A acção principal que o Estado angolano (leia-se MPLA) vai interpor contra Isabel dos Santos para recuperar os activos que reclama só deverá dar entrada no tribunal em Março, devido às férias judiciais, segundo fonte próxima do processo. Até lá continua o tsunami de propaganda da actual direcção do MPLA que, assim, desvia a atenção do país real.
O despacho-sentença do Tribunal Provincial de Luanda que (não tenhamos medo das palavras) foi politicamente instruído para decretar o arresto de contas bancárias e participações sociais de Isabel dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo, e do presidente do Banco do Fomento de Angola, Mário Leite da Silva, tem data de 23 de Dezembro, e o Estado teria até 30 dias para dar seguimento à acção principal.
Mas as férias judiciais implicam uma suspensão do prazo, pelo que nada deverá acontecer até à abertura do novo ano judicial em Angola, entre a primeira e a segunda semana de Março, indiciou a fonte judicial.
A providência cautelar é uma medida judicial provisória que visa salvaguardar os interesses das partes lesadas, travando, por exemplo, a saída de bens.
“Não quer dizer que os bens tenham sido confiscados, é para evitar que sejam dissipados ou retirados do país e aí o Estado decide tomar esta medida para ser ressarcido”, adiantou a mesma fonte.
Só depois serão citadas as partes que foram alvo de arresto (a filha do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos, o marido, e Mário Leite da Silva, apontado como gestor dos negócios da empresária) que terão de constituir advogados para a sua defesa.
Segundo a fonte judicial, “todas as decisões concernentes à apreensão dos bens serão resolvidas no processo principal, esta é uma medida precária”.
Nesta altura, o Estado, representado pelo Ministério Público terá de provar que determinados bens foram adquiridos com dinheiro público, terá de haver provas documentais. Nada que a máquina do MPLA não consiga arranjar. Aliás, num país em que o MPLA está no poder há 44 anos e que vence eleições até com os votos dos mortos… nada é impossível.
Questionado sobre se Angola requereu apoio das autoridades portugueses para obtenção de alguns destes documentos, a fonte judicial adiantou que “nesta fase, os mecanismos de cooperação bilaterais na área da justiça ainda não foram accionados”, pois o alvo do arresto foram contas e participações em empresas detidas em Angola. E enquanto isso, já foram “accionados” os mecanismos de cooperação bilateral na área política e partidária, de modo a preparar o terreno.
Portugal mantém com Angola mecanismos de cooperação permanente na área da justiça ao nível da partilha de informação como, por exemplo, cartas rogatórias e pedidos de apreensão ou localização de bens, que poderão ser postos em marcha numa fase posterior. “Não descuro a possibilidade, mas por enquanto ainda não se verificaram estas diligências” indicou a mesma fonte.
E serão com certeza. Nos bastidores já devem estar em marcha. Recorde-se que, no âmbito da partilha de informação, ainda João Lourenço não tinha sido oficialmente declarado presidente da República e já Marcelo Rebelo de Sousa o felicitava oficialmente pela eleição.
A decisão de arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, e Mário Leite da Silva, além de nove empresas nas quais a empresária detém participações sociais, foi conhecida a 30 de Dezembro.
De acordo com um comunicado divulgado, na altura, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), organismo liderado por um general que tem toda a confiança de quem o escolheu (João Lourenço), a filha do ex-presidente de Angola, Sindika Dokolo e Mário Leite da Silva celebraram negócios com o Estado angolano através das empresas Sodiam, empresa pública de venda de diamantes, e com a Sonangol, petrolífera estatal, lesando o Estado em mais de mil milhões de dólares.
Da lista de empresas arrestadas constam o banco BIC, na qual Isabel dos Santos detém 25% das participações sociais, através da empresa SAR – Sociedade de Participações Financeiras e 17,5%, por intermédio da empresa Finisantoro Holding Limited de direito maltês, e a Unitel, com 25% participações sociais de Isabel dos Santos, através da empresa Vidatel, Limited.
O banco BFA, com 51% das participações sociais por intermédio da Unitel, na qual Isabel dos Santos detém 25% através da empresa Vidatel, e a ZAP Media, com 99,9% de participações de Isabel dos Santos, através da empresa Finstar – Sociedade de Investimentos e Participações foram igualmente arrestadas.
Na Finstar os requeridos são beneficiários últimos de 100% das participações sociais, na Cimangola II SA, Ciminvest – Sociedade de Investimentos e Participações, Isabel dos Santos e Sindika Dokolo são beneficiários últimos, na Condis – Sociedade de Distribuição Angola SA, Isabel dos Santos detém 90% das participações sociais e Sindika Dokolo 7%.
Também foram arrestadas as empresas Continente Angola, Lda, onde Isabel dos Santos é beneficiária última e a Sodiba – Sociedade de Distribuição de Bebidas de Angola, e Sodiba Participações, em que a empresária angolana é igualmente beneficiária última.
Relativamente às contas bancárias pessoais dos requeridos, o tribunal decretou o bloqueio nos bancos BFA, BIC, BAI e Banco Económico.
Isabel dos Santos detém participações em Portugal em sectores como a energia (Galp e Efacec), telecomunicações (NOS) ou banca (EuroBic).
Grande parte de todo este manancial de empresas detidas por Isabel dos Santos teve a cobertura do Governo e do MPLA, entidades em que João Lourenço foi ministro e vice-presidente, nunca tendo tomada qualquer posição de dúvida ou contestação das decisões tomadas pelo seu patrono, José Eduardo dos Santos.
Folha 8 com Lusa