Adalberto da Costa Júnior, presidente da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que existe em Angola, defendeu hoje um novo modelo jurídico-legal para o Estado recuperar o que foi “roubado” de Angola, porque caso contrário, da actual governação, “vai toda a gente para a cadeia”.
Em entrevista à agência Lusa, na Cidade da Praia, Adalberto da Costa Júnior, eleito presidente da UNITA em Novembro de 2019, à margem da convenção do Movimento para a Democracia (MpD), partido no poder em Cabo Verde, criticou a forma como o combate à corrupção está a ser conduzida pelo Governo do Presidente João Lourenço (líder do MPLA, partido no Poder desde 1975).
“O modelo é de proteger estes senhores [MPLA] e por isso a nossa voz é uma voz de muita moderação, diria uma voz de muita maturidade, que é aquela que diz que se hoje nós aplicarmos a lei vai toda a gente para a cadeia, que está na governação, porque todos roubaram. Isto é triste dizer, mas é verdade”, afirmou Adalberto da Costa Júnior.
O líder da UNITA defende que, suportado na legislação sobre o repatriamento coercivo de capitais retirados do país de forma ilícita, o Governo do MPLA está num processo de “perseguição” e de “justiça dirigida” aos seus próprios anteriores dirigentes.
“Metamos o pé no chão, olhemos para o país e encontremos uma saída legal, uma saída justa, uma saída corajosa, que leve eventualmente à necessidade de aprovar um novo modelo jurídico-legal, que partilhe com o Estado uma parte daquilo que foi desviado e potencie as reservas estratégicas de Angola de maneira tal que nós não precisemos do Fundo Monetário Internacional para nada”, afirmou ainda.
Adalberto da Costa Júnior insiste que dentro do MPLA, no poder desde 1975, “todos tiraram os seus benefícios, todos desviaram, e de que forma, do Estado”, mas hoje “há um movimento de não retornarem ao Estado pelo menos uma parte daquilo que roubaram”, e rejeitando que o problema da corrupção em Angola seja apenas da responsabilidade de José Eduardo dos Santos, Presidente durante 38 anos e cujo mandato terminou em 2017.
“Eu sei que há dezenas e centenas de angolanos, bilionários, com medo de regressar a Angola. Com muito dinheiro aí em paraísos fiscais, que se o Governo lhes der o sinal de que se pode sentar com eles e encontrar uma medida de equilíbrio pode de facto tirar-se daí investimento industrial que nós não temos”, acrescentou.
Para Adalberto da Costa Júnior, que afirma ver em Cabo Verde o cenário contrário, Angola vive hoje um drama: “Nós temos um partido que tomou o poder, não abraçou a democracia plural, controla a Comissão Nacional Eleitoral. Este é o maior problema que um partido político pode ter, porque todos nós, partidos políticos, membros de partidos políticos, temos um objectivo, naturalmente. Ver os nossos partidos escolhidos maioritariamente para poder governar os países”.
Na cidade da Praia para participar na convenção nacional do MpD, partido no poder desde 2016 e parceiro da UNITA na Internacional Democrática do Centro, Adalberto da Costa Júnior defende que a governação cabo-verdiana, independentemente dos partidos, é um “modelo a ser seguido” em África.
“Cabo Verde tem algo de extraordinário para nós todos. É uma referência de boa governação, é uma referência de Governo com transparência, um Governo responsável e, acima de tudo, independentemente de estar governado por uns ou por outros, nenhum dos partidos tomou o poder como algo pessoal, como algo institucionalmente limitado à abertura democrática”, apontou, embora elogiando as relações com o MpD, que descreve como “partido amigo” da UNITA.
No outro extremo aponta, uma vez mais, a realidade angolana, que para UNITA é condicionada pelo controlo exercido pelo MPLA, e apesar do “momento muito positivo” e “com condições para fazer história” que afirma estar a viver o partido do Galo Negro.
“Mas, com este sistema eleitoral, com aquilo que nós acompanhámos no mês de Fevereiro, a imposição de um presidente da Comissão Nacional Eleitoral, sem perfil, um homem envolvido em processos na Procuradoria-Geral da República, um homem com vícios de procedimento no concurso que o elegeu, enfim”, frisou.
E avançou com “uma percepção” que muito o preocupa: “Ver o Presidente da República, ver a Assembleia Nacional dar posse da ilegalidade para gerir as eleições é um indicador de que nós, em Angola, estamos a andar para trás e em vez de consolidarmos democracia, transparência, boa governação, desenvolvimento, confiança, participação inclusiva, nós estamos a fazer exactamente o movimento contrário”.
Vai mais longe nas críticas para voltar a apontar as consequências de não fazer uma revisão da Constituição, tendo em conta que a actual, aprovada em 2010, durante a presidência de José Eduardo dos Santos, torna o Presidente de Angola num “homem quase acima da lei”.
“O normal seria pensar: Bom, o senhor Presidente da República, que tem um novo discurso, que tem esta teórica abertura, então não está agarrado ao “casaco do Dos Santos”, está aberto às reformas, e portanto está capaz de oferecer um período de esperança, que depois consolide a construção de uma nação de todos. Não é isso. João Lourenço está muito feliz com o “casaco de Dos Santos”. Vestiu aquele casaco de plenos poderes e não quer revisão e, portanto, é este o nosso desafio, não é fácil”, acusou o líder da UNITA.
A partir de Cabo Verde, o líder da UNITA vê uma Angola em que “não há sinais de recuperação da crise”, com uma moeda, o kwanza, que “não tem valor rigorosamente nenhum”, apesar de ser um “país extraordinário”.
“Tem todas as condições para virar a página. Precisa de bom Governo, que dê exemplo de poupança, comprometido com reformas corajosas. Porque nós, hoje, não podemos resolver os problemas de Angola se não fizermos reformas profundas”, rematou.
UNITA afasta autárquicas em 2020 “porque MPLA sabe que perde eleições”
O presidente da UNITA afirma que tudo aponta que Angola não realize eleições autárquicas em 2020, como foi anunciado anteriormente, porque o MPLA, no poder, “está convencido que não as ganha”.
“O maior desafio que Angola enfrenta em 2020 é a realização das autarquias, como todos sabemos, e é exactamente este o compromisso feito pelo Presidente da República, pelo MPLA, que agora está a ser negado. Todos os indicadores nos apontam para que não haja eleições autárquicas porque o MPLA tem medo de fazer autarquias, está convencido que não as ganha e, portanto, está agora num movimento de impedimento deste acto”, afirmou Adalberto da Costa Júnior.
Cabo Verde, que proclamou a independência também em 1975, realiza no segundo semestre deste ano as suas oitavas eleições autárquicas e Adalberto da Costa Júnior apontou a opção feita pelo país insular como “o melhor dos exemplos” para Angola.
“Em determinado momento, com muita pobreza, com parcos recursos, com muitas dificuldades, também teve o mesmo dilema: Realizar eleições autárquicas apenas em algumas localidades ou em todo o país em simultâneo. E teve a coragem, tiveram o patriotismo, todos os dirigentes, de abraçarem um desafio nacional (…) e Cabo Verde só saiu a ganhar”, enfatizou.
A realização das primeiras eleições autárquicas em Angola foi anunciada anteriormente pelo Governo e pelo MPLA (são uma e a mesma coisa) para 2020, tendo sido apresentado um pacote legislativo autárquico à Assembleia Nacional, processo que ainda não foi concluído.
“Só faltam duas leis do pacote autárquico, do compromisso público, e a Assembleia, que tem facilmente a condição de aprovar 10, 12 leis por mês não aprova duas, que são prioridades, só se não quiser”, afirmou Adalberto da Costa Júnior, que foi também líder parlamentar da UNITA.
Garantiu ainda que o tema das autárquicas foi discutido na reunião que manteve em Janeiro com o Presidente da República, João Lourenço, que é também presidente do MPLA, maioritário no Parlamento.
“Não vou dizer o que ele me respondeu a esta pergunta. Mas a verdade é que interpretando todas aquelas que são as acções públicas, o MPLA está a fugir completamente aos compromissos: Não há mais autarquias nos seus discursos, o Presidente da República foi abrir o ano político e não falou das autarquias e do seu compromisso”, criticou.
O líder do partido do Galo Negro afirmou por isso que “já não é prioritário” para o MPLA o processo eleitoral das autarquias locais.
“Pelo contrário. Estão a tentar levar à Assembleia outras iniciativas e a continuar a transferir para a assembleia a responsabilidade do adiamento, porque esta é a posição do Presidente da República: Não convoco porque o Parlamento não aprovou”, referiu.
Para o líder da UNITA, a liderança do MPLA pretende introduzir em Angola o modelo do gradualismo, “de fazer apenas eleições em algumas localidades” e “assim seguir o mau exemplo de Moçambique”, que “está com um modelo autárquico há mais de 25 anos e hoje não tem autarquias em todo o país”.
Em contraponto, aponta o desenvolvimento que a instituição do poder local permitiu em Cabo Verde: “De Cabo Verde vêm, de facto, as oportunidades dos bons exemplos. Hoje, Cabo Verde já não discute estas questões. Está a discutir modelos mais sofisticados que possam trazer ainda mais benefícios para as comunidades”.
Folha 8 com Lusa