Réquiem pela Guiné-Bissau

Sissoco Embaló tomou simbolicamente posse como Presidente, demitiu o primeiro-ministro. Militares retiraram funcionários da rádio e TV públicas. Enquanto isso a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) está a pensar se deve pensar, para pensar se pensar em agir é um pensamento que merece ser pensado.

Militares guineenses retiraram esta sexta-feira os funcionários da rádio e da televisão públicas da Guiné-Bissau e ordenaram a suspensão das emissões, disse um jornalista, depois de o primeiro-ministro do país, Aristides Gomes, ter afirmado nas redes sociais que as instituições do Estado estão a ser invadidas por militares, num claro “acto de consumação do golpe de Estado“.

“As instituições de Estado estão a ser invadidas por militares, num claro acto de consumação do golpe de Estado iniciado ontem (quinta-feira) com a investidura de um candidato às eleições presidenciais”, refere Aristides Gomes na sua página oficial no Facebook.

Esta acção dos militares acontece depois de o autoproclamado Presidente ter demitido Aristides Gomes do cargo de primeiro-ministro e de ter nomeado Nuno Nabian para o substituir. O primeiro-ministro agora indigitado é o líder da Assembleia do Povo Unido – Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que fazia parte da coligação do Governo, mas que apoiou Sissoco Embaló na segunda volta das presidenciais.

Nuno Nabian é também primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional Popular e foi nessa qualidade que indigitou simbolicamente Sissoco Embaló como Presidente na quinta-feira, numa cerimónia realizada num hotel da capital guineense, qualificada como “golpe de Estado” pelo Governo guineense.

Ao mesmo tempo, e também esta sexta-feira, o presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, Cipriano Cassamá, tomou posse como Presidente interino, numa sessão no parlamento em que estiveram presentes 52 deputados.

A posse foi conferida pela deputada Dan Ialá, primeira secretária da mesa do Parlamento, invocando o n.º 2 do artigo 71 da Constituição guineense, que prevê que, havendo vacatura na chefia do Estado, o cargo é ocupado pelo presidente da Assembleia Nacional Popular, segunda figura do Estado.

A situação na capital guineense é calma, verificando-se apenas a presença de alguns militares junto a algumas instituições do Estado como o Palácio do Governo, o Supremo Tribunal de Justiça ou dos ministérios das Finanças, da Justiça e Pescas, estes três na mesma avenida no centro de Bissau. No Parlamento não há presença de militares.

Umaro Sissoco Embaló, candidato às presidenciais dado como vencedor pela Comissão Nacional de Eleições da Guiné-Bissau e que na quinta-feira tomou simbolicamente posse como Presidente do país, demitiu o primeiro-ministro guineense, Aristides Gomes. Num decreto presidencial, divulgado à imprensa, é referido que “é exonerado o primeiro-ministro, Sr. Aristides Gomes”.

O decreto, assinado por Umaro Sissoco Embaló, refere que a demissão de Aristides Gomes se justifica, tendo em conta a sua “actuação grave e inapropriada” por convocar o corpo diplomático presente no país, induzindo-o a não comparecer na tomada de posse e a “apelar à guerra e sublevação em caso da investidura do chefe de Estado, que considera um golpe de Estado”.

O decreto refere também que a demissão do primeiro-ministro teve em conta a “crise artificial pós-eleitoral criada pelo partido PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e o seu candidato às eleições presidenciais, que põe em causa o normal funcionamento das instituições da República, consubstanciada nas declarações públicas de desacato e não reconhecimento da legitimidade e autoridade” do chefe de Estado “eleito democraticamente, por sufrágio livre, universal, secreto, considerado pelo conjunto de observadores internacionais livre, justo e transparente e confirmado quatro vezes pela Comissão Nacional de Eleições”.

Umaro Sissoco Embaló tomou simbolicamente posse numa cerimónia marcada pela ausência do Governo, partidos da maioria parlamentar e principais parceiros internacionais do país. A cerimónia terminou com a assinatura do termo de passagem de poderes entre o Presidente cessante, José Mário Vaz, e Umaro Sissoco Embaló.

O governo da Guiné-Bissau considerou o acto como um “golpe de Estado” e “uma atitude de guerra” e acusou o Presidente cessante de se autodestituir e as Forças Armadas de “cumplicidade”.

Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, apelou esta sexta-feira a todos os portugueses residentes na Guiné-Bissau para restringirem “a circulação ao estritamente necessário”, depois de movimentações militares na sequência da exoneração do primeiro-ministro guineense pelo autoproclamado Presidente da República.

“O apelo é para que mantenham a tranquilidade e a calma, mas que restrinjam a circulação ao estritamente necessário, até que a situação se encontre totalmente clarificada, pedindo também que, em qualquer caso de urgência, contactem os serviços da embaixada de Portugal na Guiné-Bissau”, afirmou Augusto Santos Silva à agência Lusa.

O chefe da diplomacia portuguesa reiterou a necessidade de evitar “qualquer confrontação e quaisquer actos de violência” na Guiné-Bissau. “Todas as questões podem ser resolvidas por meios pacíficos e muito poucas questões são resolvidas por meios violentos”, realçou o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros português.

O governante luso acrescentou que “todos os interessados” deveriam pautar “o seu comportamento pelo respeito pela lei e no princípio de comportamentos pacíficos” para resolver “litígios e conflitos”. Questionado também sobre se Portugal reconhece Umaro Sissoco Embaló como Presidente da República guineense, Santos Silva referiu que ainda não se queria pronunciar “sobre esse ponto”.

A posição do chefe da diplomacia de Portugal vai ao encontro do apelo feito pela embaixada de Portugal em Bissau, que aconselhou os portugueses que vivem na Guiné-Bissau a restringirem a circulação devido a “um eventual aumento da tensão, com possíveis reflexos ao nível da segurança”.

O candidato às eleições presidenciais da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira (ex-secretário executivo da CPLP) considerou esta sexta-feira que a situação que o país atravessa “não dignifica o processo democrático” e que o povo guineense não merecia mais esta crise política.

Em declarações à Lusa por telefone, o candidato e líder do PAIGC reagia à mais recente crise política na Guiné-Bissau, com a tomada de posse simbólica do seu adversário nas eleições, Umaro Sissoco Embaló, como Presidente na quinta-feira e que hoje já demitiu o primeiro-ministro.

“Lamento tudo o que está a acontecer e espero que sejamos capazes de encontrar as soluções que se impõem” porque a actual situação “não dignifica o processo democrático” na Guiné-Bissau, disse.

6 de Agosto de 2015. O primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, anunciou nesse dia que ia recorrer a todos os mecanismos legais para lutar contra a “intenção deliberada” do Presidente da República, José Mário Vaz, de derrubar o Governo.

Os guineenses merecem melhores políticos e militares do que aqueles que têm? Isso merecem. Mas o que é que isso importa? Do ponto de vista da comunidade internacional em geral, da CPLP e de Portugal em particular, ainda não morreram guineenses suficientes para soar o alarme.

Há pelo menos onze anos que Francisco Fadul dizia que, face ao que considerava ser o estado em que se encontrava a Guiné-Bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, “para que não haja recidivas, não haja retrocessos como aconteceu em Timor”.

Admitindo por mera discussão académica que a ONU ia nisso, não se correria o risco de o protectorado ser invalidado (lembram-se de Cabinda e do Tratado de Simulambuco?) por outros superiores interesses petrolíferos e geoestratégicos da região?

“Seria no mínimo por 10 anos, promovendo eleições, depois de ter instilado os hábitos de boa governação, de fiscalização, de “accountability”, fiscalização das contas públicas. Garantir o Estado de Direito, ao fim ao cabo”, explicava Francisco Fadul como que esquecendo como está a o mundo, para já não falar da CPLP e de Portugal.

Como primeira medida, Francisco Fadul defendia “o envio de uma força multinacional, de intervenção que garantisse a isenção e a exemplaridade das eleições e que, enfim, estivesse lá também para fazer vigilância daquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos”.

Se calhar, para além de ser um claro e inequívoco atestado de menoridade aos políticos e militares guineenses, a tese de Francisco Fadul era igualmente um atestado de criminosa passividade à CPLP e a Portugal.

Francisco Fadul justificava o envio de uma força militar com o “princípio do dever de intervenção e esquecendo o princípio caduco da não ingerência em assuntos internos, que cai perante os prejuízos à democracia e aos Direitos Humanos”.

Cai? Só se fosse neste caso e por especial deferência. É que, como África é um bom exemplo, democracia e Direitos Humanos não são coisas que preocupem a ONU.

Recorde-se que Francisco Fadul acusou então o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e Zamora Induta de terem feito “um conluio” para eliminar o Presidente “Nino” Vieira e o general Tagmé Na Waié.

E se Francisco Fadul dizia o que dizia, Kumba Ialá também afirmava que “o senhor primeiro-ministro vai ter de explicar ao povo da Guiné-Bissau quem matou Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e o general João Bernardo Nino Vieira. Catorze pessoas que morreram durante o seu mandato”.

A democracia exportada para África tem destas coisas. Ou se é favor de quem está no poder ou, é claro, vai-se para a choldra. Ou se é a favor ou choca-se com uma bala perdida.

Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser. E essa forma é usar, não uma enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for…

É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade.

Legenda: Exéquias de João Bernardo “Nino” Vieira, presidente assassinado da Guiné-Bissau a 10 de Março de 2009. Foto: Reuters.

Folha 8 com Lusa

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