Todos contra a violência

A violência da polícia angolana (que, como se sabe, é uma falsa acusação posta a circular pelos marimbondos) durante a pandemia de Covid-19 que já fez mais de uma dezena de vítimas, entre as quais o médico Sílvio Dala que, por não usar máscara dentro da sua viatura, foi levada para uma esquadra na qual se… “suicidou”, vai levar os angolanos a sair à rua amanhã, sábado, com duas manifestações marcadas para Luanda.

“N ão à brutalidade policial” é o mote do protesto organizado por um grupo de jovens, entre os quais o jornalista Israel Campos, segundo o qual o objectivo é “manifestar indignação” pela actuação policial que tem vindo a acontecer e resulta na morte de cidadãos. Morte que, como se sabe, resulta de esses cidadãos se atirarem contra as balas, contra as grades das prisões, contra os cassetetes…

“Não é só o caso do médico Sílvio Dala, também zungueiras e os jovens dos musseques têm sido vítimas e é preciso uma resposta da sociedade por que o papel da Polícia é proteger os cidadãos”, vincou.

Questionado sobre o motivo de fazer um protesto no mesmo dia da marcha dos médicos, que culminam sábado um período de sete dias de luto pela morte de Sílvio Dala, pediatra de 35 anos morto (a ortodoxia profissional obrigar-nos-ia a escrever “alegadamente”, mas conscientemente não o fazemos) numa esquadra policial, Israel Campos afirmou que o sindicato dos médicos está a fazer uma homenagem a um dos seus membros e os jovens quiserem fazer um “acto mais abrangente” que homenageasse “todos aqueles que diariamente são vítimas da violência policial”.

O desfile vai sair às 13:00 do Primeiro de Agosto e segue até ao Largo das Heroínas.

Para amanhã está também anunciada uma “manifestação pacífica e silenciosa” convocada pelo Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA), que convidou todos os profissionais de saúde e membros de outros sindicatos e a sociedade civil a juntarem-se contra a violência policial e em memória de Sílvio Dala, com concentração marcada para as 12:30 no Largo da Mutamba.

A organização apelou aos participantes que vistam de preto e o secretário provincial do SINMEA, Miguel Sebastião, disse à Lusa que a gráfica onde estão a ser impressas t-shirts com os dizeres “Eu Sou o Dr. Dala” já não consegue responder a tantos pedidos, mostrando-se confiante numa grande mobilização” para o acto.

“Ninguém quer morrer por não usar máscara”, assinalou o sindicalista, explicando que o objectivo da marcha é chamar a atenção do Governo e da Polícia Nacional do MPLA para os excessos que estão a ser cometidos na interpelação de pessoas que não usam máscaras e evitar que haja uma próxima vitima, “para que não haja mais um Sílvio Dala”.

O médico pediatra morreu em circunstâncias ainda por esclarecer, em 1 de Setembro, após ter sido levado a uma esquadra policial por não usar máscara facial no interior da viatura que conduzia, uma disposição legal entretanto revogada.

“Neste momento, por exemplo, temos internado há dez dias no hospital Américo Boavida nos cuidados intensivos um jovem que está em coma pelas mesmas razões”, disse o responsável do SINMEA.

Miguel Sebastião acusou a polícia de usar os argumentos legais para facturar, aplicando multas a quem não usa máscara e levando e maltratando na esquadra os cidadãos que não têm dinheiro para pagar.

“Prevenção não é matar”, destacou, assinalando que se pretende uma manifestação pacífica em que a indignação e o repúdio pela morte do médico será expressa através de cartazes.

O SINMEA e a família do médico estão a recolher provas para intentar um processo judicial contra a PN e este é também um dos objectivos do protesto.

“Exigimos que seja feita justiça e é isso que também procuramos, para que quem cometeu estes excessos seja responsabilizado”, afirmou Miguel Sebastião. O médico, acrescentou, deixou mulher e quatro filhos, que têm direito a receber uma indemnização.

A marcha vai sair do Largo da Mutamba e percorrer a baixa de Luanda até a Ordem dos Médicos, junto ao hospital Pediátrico David Bernardino numa distância aproximada de 1,5 quilómetros.

Recorde-se que o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, confirmou a instauração do inquérito e de um processo-crime que corre trâmites na Procurador-Geral da República para aferir o que terá ocorrido na esquadra.

Também a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, defendeu, em nota de condolências, que deve ser instaurado um processo-crime com vista a esclarecer as circunstâncias reais em que ocorreu a morte do médico, para responsabilização dos eventuais prevaricadores.

Por sua vez, Paulo de Almeida, garante que “não foi morto ninguém nas celas da polícia, não foi morto nenhum médico, foi uma morte patológica que aconteceu, infelizmente coincidiu estar sobre alçada da polícia, mas não foi a principal causa da morte,” disse o comandante à Rádio Nacional do MPLA.

Paulo de Almeida rejeitou também as acusações de abusos de poder por parte dos agentes da polícia envolvidos na aplicação das medidas de prevenção do coronavírus, actuação essa que já mereceu a condenação da Amnistia Internacional.

“É preciso ficar bem claro, não sei quando é que há excesso de zelo, quando o governo publica um diploma em que chama atenção como o cidadão deve andar na via pública está na lei, quando as autoridades competentes do governo anunciam que todo cidadão, quando estiver na via pública deve usar máscara e se não usar está sujeito a penalizações, portanto, actuamos,” disse. “O médico é um cidadão, não é diferente de qualquer outra pessoa”, acrescentou. Diferentes são apenas os dirigentes do MPLA e seus familiares directos.

Segundo o Ministério do Interior, Sílvio Dala foi interpelado por um efectivo da Polícia Nacional, por não uso de máscara na sua viatura, e levado à esquadra. A medida do efectivo da PN baseou-se no Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública, que impõe o uso obrigatório de máscara na via pública e no interior das viaturas, mesmo as viaturas pessoais.

O porta-voz do Ministério do Interior, Waldemar José, afirmou há dias, que o médico teria sido encaminhado para uma esquadra policial mais próxima, onde foram cumpridas todas as formalidades da elaboração do auto de notícia e a respectiva notificação de transgressão.

Pelo facto de a esquadra não possuir mecanismo para o pagamento da multa de cinco mil kwanzas, disse, o médico terá ligado para alguém próximo para efectuar o respectivo pagamento e levar o comprovativo à esquadra.

Foi nesse período de espera, de acordo com o oficial comissário do MPLA, que o cidadão teria começado a sentir-se mal tendo desmaiado embatendo com a cabeça no chão.

O mesmo, afirmou, foi prontamente posto numa viatura das forças de defesa e segurança que a levou para o Hospital do Prenda, no mesmo distrito, onde veio a falecer durante o trajecto.

Em comunicado de imprensa, o Ministério referiu que após dirigir-se à esquadra dos Catotes, no Rocha Pinto, foram explicados ao médico os moldes de pagamento da coima e não tendo um terminal de multibanco nos arredores, telefonou a um familiar próximo para proceder ao pagamento.

A nota adianta que “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo tido uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.

“Devido ao seu estado grave, foi levado para o Hospital do Prenda e no trajecto acabou por perecer”, sublinha-se no documento, acrescentando-se que o Serviço de Investigação Criminal interveio, levando a vítima para a morgue do Hospital Josina Machel. De acordo com as autoridades, a família do falecido terá confirmado que o médico padecia de hipertensão.

O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (que comparado com a Polícia nada percebe da questão) contraria a versão da polícia, dizendo que depois da queda o médico foi mantido na cela e horas depois foi encontrado morto.

“Só assim que entenderam levar na viatura da polícia o malogrado para o Hospital do Prenda, onde apenas foi confirmada a sua paragem cardiorrespiratória irreversível”, refere o sindicato.

Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava o falecido, depois de tomar conhecimento da morte deslocou-se à referida morgue e ficou surpreendido porque a gaveta onde se encontrava o corpo estava cheia de sangue.

“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a pancadaria e duros golpes que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realça o sindicato.

O malogrado médico deveria saber, e o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, fartou-se de avisar, que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência.

Ora, não andar com máscara como é (era) obrigatório pode causar, sobretudo dentro das esquadras, “quedas aparatosas” que podem “provocar ferimentos ligeiros na região da cabeça…” que, contudo, originam um “estado grave” e a morte.

Mas quando um cidadão não usa máscara tem de ser levado para a esquadra, o único lugar adequado para resolver tão candente problema, e aí há sempre a possibilidade de quedas, de ferimentos ligeiros que evoluem para grave e que terminam na morgue.

Está, portanto, esclarecido que o médico Sílvio Dala foi (como é timbre da Polícia) levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a – como mandou o chefe – dar-lhe chocolates e rebuçados e a servir-lhe um “whisky” (com duas pedras de gelo).

Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala terá começado a agredir as grades da cela, atirando-se pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizou mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o falecimento…

Folha 8 com Lusa

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