O trunfo (Kangamba)
e o óbito (economia)

A consultora EXX Africa considerou hoje que Angola só vai conseguir aumentar as receitas através de ajuda financeira multilateral ou venda de activos petrolíferos, depois da recusa dos EUA em aumentar o envolvimento financeiro. É chato. Custaria muito aos norte-americanos continuar a dar mais fiado ao governo de João Lourenço? Francamente. Como resposta a esta certidão de (quase) óbito, João Lourenço fez a jogada do “orgasmo colectivo”: mandou prender o general Bento Kangamba.

Por Orlando Castro (*)

“Os Estados Unidos tornaram-se relutantes em envolver-se mais em Angola e os seus investidores têm preferido manter-se longe do sector bancário e das privatizações”, lê-se na nota de análise à visita do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, a Luanda.

No documento, enviado aos clientes, o analista Robert Besseling escreve que “só parece haver duas maneiras possíveis para Angola aumentar as suas receitas, que são a assistência multilateral e a venda de activos petrolíferos”, já que “Angola esperava mais investimento norte-americano nos sectores do gás e petróleo como alternativa aos empréstimos chineses”.

A análise da consultora surge poucos dias depois da visita do governante norte-americano a Luanda, na qual Mike Pompeo elogiou o esforço reformista do Governo e a campanha contra a corrupção que, até agora e respeitando a emblemática estratégia de João Lourenço, tem trabalhado a três velocidades: Devagar, devagarinho e parada.

Para a EXX África, estas soluções, no entanto, trazem o perigo de um aumento da austeridade defendida pelo Fundo Monetário Internacional, por um lado, e pela possibilidade de elementos da elite política angolana serem beneficiados nas privatizações, afastando os investidores internacionais. Isto porque, cada vez mais, é visível que em Angola há dois tipos de corrupção, uma boa e outra má.

A boa é a praticada pelos impolutos e honoráveis dirigentes do MPLA de João Lourenço, mesmo aqueles que há pouco mais de dois anos (tal como o próprio João Lourenço) estavam solidários com José Eduardo dos Santos. A má é a praticada pelos que não se converteram à Igreja Universal do Reino de… João Lourenço.

“O FMI está a defender mais cortes na despesa e reformas económicas mais substanciais”, lê-se no comentário, que aponta que “o Governo está a tentar atrasar as reformas dolorosas do FMI, apesar de as perspectivas de um acordo com a família do antigo Presidente parecer improvável”.

Por outro lado, acrescentam os analistas, “apesar de a campanha anti-corrupção ser altamente popular no país, à medida que as condições de vida se degradam, a inflação sobe e os orçamentos são cortados, a confiança no Governo de João Lourenço deve, provavelmente, enfraquecer-se”.

Isto vai aumentar a pressão “para adicionar novos alvos à campanha anti-corrupção, incluindo dirigentes do MPLA, ‘generais empresários’ influentes e o todo-poderoso triunvirato (Manuel Vicente, ‘Kopelipa’ e ‘Dino’), de cujo apoio Lourenço depende”.

(Faça-se aqui um parêntesis para esclarecer o Departamento de Informação e Propaganda do MPLA, bem como os seus comissários na ERCA, que quem diz isto – embora esteja de acordo – não é o Folha 8 mas sim a consultora EXX Africa)

Esta, no entanto, não deverá ser a opção do Executivo, que deverá apostar na venda de activos energéticos através do programa de privatizações, a dispersão em bolsa de 30% da Sonangol e a venda da licença para explorar blocos petrolíferos.

“Nos próximos três anos, a Sonangol deverá vender muitos dos seus blocos nas bacias do Namibe e Congo, apesar de a produção estar a cair” nesta região, mas o interesse não deverá ser elevado, ao contrário do que pode acontecer com a privatização de 30% da companhia petrolífera nacional.

“Continua a haver grande esperança de que a venda de 30% da Sonangol possa ter mais sucesso, com as petrolíferas internacionais a avançarem para activos vendidos a preço de desconto, mas a autoridade reguladora do sector tem mostrado pouca capacidade, até agora, de gerir a privatização parcial de uma das maiores empresas africanas”, afirma EXX Africa.

Isto, conclui a EXX Africa, “tem aumentado a suspeita de que as empresas locais próximas da elite política vão receber um tratamento favorável na venda”.

Falência está ao dobar da esquina

Recorde-se que a EXX Africa considerou que os irmãos José Filomeno e Isabel dos Santos são os “bodes expiatórios” de uma campanha governamental para convencer os investidores internacionais a apostar em Angola, apesar de a corrupção se manter generalizada.

(Onde é que os nossos leitores já leram a mesma conclusão? Claro. Aqui no Folha 8.)

“O julgamento tem todos os contornos de um ‘julgamento de fachada’ que é politicamente motivado para satisfazer as exigências dos investidores relativamente a passos concretos contra a corrupção, e o único objectivo aparente foi acusar e prender o filho do antigo Presidente como bode expiatório da corrupção do passado”, escreveu o director da consultora, Robert Besseling.

O relatório, com o título “Líderes do Estado-sombra de Angola põem em perigo a agenda de privatização”, argumenta que “o Governo está a tentar fazer dos apoiantes do antigo Presidente os bodes expiatórios pelo fraco desempenho da economia, dizendo que há actos de sabotagem económica que estão no centro das frequentes faltas de combustível”.

No documento, o analista escreve que esta tese “está a começar a dividir o MPLA, no poder há 44 anos, que é tradicionalmente unido e que tem garantido a estabilidade política no país desde o final da guerra civil”.

“Há fontes bem informadas que admitem que pode haver uma cisão permanente no partido se não houver melhorias na economia e se os percepcionados ‘julgamentos de fachada’ a membros da família do antigo Presidente não pararem”, acrescenta.

O julgamento, lê-se ainda no relatório, “não deverá inspirar muita confiança na campanha do Presidente João Lourenço contra a corrupção e é mais provável que seja desvalorizada por muitos angolanos como um ‘julgamento de fachada’ com o propósito de atingir e encontrar um bode expiatório do antigo Governo pelos problemas socioeconómicos actuais”.

“Mas talvez mais importante, o julgamento de Zenu [dos Santos] distrai as atenções de um conjunto de escândalos envolvendo o Governo actual e elementos próximos do Presidente Lourenço”, salienta.

Para a EXX Africa, a ordem judicial que arresta os bens de Isabel dos Santos em Angola “é vaga sobre quais os activos que ficam imobilizados e há especulação sobre a data da divulgação, que parece ter sido especificamente escolhida para ter uma atenção maior dos meios de comunicação social”.

Para além disso, aponta o analista, “há fontes locais que dizem que Isabel dos Santos está a ser alvo do Governo para entregar certos activos na banca e nas telecomunicações nas vésperas das privatizações, para agradar aos investidores estrangeiros, mas sem seguir as diligências processuais”.

Para além da questão das acusações judiciais a Isabel dos Santos e a José Filomeno dos Santos, a EXX Africa salienta também o papel do antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente, que agora é conselheiro especial de João Lourenço para os assuntos do petróleo e gás.

“O seu papel como conselheiro presidencial dá-lhe uma influência política inigualável sem qualquer responsabilização, enquanto a sua família e os seus associados se preparam para beneficiar com a venda de lucrativos activos angolanos nos próximos anos”, frisa-se no documento.

O relatório da consultora pormenoriza as ligações entre Manuel Vicente e os seus apoiantes, e acusa-o de liderar uma influente rede de tráfico de influências, quer junto do actual Presidente, quer junto do antigo chefe de Estado.

Quando, a 10 de Maio de 2017, João Lourenço, garantiu em Luanda que o MPLA iria lutar contra a corrupção, má gestão do erário público e o tráfico de influências… poucos acreditaram. Hoje há mais gente a acreditar? Já houve mais. As dúvidas continuam a ser mais do que as certezas.

João Lourenço discursava – recorde-se – no acto de apresentação pública do Programa de Governo 2017-2022 do MPLA e do seu Manifesto Eleitoral, mostrando a convicção de que – mais uma vez – os angolanos iriam votar com a barriga (vazia) e que havendo 20 milhões de pobres… a vitória seria certa. E foi.

João Lourenço sublinhou que o programa do MPLA para os próximos cinco anos “é coerente e consistente”, mas para a sua aplicação “de modo efectivo e com sucesso” são precisas instituições fortes e credíveis.

“Para a efectiva implementação deste programa temos de ter os homens certos nos lugares certos”, referiu João Lourenço, então ministro da Defesa, efusivamente aplaudido pelos militantes presentes, na altura (hoje já não é bem assim) formatados e pagos para aplaudir fosse o que fosse que João Lourenço dissesse.

Ainda de acordo com João Lourenço o MPLA iria “promover e estimular a competência, a honestidade e entrega ao trabalho e desencorajar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”.

Já antes, no dia 28 de Fevereiro, prometera um “cerco apertado” à corrupção, que está a “corroer a sociedade”, e o fim da “impunidade” no país. Recorde-se que este mesmo MPLA sempre negou, ou minimizou, que a corrupção fosse um “mal que corrói a sociedade”, dizendo que a corrupção é um fenómeno que afecta todos os países. Aliás, João Lourenço advertiu que o problema é a “forma” como Angola encara o problema: “Não podemos é aceitar a impunidade perante a corrupção”.

“O MPLA reafirma neste programa de governação o seu compromisso na luta contra a corrupção, contra a má gestão do erário público e o tráfico de influências”, reitera João Lourenço, acrescentando que o partido conta(va) com “os angolanos empenhados na concretização do sonho da construção de um futuro melhor para todos”.

“Vamos contar com aqueles que estão verdadeiramente dispostos a melhorar o que está bem e a corrigir o que está mal”, disse numa referência ao lema da campanha do MPLA.

João Lourenço admitiu que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de 44 anos de poder, 18 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 56 anos no poder.

“Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiva das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço.

Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos cinco anos dar continuidade ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo.

Para a juventude, a franja da sociedade a quem o MPLA atribui “importância fundamental nos processos de transformação política e social de Angola”, João Lourenço disse que vai continuar “a contar cada vez mais com os jovens nas imensas tarefas do progresso e do desenvolvimento”.

Sobre a consolidação da democracia angolana, destacou a realização de eleições autárquicas, a permissão para posicionar o país “num movimento de verdadeira descentralização administrativa”.

“Com a instauração das autarquias, a administração estará mais próxima das populações, o que tornará mais fácil a percepção das suas necessidades e aspirações e também a sua satisfação”, realçou. Terá João Lourenço descoberto a pólvora?

No Lubango disse: “Uma das nossas preocupações, depois de Agosto, será precisamente, não digo criar, mas procurar ampliar ao máximo essa classe média angolana, à custa da redução dos pobres (…) Fazer com que a classe média seja superior à soma dos pobres e dos ricos”.

Se para esses acólitos do MPLA o período de guerra civil (apesar de ter terminado em 2002) justifica tudo, para nós não. Dá jeito ao MPLA estar sempre a falar disso, ir ressuscitando Jonas Savimbi, e, misturando tudo, renovando que heróis só são os do MPLA. Tudo porque… ou o MPLA ganhava ou o fim do mundo chegaria no dia seguinte. Mas não é assim.

A lei que não é para todos

Bento Kangamba foi acusado de crimes de burla e defraudação, foi detido este sábado (29.02), no Cunene. Estaria, segundo a Procuradoria-Geral da República, a tentar fugir para a Namíbia.

Em comunicado, a PGR pormenorizou que no acto da detenção foram apreendidos uma pistola e montantes de kwanzas e rands.

Na verdade (que, mais uma vez, é irrelevante para a PGR), Bento Kangamba tem colaborado com a justiça do seu partido (MPLA), ou do regime (MPLA), e tem pago uma dívida relativa a um caso de suspeitas do crime por defraudação.

Nem Bento Kangamba nem os seus representantes legais foram notificados de qualquer medida de coacção que, porventura, lhe tivesse sido aplicada, o que – caso se estivesse a falar de um Estado de Direito – significaria que era um homem livre, podendo circular dentro e fora das fronteiras de Angola, sem qualquer restrição.

Na sexta-feira o general Bento Kangamba foi notificado, através dos seus mandatários, para ser ouvido em autos, no dia 5 de Março de 2020.

Ora então, goste-se ou não, como é que Bento Kangamba estaria em fuga se só teria de se apresentar no dia 5 e já que sobre ele não pendia nenhuma interdição de saída, ou qualquer outra medida de coacção?

De facto, como dizem os seus advogados, a sua precipitada detenção, de forma manifestamente ilegal, ilícita e abusiva, constitui uma violação grosseira às normas mais elementares de qualquer estado democrático e de direito e demonstra, de forma clara e inequívoca, a gratuita intenção de humilhar publicamente mais uma figura próxima de José Eduardo dos Santos.

(*) Com Lusa

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