O Land Rover, os reis e a PGR

O órgão oficial do regime angolano, o Jornal de Angola, afirmou no dia 15 de Janeiro de 2012 (só passaram 8 anos) que “a autoridade tradicional máxima do Bailundo, Ekuikui IV”, morrera na véspera, “aos 94 anos, na cidade do Huambo, vítima de doença”. Acrescentava o jornal que “o anúncio foi feito em comunicado pelo Bureau Político do MPLA, partido do qual era militante e que representou, como deputado, na Assembleia Nacional”.

Por Orlando Castro

No dia 30 de Abril de 2008 (só passaram 12 anos), uma viatura de marca Land Rover, foi entregue ao rei Ekuikui IV “Cachitiopolo” do Bailundo, na sede comunal do Alto Hama, município do Lunduimbali, província do Huambo.

O carro foi entregue pelo coordenador adjunto para a campanha eleitoral do MPLA, João Lourenço, “à margem de um acto político de massas, na sequência do realizado no dia anterior na cidade do Huambo, ao qual o soberano fez questão de assistir”.

“O rei Ekuikui IV do Bailundo, acompanhado por uma das suas esposas, agradeceu o gesto de José Eduardo dos Santos, ao mesmo tempo expressou a sua satisfação pela reabilitação das estradas e progressiva melhoria das condições de vida das populações do Bailundo”, salientou então a agência oficial do regime, a Angop, ou seja, do MPLA e do seu presidente, José Eduardo dos Santos.

O soberano anunciou então, em declarações à imprensa, que em Setembro desse ano, por ocasião das eleições legislativas, diria algo importante aos angolanos.

Nessa altura, no artigo “Um Land Rover para um rei a cinco meses das… eleições”, escrevemos que desconhecíamos se o rei iria ao volante do seu Land Rover fazer as anunciadas importantes declarações, acrescentando, contudo, que de uma coisa se podia já ter a certeza: o rei não iria cuspir no prato de quem lhe ofereceu a viatura.

Em cheio. O rei, também conhecido pelo soba dos sobas, manifestou o seu apoio ao MPLA.

De acordo com o comunicado do bureau político do MPLA, “o partido que serviu durante vários anos reconhece nele um exemplo de resistência tenaz contra o colonialismo português, de amor à pátria, de trabalho e de muita devoção à causa da paz, da unidade e reconciliação nacional, da liberdade e desenvolvimento do país”.

Com tantas qualidades só poderia ser do MPLA. Aliás, Ekuikui IV só passou de besta a bestial quando, para além do Land Rover, aceitou filiar-se no partido que governa Angola desde 1975.

Ainda em termos de memória, com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, em 2002, e o fim da guerra, Ekuikui IV passou a ser o dono do trono.

E foi depois de 2002 que o até então poderoso, respeitado e honorável reino do Bailundo entrou na sua fase mais descendente com uma inaudita vassalagem ao rei do MPLA, José Eduardo dos Santos.

Vassalagem que, de acordo com a estratégia o MPLA e com a colaboração activa de Ekuikui IV, levou em 2008 à eliminação física do rei Utondossi II.

Vem tudo isto a propósito de que o político, general e ex-ministro (da Defesa) do MPLA aqui referido é o mesmo João Lourenço que hoje é Presidente da República, que hoje nos fala de ética, moral, patriotismo, equidade, respeito etc. etc..

Recorde-se que uma das sucursais do MPLA, a Procuradoria-Geral da República, através do seu então chefe, general João Maria Moreira de Sousa deu razão ao candidato João Lourenço da participação da UNITA que o acusava de oferecer diversos bens (viaturas, bicicletas, tractores e charruas e arcas e geleiras) e géneros alimentares durante a campanha eleitoral, que à luz do artigo 43 da Lei Orgânica das Eleições Gerais (isto se a lei fosse para levar a sério) constitui corrupção eleitoral.

Em resposta, o PGR considerou que “a doação desses bens, não obstante ter sido efectuado em período de pré campanha e durante a campanha eleitoral, teve como finalidade suprir ou minimizar carências reais e efectivas daqueles cidadãos.”

“O candidato do MPLA ao fazer as referidas ofertas de forma pública, à luz do dia e, inclusive, com a cobertura dos órgãos de comunicação social, certamente assumiu a sua conduta como não proibida e não punida por lei, tanto mais que tal prática no nosso país e continente é rotineira e decorrente de usos e costumes que em actividades festivas ou em casos de visitas, se exige e se impõe a troca de oferendas”, disse o PGR do MPLA.

No seu ponto de vista, impavidamente aceite por João Lourenço, “se por um lado, não há quaisquer dúvidas de que o candidato do MPLA ofereceu bens materiais tanto a cidadãos comuns quanto a representantes de instituições religiosas, de caridade e autoridades tradicionais, por outro lado, contrariamente ao alegado pelo denunciante, não há provas de que tenha directa e especificamente ou indirectamente persuadido os beneficiários a votar na sua candidatura em troca dos bens que oferecia, ou que terá pretendido deles a obter a promessa de que votariam na sua candidatura.”

Para além de uma ridícula palhaçada, a argumentação do PGR apresentou-se como mais uma séria candidata ao anedotário nacional, se bem que sirva também como o maior atentado à inteligência dos angolanos.

Para João Maria de Sousa, “sendo inútil a abertura, investigação e instrução de um processo-crime, por não estarem reunidos os elementos constituídos do crime de corrupção eleitoral, indeferido o pedido, e, consequentemente, determino o seu arquivamento.”

E então o que disse João Lourenço? Será que cesteiro que faz um cesto não faz um cento? Será que, de um momento para outro, se deu um milagre e, ao passar a Presidente, João Lourenço virou o cidadão mais impoluto do país, quiçá do mundo?

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