O irritante, a irritante, os irritantes e a chantagem!

Em Novembro de 2017 o ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, avisou que enquanto o caso que envolvia a Justiça portuguesa e Manuel Vicente não tivesse o desfecho que João Lourenço queria, Angola “não se moveria nas acções de cooperação com Portugal”. Agora a história repete-se. Ou Portugal faz o que João Lourenço quer em relação a Isabel dos Santos, ou Angola voltará à chantagem.

“Enquanto o caso não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções, que todos precisamos, de colaboração com Portugal”, disse Manuel Augusto, em entrevista à Lusa e à rádio francesa TF1, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana, que decorreu em Abidjan, na Costa do Marfim.

“Este já não é um caso individual de justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra”, vincou o diplomata.

Para o chefe da diplomacia angolana, as relações entre os dois países “são excelentes”, mas estas estão “ensombradas por um caso específico que releva da actuação da justiça portuguesa”.

Ontem o irritante era Portugal andar a querer mexer em coisas que só diziam respeito a Angola. Se os alegados crimes do Manuel Vicente foram cometidos em Angola, Portugal não tinha nada que se meter no assunto. O irritante existiu enquanto Portugal não entregou o caso a Angola.

Hoje o irritante é Portugal não se ter metido num assunto que diz respeito a Angola. Antes que o irritante dê demasiada coceira, há que vir dizer a Portugal que sim, TEM que se meter nos alegados crimes que a Isabel dos Santos cometeu em Angola.

Mas atenção! Só esses. Porque os outros são os amigos. Nada de confusões!

“Angola respeita a separação de poderes, mas a única que queremos é que o poder judicial português deve ter em conta os interesses de Portugal e de Angola”, disse o ministro

“A razão de Estado aplica-se aqui; enquanto o poder judicial português entender que as relações entre dois Estados são menos importantes do que o cumprimento deste processo na direcção em que estão a levar, nós aguardaremos”, alertou.

Questionado sobre se a razão de Estado deve sobrepor-se ao poder judicial, Manuel Angola disse que “a justiça não se deve pôr nem por cima nem por baixo” e lembrou que existe um acordo judiciário entre os dois países, que permite a transferência de processos em caso de necessidade.

“O que se passa é que houve essa diligência em Portugal e o Ministério Público não é favorável, ou recusa-se a fazer, na argumentação de que não confia na justiça angolana, que terá havido uma amnistia e que o processo podia enquadrar-se nessa amnistia”, lamentou o diplomata.

Só que, apontou, “aqui já há um juízo de valor sobre a justiça angolana, porque se não confiavam, não deviam ter assinado o acordo judiciário”, argumentou Manuel Augusto.

Lembrando o caso do empresário e antigo presidente do Sporting, Jorge Gonçalves, o ministro disse que “Portugal recorreu a este acordo para pedir a colaboração nesse caso”.

“Ora, na análise temos de concluir que o caso de Manuel Vicente está politizado, porque nem pelo valor material, nem pelas consequências da sua acção justifica todo este estardalhaço”, disse. “Se é um problema político, então vamos tratá-lo politicamente”, concluiu.

A 19 de Maio de 2017 ficou a saber-se que o Ministério Público de Portugal enviou para o Tribunal de Instrução Criminal o caso “Operação Fizz”, em que o ex-vice-Presidente da República de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, era suspeito de ter corrompido Orlando Figueira quando este era procurador no DCIAP, departamento do MP que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.

Em causa estavam alegados pagamentos de Manuel Vicente, no valor de 760 mil euros, ao então magistrado para obter decisões favoráveis em dois inquéritos que tramitaram no DCIAP.

Manuel Vicente estava acusado de corrupção activa na forma agravada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.

A decisão do Departamento Central de Instrução Criminal (DCIAP) de enviar os autos para instrução (fase processual seguinte à acusação) surgiu numa altura em que, após um pedido do MP português para notificar Manuel Vicente, o Procurador-Geral de Angola decidiu pedir um parecer ao Tribunal Constitucional angolano sobre o assunto, o que atrasou a diligência.

Façam a vontade ao MPLA, arquivem o processo

Alegações de má conduta financeira fizeram manchetes no jornal português “Expresso”, em Junho de 2014, e acusavam Álvaro Sobrinho de uso indevido de fundos enquanto CEO do Banco Espírito Santo Angola (BESA), subsidiária falida do grupo português Banco Espírito Santo.

Contudo esta não era a primeira vez que Álvaro Sobrinho era ilibado de quaisquer acusações e também o Expresso já tinha trazido ao de cima, anteriormente, alegações contra o então Chefe Executivo do BESA, acusações essas retiradas por um tribunal em 2012.

Em Dezembro de 2014, Álvaro Sobrinho fez as seguintes declarações, durante uma investigação: “O Expresso alega que 5,7 mil milhões de dólares ‘desapareceram’ do BESA, o que é equivalente a 95% do total de portfólio do crédito. Isso é absurdo. Além disso, eles alegam que mais de 500 milhões de dólares foram levantados do BESA. Nem sequer os bancos americanos têm essa quantia de dinheiro disponível. É uma assumpção ridícula”.

As autoridades portuguesas rejeitaram instaurar qualquer acusação formal, devido à falta de provas contra Álvaro Sobrinho.

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal português (DCIAP) arquivou em Novembro de 2013 o inquérito ao vice-presidente de Angola, Manuel Domingos Vicente, e ao general Francisco Higino Lopes Carneiro, e à empresa Portmil – Investimentos e Telecomunicações. O inquérito surgiu após uma queixa sobre factos susceptíveis de serem crimes de associação criminosa e branqueamento de capitais, alegadamente praticados em Portugal, precedidos de “corrupção, burla e fraude fiscal alegadamente praticados em Angola”. Em causa estavam operações bancárias efectuadas em 2009 e 2010, num montante de cerca de 294 milhões de euros.

E, de facto – não de jure -, as razões de Estado são uma espécie de albergue onde cabe tudo o que interessa a Portugal, nem que isso seja um atropelo às regras de um Estado de Direito. Ou seja, permite que se lavre a sentença antes da averiguação dos factos. Primeiro arquiva-se e depois articula-se juridicamente os argumentos que sustentem esse mesmo arquivamento. Simples.

Num Estado de Direito uma das regras fundamentais é dar à política o que é política e aos tribunais o que é dos tribunais. Em Portugal nada disso é assim. A promiscuidade é tal que, cada vez mais, os tribunais fazem política e a política investiga e dá sentenças.

A favor do julgamento de Manuel Vicente

Entretanto, relembre-se, decorreu uma petição pública que consubstanciava uma campanha mundial a favor do julgamento de Manuel Vicente, procurando que as autoridades portuguesas – segundo o texto da petição – “não sucumbam à pressão da tirania angolana”.

Numa clara alusão de que pretende continuar no mesmo caminho antidemocrático do seu antecessor, demonstrando incapacidade de entender a separação de poderes da democracia, o actual Presidente da República de Angola, João Lourenço, aumentou os decibéis da pressão politica sobre as autoridades de Portugal, para que não fosse realizado o julgamento de Manuel Vicente.

“A sociedade civil repudia esta atitude retrógrada de João Lourenço, e encoraja as autoridades judiciais portuguesas para que prossigam o curso normal do processo. Não descuramos o direito de ampla e extensa defesa para o acusado, condição indispensável para um julgamento justo”, lê-se na petição.

De facto, se Manuel Vicente não cometeu os crimes de que vem sendo acusado — corrupção e falsificação de documentos — pode e deve estar tranquilo e deve defender-se nos locais próprios, os tribunais.

“Reafirmamos o nosso apoio ao trabalho da justiça portuguesa porque é nossa convicção profunda de que, o avanço civilizacional de Portugal contribuirá para que Angola um dia seja uma democracia, e abraçará os valores universais dos direitos humanos e da separação de poderes”, diziam os mentores da petição.

E acrescentavam: “Se Portugal arquivar este processo, será uma vergonha para o povo luso. E se traduzirá em deboche diante dos parceiros europeus e do mundo livre e civilizado no sentido cosmopolita. Esperamos que haja consciência colectiva em Portugal de que Angola é um perigo real e factível à vossa democracia”.

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