A agência de notação financeira Fitch Ratings diz que Angola deverá ter de pagar cerca de 5 mil milhões de dólares este ano em pagamentos de dívida pública, representando mais de 60% da receita do Governo. Deverá? Provavelmente o MPLA irá dizer que paga… se alguém emprestar dinheiro ou, em alternativa, não… pagará.
“Estimamos que o Governo de Angola enfrente um custo de aproximadamente 5 mil milhões de dólares [4,4 mil milhões de euros], equivalente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB), em amortizações de dívida externa, com o total dos pagamentos de juro a aumentarem para mais de 60% da receita governamental”, diz a Fitch Ratings num relatório sobre a evolução das economias da África subsaariana nos últimos meses.
De acordo com o relatório, enviado aos investidores, “apesar do ajustamento orçamental em curso, a depreciação das reservas estrangeiras e o aumento dos custos de financiamento aumentaram o rácio da dívida sobre o PIB para bem acima da classificação média de B”, o rating atribuído a Angola.
“O choque do novo coronavírus vai exercer ainda mais pressão sobre as finanças públicas em 2020”, dizem os analistas, acrescentando que, por isso, “Angola deverá chegar a acordo com os credores oficiais bilaterais sobre a reestruturação da dívida, mas a revisão do programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) pode requerer uma reestruturação adicional da dívida comercial”.
Angola, o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana e a quarta maior economia da região, a seguir à Nigéria, África do Sul e Quénia, está a sofrer as consequências da descida dos preços do petróleo e o impacto das medidas de combate à pandemia de Covid-19, duas realidades que demonstraram – mais uma vez – a incompetência do governo do MPLA (há 45 anos no Governo) para diversificar a economia.
“O rating de Angola reflecte a dependência do petróleo, que é uma das maiores entre os países analisados pela Fitch, e o impacto da descida dos preços e da produção de petróleo”, lê-se no documento, que alerta que o choque petrolífero “levou a uma depreciação do kwanza além do previsto, aumento dos níveis de dívida pública e a complicações no serviço da dívida externa, com uma queda das reservas internacionais”.
A Fitch antevê que o crescimento económico continue negativo este ano, contraindo 1,5% do PIB, e que a dívida pública suba para 107,5%, com a produção de petróleo a cair para 1,3 milhões de barris por dia, o que obriga o Governo a “encontrar novas fontes de financiamento para além do FMI, das instituições multilaterais e das retiradas de dinheiro do Fundo Soberano”.
A 16 de Março, a Fitch reviu em baixa o rating de Angola, colocando em B- com uma Perspectiva de Evolução Estável.
O relatório da Fitch surge numa altura em que a Comissão Económica para África das Nações Unidas (UNECA) tem estado em reuniões com os ministros das Finanças africanos, na sequência da discussão pública que tem existido nos mercados financeiros africanos sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia.
A assunção do problema da dívida pública como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em Abril em Washington, nos quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
A 15 de Abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
Além disso, a UNECA, entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a Covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com ‘rating’ de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida actual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.
Os credores privados também já avançaram com um plano que permite diferir os pagamentos da dívida sem influenciar os ratings atribuídos pelas agências de notação financeira, mas o receio de que a falta de pagamento possa cortar o acesso aos mercados internacionais tem levado a que sejam poucos os países a anunciar uma reestruturação da dívida a credores privados.
A desculpa da Covid-19
Em Setembro de 2018, a consultora Economist Intelligence Unit (EIU) alertou para a necessidade de Angola “endividar-se de forma sensata” sob perigo de entrar em situação de incumprimento financeiro.
Na altura a EIU não se limitou a rever as previsões de crescimento, e “atreveu-se” a aconselhar os peritos dos peritos que integram o Governo de João Lourenço para a necessidade de Angola “endividar-se de forma sensata” sob perigo de entrar em situação de incumprimento financeiro, ou “default”, devido ao alto nível de endividamento.
“O pagamento da dívida já é a maior rubrica de despesa em Angola e o país tem de equilibrar a sua necessidade de investimento com o endividamento sensato, se quiser evitar uma situação de default”, escreveram os peritos da unidade de análise económica da revista britânica The Economist.
Segundo uma nota enviada aos investidores sobre a relação entre a China e Angola, os analistas advertiam sobre o novo pacote de financiamento de 11 mil milhões de dólares, acordado entre as autoridades dos dois países no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que decorreu em Pequim, e no qual o Presidente João Lourenço participou.
“O novo pacote de crédito da China é significativo; no entanto, apesar de ajudar a desbloquear financiamento para pagar os tão necessários investimentos, também vai aumentar o fardo da dívida nacional”, vinca a EIU, notando que o acordo era alcançado numa altura em que Angola já garantira 4,5 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em Dezembro de 2017, segundo os números oficiais citados pela unidade de análise económica da Economist, Angola devia à China mais de 21 mil milhões de dólares, “dos quais 5,2 mil milhões de dólares para o Banco de Importações e Exportações da China, e o restante a bancos públicos”.
Este método, notava a EIU, “tem atraído críticas dentro e fora de Angola, principalmente em relação a importação de materiais e mão-de-obra chineses, que faz pouco pela criação de empregos locais e pelo desenvolvimento do sector nacional da indústria”.
O mesmo aconteceu, concluíam os analistas, com os termos dos pagamentos dos empréstimos, “que levantam preocupações sobre se os empréstimos são realmente benéficos para Angola”.
O Presidente João Lourenço agradeceu, em Pequim, ao homólogo chinês, Xi Jinping, a ajuda ao processo de reconstrução nacional em Angola, país devastado por um tsunami de incompetência governativa, ladroagem e corrupção (entre muitos outros crimes) com a exclusiva chancela do MPLA.
João Lourenço reafirmou que Angola encontrou na China um parceiro que está a ajudar a construir o país e que foi o país asiático “quem estendeu a mão na fase de reconstrução nacional”.
É claro que, sobretudo numa altura em que se estava de mãos estendidas (e isto foi muito antes da Covid-19), não era tempo de João Lourenço pensar na factura e nos custos dessa ajuda, grande parte dela dispensável se o partido que governa Angola desde 1975 não fosse corrupto e em vez de trabalhar para os poucos que têm milhões fizesse alguma coisa útil para os milhões que têm pouco ou… nada.
Em relação ao continente em geral, João Lourenço reconheceu que a China tem desempenhado um papel importante no processo de desenvolvimento de África, processo que “requer uma certa atenção”.
Recorde-se que o Presidente chinês anunciou no Fórum de Cooperação China-África, em Pequim, 60 mil milhões de dólares (51 mil milhões de euros) em assistência e empréstimos para países africanos.
“As nossas parcerias no passado não deram certo e, em poucas décadas, a China estendeu-nos a mão e os resultados são visíveis em praticamente todo o continente”, reconheceu submisso e bajulador João Lourenço, bem ao estilo do comportamento do partido do qual é Presidente, e que é sempre muito forte com os fracos e fraquinho com os fortes.
Folha 8 com Lusa