atendendo aos vários empecilhos estruturais existentes”.

Folha 8 com Lusa

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