O arresto das participações da empresária angolana (não tardará muito vão chamar-lhe empresária russa…) Isabel dos Santos em empresas nacionais é minimizada por clientes, que alegam que o processo é uma questão judicial e não uma acção política de perseguição à filha do ex-presidente de Angola. Com ou sem conhecimento de João Lourenço, a campanha de intimidação do MPLA está aí com toda a sua força e, legitimamente, ninguém se atreve a criticar as decisões do “querido líder”.
Clientes de empresas de Isabel dos Santos em Angola, cujas participações foram arrestadas por decisão judicial, descartam perseguição política no processo, referindo ser uma ocasião para a “empresária de sucesso” mostrar perante a Justiça a fonte dos seus rendimentos. E, é claro, ninguém se atreve a perguntar se o Presidente do MPLA também está na disposição de mostrar, aos angolanos, a fonte dos seus rendimentos.
“Se calhar ela (Isabel dos Santos) devia agradecer por não sofrer nenhum processo criminal e não ser detida”, afirmou à Lusa Elcides Afonso, 21 anos, à saída do supermercado Candando, no centro da capital angolana, propriedade da empresária. É assim mesmo. O MPLA gosta e, reconheça-se, costuma ser generoso com todos aqueles que pensam pela cabeça do chefe.
Os dois maiores símbolos da empresária, que tem participações em bancos e empresas várias, são o Candando e a operadora de telecomunicações Unitel.
Em declarações à Lusa, à saída do supermercado, o estudante de engenharia afastou a possibilidade de o acto ser considerado como perseguição política: “Porque ela (Isabel dos Santos) deve e devia pagar”. E se o jovem diz, por mera coincidência, o mesmo que lhe mandam dizer, é porque conhece bem o MPLA.
A acção judicial do estado angolano, anunciada em 30 de Dezembro de 2019, “é legal, defendeu Elcides Afonso, argumentando que “são dinheiros do Estado” que foram usados na aquisição de outras empresas e a sua “não devolução condiciona o Governo investir em outros sectores”. É a versão oficial que, socialmente, o MPLA vai transformar em sentença transitada em julgado.
Para o jovem, Isabel dos Santos para ser uma “empresária de sucesso no seu trajecto contou com o favorecimento do pai”, José Eduardo dos Santos, ex-Presidente angolano. Se o MPLA o diz, se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, quem quiser ser “angolano” tem de dizer o que o MPLA manda. Tudo normal. É assim há 44 anos.
O Tribunal Provincial de Luanda anunciou em 30 de Dezembro o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo, e do português Mário da Silva, além da participação em nove empresas nas quais a filha do antigo Presidente detém participações sociais.
Isabel dos Santos é uma das maiores empregadoras angolanas contando com participações em Angola nos bancos BIC e BFA, na Unitel (telecomunicações) Finstar, Sociedade de Investimentos e Participações, ZAP Media (operadora de televisão por assinatura), Cimangola II (cimenteira), Condis (empresa de distribuição que detém a marca de hipermercados Candando), Continente Angola e Sodiba (indústria de bebidas).
Para Elcides Afonso, a medida do tribunal de Luanda permite a Angola mostrar à comunidade internacional que está a combater a corrupção. Tem razão. E todos sabem que a melhor forma de combater a corrupção é pôr corruptos a comandar essa lita.
Por seu lado, a estudante Andreia Pitra, disse estar atenta ao arresto de que foram alvo as participações de Isabel dos Santos, temendo, entretanto, que a medida judicial afecte os postos de trabalho dos actuais funcionários das empresas visadas.
“Acho que as coisas poderiam ser resolvidas de uma forma diferente, tendo em conta que nessas empresas tem muitas famílias lá e esse embate poderá originar o fecho dessas empresas e é mais população que poderá ir ao desemprego”, afirmou.
Cliente da Unitel há 15 anos, Andreia Pitra não quer acreditar que processo em curso tenha como origem a perseguição política, admitindo, porém, que a empresária tenha sido beneficiada por José Eduardo dos Santos, que governou Angola durante 38 anos.
E admite bem. É claro que o “jornalista” de serviço não teve a oportunidade de perguntar a Andreia Pitra se, por mero acaso, achava que João Lourenço, o ex-vice-presidente do MPLA e ex-ministro de José Eduardo dos Santos, também foi beneficiado pelo pai de Isabel dos Santos.
“Qualquer pessoa agiria da mesma forma: se estou no poder e se a minha filha tem possibilidade de investir acho que agiria da mesma forma”, disse, acrescentando: “acho que a decisão do tribunal, em certa parte, mancha muito mais a imagem dela (Isabel dos Santos) por ser uma empresária de dimensão internacional, acho que baixa um bocadinho a sua credibilidade”.
“O que era desnecessário, porque Isabel dos Santos é muito boa no que faz”, atirou.
Já o funcionário público Rogério Mariano Vunge assume que Isabel dos Santos “é uma empresária de sucesso”, considerando que decisão do Estado revela “alguma irregularidade” que Isabel deverá provar.
“Porque se o Estado tomou essa decisão é porque há alguma irregularidade e se não tem nada a temer ela (Isabel dos Santos) pode vir e provar, porque há um tempo que foi dado para justificar alguma coisa e nesse período ela pode aparecer”, disse.
O cliente Unitel descarta qualquer perseguição contra a empresária angolana recordando que ex-ministros e deputados angolanos já foram visados pelo tribunal em “consequência dos erros da antiga governação”. Tomando esta alusão como barómetro, é legítimo dizer que João Lourenço nunca cometeu erros nos tempos em que esteve no Governo e foi o mais carismático “yes man” de… José Eduardo dos Santos.
“Na antiga governação havia muitos erros e acho que agora é momento de sentarem e conversarem sobre esses desvios, erros cometidos na governação passada”, adiantou Rogério Mariano Vunge.
Já Pedro António, técnico de elevadores e cliente Unitel, refere que Isabel dos Santos tem como se defender perante as autoridades angolanas, esperando que as empresas continuem funcionais “porque ajudam milhares de pessoas”.
No despacho, o tribunal considera que, em Agosto de 2010, o executivo angolano, chefiado por José Eduardo dos Santos, decidiu comercializar diamantes angolanos no exterior do país.
Na sequência do anúncio da decisão do tribunal, a empresária afirmou que nunca foi notificada ou ouvida no âmbito no inquérito que levou ao arresto das suas contas em Angola, negando as acusações em que é visada num processo que afirma ser “politicamente motivado”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), organismo liderado por um – mais um – general da inteira confiança de João Lourenço, admitiu que poderá arrestar participações de Isabel dos Santos em empresas portuguesas, tal como aconteceu em Angola. Faz muito bem. A melhor defesa é o ataque.
Citado pelo jornal português ECO, o porta-voz da PGR, Álvaro João, referiu que não há nada que leve a afirmar que tenha de acontecer deste modo, mas “se houver necessidade vamos fazer recurso dos acordos de cooperação com Portugal“.
Álvaro João sublinhou que neste caso específico a PGR ainda não está a trabalhar com Portugal, adiantando que os dois Estados têm acordos de cooperação e de partilha de informação. “Se houver necessidade, vamos usá-los”, frisou o porta-voz da PGR.
Segundo Álvaro João, a escolha dos bens alvo de arresto está relacionada com a sua localização, o que a PGR resolveu “atacar” para que não fossem transferidos para outro local, acrescentando que a possibilidade de o processo abranger os bens de Isabel dos Santos em Portugal “será vista a seu tempo”. Para já funciona o aviso, a intimidação. A seguir virá, se necessário, a declaração de guerra.
Por enquanto, o processo de que a empresária é alvo não inclui as participações em empresas portuguesas, como a Galp, o EuroBic, a Efacec e a Nos.
A acção principal que o Estado angolano vai interpor contra Isabel dos Santos para recuperar os activos que reclama só deverá dar entrada no tribunal em Março, devido às férias judiciais, segundo o mesmo jornal.
Folha 8 com Lusa