Os efeitos do “mplavírus”

A consultora Fitch Solutions considera que a propagação do vírus Covid-19 (coronavírus) pode piorar a recessão de 0,3% prevista para este ano em Angola devido às fortes ligações económicas à China. Isto, é claro, não considerando os efeitos do “mplavírus” que tomou conta do país em 1975 e que ninguém consegue (nem quer) erradicar.

“O s principais exportadores de matérias-primas na África subsaariana são os que deverão ser mais atingidos pela epidemia, já que a China é um dos principais importadores de petróleo e minérios, mas há uma grande panóplia de mercados regionais que estão expostos a qualquer abrandamento no investimento chinês”, escrevem os analistas desta consultora detida pelos mesmos proprietários da agência de notação financeira Fitch Ratings.

Os analistas alertam ainda que é provável uma revisão à previsão de 2,3% de crescimento do Produto Interno Bruto, este ano.

Na nota, enviada aos investidores, os analistas escrevem que “as economias com sistemas de saúde e um quadro macroeconómico mais fraco estão particularmente em risco, ao passo que os mercados na África do Sul estão especialmente vulneráveis à degradação do sentimento económico”.

Especificamente sobre Angola, a Fitch Solutions alerta: “A descida na produção de crude já deverá ter influência na balança comercial e no crescimento económico nos próximos trimestres, e como terceiro maior fornecedor de petróleo à China, Angola está fortemente exposta a riscos descendentes na procura de petróleo pelo gigante asiático, ou por uma descida nos preços”.

Assim, acrescentam que “uma descida sustentada na procura ou nos preços fará com que a projecção de crescimento económico de -0,3% possa ser ainda pior”.

Para a Fitch Solutions, não é só na redução da procura chinesa que estão os perigos para a África subsaariana, mas também o investimento externo chinês pode ser afectado, e neste caso Angola volta a ser um dos países focados no relatório, que nota que o reino do MPLA está entre os cinco maiores receptores de investimentos chineses em 2017, juntamente com a África do Sul, República Democrática do Congo, Zâmbia e Nigéria.

A consultora já reviu em baixa a previsão de crescimento da economia chinesa para este ano devido ao efeito de contágio, antecipando agora uma expansão de 5,6% em vez dos 5,9% anteriormente estimados, o que “vai fazer descer os preços das matérias-primas, incluindo petróleo e minerais, que dominam o conjunto das exportações da região”.

Assim, apontam, “países exportadores de petróleo como o Sudão do Sul, Angola e Congo são os mais vulneráveis às descidas nos preços das matérias-primas, particularmente dado que já estão a enfrentar consideráveis desafios políticos e orçamentais”.

Angola exportou, em 2019, cerca de 479 milhões de barris de petróleo, a um preço médio de 65,2 dólares (59,2 euros) por barril, totalizando receitas de 31,2 mil milhões de dólares (28,3 mil milhões de euros), segundo dados apresentados no final de Janeiro pela Direcção Nacional de Mercados e Promoção da Comercialização do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo (MIREMPET) angolano.

Os principais destinos das exportações foram a China (72%), a Espanha (6%) e a Índia (5%).

O efeito do “mplavírus” na economia angolana é explicado pela elevada dívida pública face ao Produto Interno Bruto (PIB), pela diminuição das reservas e pela recessão. Ou seja, em tudo o que é essencial do ponto de vista económico e financeiro, o governo do MPLA (partido no Poder há 44 anos) continua a mostrar que não é capaz de levar “a carta a Garcia”.

Supostamente Angola já implementou grandes reformas, incluindo a reestruturação do sector petrolífero ao abrigo de um programa do Fundo Monetário Internacional desde o final de 2018, admitindo-se que a evolução para uma taxa de câmbio mais flexível poderá melhorar os desequilíbrios no mercado cambial, embora sendo certo que também aumenta o rácio da dívida face ao PIB.

A Fitch, por exemplo, “espera que a média da dívida pública face ao PIB caia ligeiramente em 2020 para cerca de 55%, mas a forte subida anterior, de 27% em 2012, significa que há pouca margem nos orçamentos caso haja um novo choque externo ou interno”.

Recorde-se que o número de nações africanas em que o pagamento dos juros da dívida representa mais de 20% das receitas, ainda que sem alterações face aos dois últimos anos, continua no valor mais alto desde 2000, representando um significativo risco de “dívida problemática”.

Na análise aos principais indicadores macroeconómicos previstos para 2020, a Fitch Ratings reconhece que “os países absorveram já o impacto da queda do preço das matérias-primas”, mas salienta que “a má gestão das finanças públicas, as persistentes necessidades de infra-estruturas prioritárias e a pressão para melhorar os serviços públicos aumentam os riscos da evolução da dívida pública”.

Dos 19 países que a Fitch analisa na região, entre os quais estão os lusófonos Angola, Cabo Verde e Moçambique, apenas dois têm uma Perspectiva de Evolução Positiva, havendo três com uma Perspectiva Negativa, um dos quais é Angola.

A maioria está no nível B, no patamar mais baixo da escala de investimento, o que reflecte as deficientes características estruturais, como os indicadores de governação do Banco Mundial ou o rendimento per capita e, em mais países, dívida relativamente elevada.

Folha 8 com Lusa

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