Quem não sabe o que faz…

A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana anunciou a apreensão de mais de mil imóveis inacabados, bem como edifícios e estaleiros “construídos com fundos públicos” que se encontravam na posse do China International Fund. Não será antes um investimento privado em terrenos públicos, como há cerca de um ano considerou o governador de Luanda, Sérgio Luther Rescova? Tiro nos pés ou só um suicídio?

Angola, República do Congo e Nigéria deverão ter menor procura da China, mas isto não significa um desinvestimento da China no continente africano. O investimento chinês cresceu para 5% do total do investimento directo estrangeiro em África em 2016, quando em 2010 era apenas 2%. Se o crescimento do investimento se mantiver a metade do nível actual, a posição da China chegará a 100 mil milhões de dólares em 2020, o que representará 4% do Produto Interno Bruto africano.

Tendo em conta que 70% do investimento chinês entre 2000 e 2015 foi direccionado para as infra-estruturas, é previsível que esse apoio ajude a colmatar as dificuldades do continente na área das infra-estruturas, especialmente na energia e nos transportes, e fomentar o crescimento potencial.

A China foi o maior investidor (e beneficiário) em projectos de infra-estruturas, superado apenas pelos investimentos feitos pelos governos africanos, segundo os números do Consórcio para as Infra-estruturas em África.

Estes investimentos ajudaram a reduzir o considerável défice de infra-estruturas, que o Banco Africano de Desenvolvimento estima ser de 150 mil milhões de dólares por ano, com um défice de financiamento dessas infra-estruturas na ordem dos 90 mil milhões por ano.

Angola foi, em 2016, o país africano que mais beneficiou de empréstimos concedidos pela China, ultrapassando os 12 mil milhões de dólares (10,79 mil milhões de euros), desde 2000, segundo a unidade de investigação sedeada nos EUA, ChinaAid.

O principal receptor das linhas de crédito abertas por Pequim foi o sector transporte e armazenagem, que absorveu 20% do montante global, detalha aquela pesquisa. Logo a seguir, surge a produção e abastecimento de energia, que recebeu 18% do crédito chinês.

Governo e sociedade civil, comunicações e abastecimento de água e saneamento, que, no conjunto, acederam a 667 milhões de dólares (600 milhões de euros), surgem no fim da lista.

Depois de a guerra civil em Angola ter acabado, em 2002, a China tornou-se um dos principais actores da reconstrução do país, nomeadamente das suas estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas. Em troca, o país asiático obteve condições favoráveis para a exploração de minérios.

A China é hoje o maior importador do petróleo angolano, mas, devido à queda do preço daquela matéria-prima, o valor das exportações angolanas para o mercado chinês diminuiu cerca de 50%.

A maioria dos principais receptores são países ricos em recursos naturais – incluindo petróleo, diamantes e ouro – e muita da ajuda chinesa serve para tornar essa riqueza acessível para exportar.

País mais populoso do mundo, com cerca de 1.379 milhões de habitantes, a China registou nas últimas três décadas um ritmo médio de crescimento económico de 10% ao ano, transformando-se no maior consumidor de quase todo o tipo de matérias-primas.

O ataque da PGR do MPLA à China

No caso da apreensão de bens sabe-se que a China International Fund é propriedade quase que total da Dayuan International Development parte do chamado 88 Quensway Group, sendo 88 Queensway a morada onde estão sediadas as diversas empresas do grupo.

Lo Fong Hung, que foi presidente da CIF, é ou foi também directora da Sonangol Sinopec International, uma “joint venture” entre as companhias estatais Sinopec da China e Sonangol de Angola.

Em 2016 a UNITA tinha apresentado ao Parlamento angolano um pedido de inquérito, baseado num memorando em que se revelava que a CIF tinha começado a gerir as linhas de crédito e os projectos de reconstrução sob alçada do General Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.

Também em 2016, a China prendeu Sam Pa que era tido como o verdadeiro poder na CIF e na China Sonangol e que viajava com passaportes de diversos países, incluindo um angolano, com o nome de António Sampo Menezes.

As apreensões agora anunciadas pela PGR indicam que o processo deverá envolver centenas de milhões de dólares do Estado angolano.

Bem ou mal, quer esta PGR (e, obviamente, este governo) queira ou não, o “boom” habitacional ficará para sempre associado ao repto lançado em 2008 pelo Presidente José Eduardo dos Santos para a construção de um milhão de casas em quatro anos. Inaugurada em Julho de 2011, a cidade do Kilamba, em Luanda, marcou o início de uma nova era no sector imobiliário, onde o amadorismo cedeu espaço ao profissionalismo.

De todos os projectos habitacionais do pós-independência, os mais emblemáticos são ainda as centralidades do Kilamba, Sequele e Vila Pacífica, em Luanda.

Para encurtar o período de retorno dos recursos financeiros investidos pelo Estado no sector imobiliário e permitir novas aplicações, o Executivo adoptou uma nova estratégia de financiamento de centralidades.

Com o novo modelo, o Estado ficava com a responsabilidade de criar as infra-estruturas urbanas, através do Ministério da Construção, e deixa para o sector privado a tarefa de erguer as moradias.

Em 2017 estava definido que o novo modelo de intervenção do Estado no sector imobiliário, de acordo com o então director do Gabinete de Coordenação para a Construção e Desenvolvimento Urbano das Cidades do Kilamba, Camama e Cacuaco (GCKCC), António Flôr, iria permitir o retorno do capital aplicado, num período de três a quatro anos, através da comercialização de lotes de terrenos infra-estruturados.

Os valores a arrecadar, disse o também secretário de Estado da Construção, iriam ser utilizados na construção de novas infra-estruturas para o surgimento de outros assentamentos urbanos. É desta forma que o Estado vai criar, pouco a pouco, melhores condições de habitabilidade para todos os cidadãos.

O novo modelo de intervenção do Estado no sector imobiliário pretendia, ainda, contribuir para o fim das construções anárquicas, já que, nos terrenos infra-estruturados, além de empresas imobiliárias, os cidadãos têm a possibilidade de obter lotes de terreno para auto-construção dirigida.

A participação do sector privado na construção de centralidades, contrariamente ao que se especulava, não encarece as empreitadas e, consequentemente, não altera os preços das habitações, assegurava o secretário de Estado da Construção. Na verdade, a estratégia já existe há muito tempo, mas só agora o Estado decidiu pô-la em prática.

O Estado, por si só, não tem capacidade para construir tudo e já faz um grande esforço para garantir a construção de diversas infra-estruturas, nomeadamente estradas, hospitais, aeroportos, escolas, edifícios públicos e até moradias para realojamento da população que vivia em zonas de risco, lembrava o secretário de Estado da Construção.

Depois de retirar um grande número de pessoas que viviam em zonas de risco, o Estado partiu para a materialização de projectos com potencial para satisfação das necessidades habitacionais do país, em especial dos jovens. Foi neste quadro que surgiram as novas centralidades em todo o país.

O então secretário de Estado para a Construção garantiu que, com o novo modelo de intervenção do Estado no sector imobiliário, os cidadãos, de forma colectiva ou individual, podem adquirir lotes de terreno para auto-construção dirigida.

A prioridade era para o sector empresarial, o que não impede que casos particulares sejam levados em consideração, dizia o secretário de Estado para a Construção, sublinhando que o Estado pretendia dar oportunidade de investimento aos operadores privados. Para António Flôr, os empresários são as pessoas com melhor capacidade para investir em todos os ramos de negócios. “O sector imobiliário é um bom negócio em toda a parte do Mundo”, salientou.

Recorde-se que a cerimónia de consignação das obras da segunda fase da cidade do Kilamba teve lugar em Abril de 2017. Assinaram o acordo António Flôr, em representação do Gabinete de Coordenação para as Construções e Desenvolvimento Urbano das Cidades do Kilamba, Camama e Cacuaco, e Hu Ping, presidente da empresa construtora Citic Construction para a região africana.

O então ministro da Construção, Artur Fortunato, o governador de Luanda, Higino Carneiro, e o embaixador da China em Angola, Cui Aimin, testemunharam a cerimónia.

A nova visão de desenvolvimento urbano permite um menor investimento do Estado, ao mesmo tempo que alavanca e potencia o sector privado e garante o retorno do valor aplicado, disse o ministro da Construção, Artur Fortunato, no acto de consignação.

“É a confirmação do papel de promotor e regulador do Estado, como factor e condição de estímulo ao investimento privado, uma condição indispensável à realização dos seus propósitos que visam a satisfação das necessidades da população”, frisou.

O modelo a ser implementado era a reafirmação da necessidade de conjugação de esforços, entre os sectores público e privado, que atende aos pressupostos de uma economia que cresce e que contribui para a realização de acções voltadas para o cidadão.

O Estado, por si só, não seria capaz de atender a tão grande procura, reconheceu o ministro da Construção, lembrando que, ao longo dos anos, o Estado sempre se preocupou em proporcionar aos cidadãos condições de acesso a uma habitação condigna, por via de vários modelos e programas que tornaram possível, no limite das suas possibilidades, a materialização de muitos projectos habitacionais.

Pela boca do embaixador… chinês

Num artigo de opinião publicado dia 10 de Janeiro de 2018, no Jornal de Angola, com o título “Iniciar Nova Jornada na Parceria Estratégica entre a China e Angola”, o embaixador chinês em Luanda, Cui Aimin, deixou alguns avisos que – ao que parece – passaram ao lado de megalomania do Governo de João Lourenço.

Os empréstimos chineses, explicou Cui Aimin, destinaram-se “à construção de inúmeras obras de infra-estrutura como centrais de energia, estradas, pontes, hospitais e casas, incentivando o desenvolvimento económico e a melhoria da vida do povo de Angola”.

“Os resultados da cooperação pragmática entre a China e Angola são frutíferos. Actualmente, a China é o maior parceiro comercial de Angola, enquanto Angola é o segundo maior parceiro comercial, o maior fornecedor dos petróleos da China em África, um dos maiores mercados ultramarinos de obras empreitadas”, assumiu o embaixador chinês.

No mesmo artigo de opinião, o embaixador chinês recordou que no final de 2016 foi realizado em Luanda o Fórum de Investimento China-Angola, que resultou na celebração de 48 acordos de intenção de investimento, no valor total de 1.200 milhões de dólares (1.000 milhões de euros).

“Têm-se aperfeiçoado também os mecanismos de cooperação, inclusive, a Comissão Orientadora da Cooperação Económica e Comercial entre a China e Angola. Com a finalidade de apoiar a capacitação de quadros angolanos, a parte chinesa forneceu a formação a mais de 2.500 funcionários angolanos em diversas áreas, assim como 300 bolsas de estudo”, enfatizou o diplomata.

A China enviou ainda, desde 2009, quatro equipas médicas, compostas por mais de 60 médicos, que fizeram 200 mil consultas grátis para cidadãos angolanos no Hospital Geral de Luanda. Este hospital, acrescentou, foi “doado pelo Governo chinês e ainda é a melhor unidade sanitária integrada em Angola até ao momento”.

Ao fim de 35 anos, Cui Aimin afirmava que as relações sino-angolanas estavam “no melhor nível na história”, sendo “um exemplo da cooperação de benefícios mútuos e desenvolvimento comum entre a China e os países africanos”.

“As relações políticas entre a China e Angola vêm-se intensificando. As duas partes sempre mantiveram, de visão estratégica e de longo prazo, o rumo certo no desenvolvimento das relações sino-angolanas, reforçando a confiança política mútua, apoiando-se uma à outra na escolha do caminho de desenvolvimento, de forma auto-determinante, e que corresponde às próprias realidades, compreendendo e apoiando-se reciprocamente nas questões dos respectivos interesses nucleares e grandes preocupações”, enfatizou.

Será sempre para Angola e em força?

Novembro de 2016. Representantes de cerca de 600 empresas chinesas rumaram a Luanda para o fórum de investimento Angola/China. Na altura, fonte da organização deste fórum, a cargo da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) da Casa Civil do Presidente da República de Angola, informou que áreas como agricultura, pescas, energia e águas, construção e minas estavam na agenda das potencialidades angolanas a apresentar aos empresários chineses.

O Governo angolano encarregou então o ministro e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Manuel da Cruz Neto, de liderar uma comissão, com mais oito ministros, para preparar este fórum.

O evento foi colocado em plano de destaque nas relações entre os dois países e obrigou igualmente a um reforço de segurança pelas autoridades angolanas, tendo em conta o elevado número de empresários chineses presentes em Luanda.

O Governo destaca que a China “constitui um parceiro importante” de Angola e que “as excelentes relações entre os dois Estados têm reforçado cada vez mais o âmbito da cooperação, particularmente no domínio económico”.

O fórum de Investimento Angola-China visou “reforçar o desenvolvimento de sinergias para realização de parcerias empresariais e investimentos entre empresários dos dois estados”, referiu o Governo angolano.

Relembre-se que depois de a guerra civil em Angola ter acabado, em 2002, a China tornou-se um dos principais actores da reconstrução do país, nomeadamente das suas estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas.

Em Maio de 2016, o Governo de sua majestade o então rei José Eduardo dos Santos autorizou o Banco da China a abrir uma sucursal em Angola, para desenvolver actividades financeiras e bancárias.

A autorização consta de um decreto assinado por José Eduardo dos Santos, de 13 Maio, que adianta que a instituição detida pelo Estado chinês iria operar no país com a designação Banco da China – sucursal em Angola.

A decisão sobre a abertura da sucursal angolana do Banco da China surgiu numa altura de fortes constrangimentos no país devido à crise da cotação do petróleo, nomeadamente no acesso a divisas, colocando em causa transferências para o estrangeiro ou a importação de matéria-prima.

O então governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Walter Filipe, reconheceu que a banca do país estava a ser colocada “à margem” do sistema financeiro mundial, numa aparente alusão à falta de acesso dos bancos angolanos ao circuito internacional de divisas, por dúvidas dos reguladores internacionais sobre credibilidade das instituições angolanas.

Para Walter Filipe, era necessário colocar “ética e moral” na banca angolana, devendo esta ser colocada ao “serviço do bem comum”.

“Devemos fazê-lo implementando em Angola as normas prudenciais e as boas práticas nacionais e internacionais, e todas as normas de combate ao branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo, porque estamos a ficar numa situação em que está a ser colocado o sistema financeiro angolano à margem do sistema financeiro mundial. E isto é grave para a prosperidade das nossas famílias”, apontou.

Criada em 1912, o Banco da China funcionou até 1949 como banco central chinês. Após várias transformações, ainda nas mãos do Estado mas já como banco comercial, tem vindo a concentrar atenções no apoio às empresas e comunidades chinesas fora do país, com destaque para as economias emergentes.

No dia 12 de Outubro de 2015 foi noticiado que os bancos centrais de Angola e da China estavam a acertar os pormenores de um acordo que para permitir o uso das moedas nacionais de ambos os países, nas trocas comerciais bilaterais.

O acordo, cujo anúncio da sua negociação foi feito em Agosto de 2015, pela então ministra do Comércio de Angola, Rosa Pacavira, iria permitir que os agentes económicos de ambos os países usassem a moeda chinesa em Angola e a angolana na China, facilitando as trocas comerciais. O objectivo passava por garantir que as transacções entre a China e Angola se faça sem recurso a uma terceira moeda.

A ministra Rosa Pacavira anunciou na altura que o kwanza angolano ia valer na China e o renminbi (moeda chinesa ou yuan) em Angola.

Recorde-se que a Economist Intelligence Unit (EIU) considera que o aprofundamento das relações económicas entre Angola e China é mutuamente positiva, mas é dificultada pelos altos custos de fazer negócios no reino de sua majestade o rei de Angola e pelo abrandamento chinês.

“Ambos os países gostam de falar muito da sua relação mutuamente vantajosa, e ambos certamente têm algo a ganhar se avançarem para além do tradicional modelo de crédito estatal, mas estas boas intenções devem primeiro superar as dificuldades e os altos custos de fazer negócios em Angola, e podem ser abrandadas pelo próprio abrandamento económico da China”, escreve a EIU.

Para a unidade de análise económica da revista britânica The Economist, Angola está a tentar diversificar as suas fontes de financiamento: depois de ter apostado num conjunto de empréstimos bilaterais por parte de bancos comerciais ocidentais, Luanda emitiu 1,5 mil milhões de dólares em títulos de dívida soberana no final do ano passado, já depois da visita do Presidente de Angola à China, na qual terá garantido um financiamento de 6 mil milhões de dólares de crédito chinês.

“Angola está a aprofundar a sua relação económica com a China, esperando ir além do tradicional modelo estatal de linhas de crédito pagas em petróleo, para uma abordagem mais diversificada e liderada pelo sector privado”, escrevem os analistas da EIU numa nota enviada aos investidores.

“O investimento privado estrangeiro é urgentemente necessário em Angola, a lutar contra os preços baixos do petróleo, a sua maior exportação e fonte de receitas”, escreve a EIU, acrescentando que “as empresas chinesas têm a capacidade de fornecer dinheiro e ‘know-how’ para ajudar o país a desenvolver sectores não petrolíferos, como a agricultura e a manufacturação, e criar os tão necessários empregos”.

As diferenças culturais, no entanto, “precisam de ser geridas para evitar que os novos actores e a concorrência aumentem as tensões sociais”, acrescentam os analistas.

Apesar de o sistema de pagar em petróleo os empréstimos chineses que são usados na reconstrução do país ter resultado bem para Angola, o modelo está a tornar-se mais difícil para o país.

“Com os preços do petróleo fortemente pressionados, o volume de crude que Angola tem de enviar para a China para cumprir as obrigações financeiras cresceu consideravelmente”, escreve a EIU, concluindo que “isto significa que Angola tem menos crude para vender noutros locais, aumentando as dificuldades de receita do Governo e provocando críticas renovadas da oposição sobre os contornos das linhas de crédito chinesas”.

Folha 8 com Agências

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