Zahabia Gupta, analista da Standard & Poor’s, agência que manteve o rating de Angola em CCC+ (terceiro nível mais baixo da escala de avaliação), disse à Lusa que a previsão de crescimento de 3% da economia angolana para 2021 assenta em preços mais elevados do petróleo e mais investimento. Como há avaliações para todos os gostos…
“A nossa previsão de crescimento de 3% para 2021 leva em conta os efeitos de uma contração de 5,5% que antevemos para este ano”, respondeu Zahabia Gupta, quando questionado sobre o facto de a previsão de aceleração do Produto Interno Bruto (PIB) de Angola em 2021 estar acima da maioria das previsões, explicando que espera “uma recuperação económica no próximo ano que esteja sustentada na produção de petróleo, ligeiramente mais elevada que em 2020, e uma recuperação gradual do investimento e da procura interna”.
Claramente, Zahabia Gupta leu as previsões (propaganda) dos peritos dos peritos económicos do Governo que, como sempre, dizem aquilo que o Titular do Poder Executivo quer ouvir e, por isso, podem garantir – por exemplo – que muitos dos nossos 20 milhões de pobres enquanto não morrerem… estarão vivos.
No princípio do mês, a S&P decidiu manter o rating de Angola em CCC+, o terceiro nível mais baixo da escala de avaliação, com Perspectiva de Evolução Estável, argumentando com a rápida descida dos preços do petróleo, a depreciação do kwanza e o impacto económico da pandemia de Covid-19, que acentua os défices orçamental e externo e aumenta a pressão sobre o financiamento.
“O efeito combinado dos preços baixos do petróleo, os cortes na produção petrolífera, a forte depreciação da moeda nacional e a Covid-19 estão a intensificar a pressão na capacidade de pagar a dívida, nas reservas externas e no peso da dívida de Angola”, indicou o analista, ressalvando que a reestruturação da dívida pode dar espaço de manobra ao Governo.
“A reestruturação da dívida à China e a outros parceiros bilaterais através da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) vai incluir a extensão dos juros e do valor total e, quando concluída, pode reduzir os requisitos de serviço da dívida em cerca de 7 mil milhões de dólares [5,9 mil milhões de euros] nos próximos três anos, segundo as estimativas do Governo”, segundo Zahabia Gupta.
Segundo as contas da S&P, Angola deve cerca de 21 mil milhões de dólares [17,7 mil milhões de euros] à China, pelo que uma reestruturação desta dívida seria uma ajuda significativa face aos quase 20 mil milhões de dólares [16,8 mil milhões de euros] de pagamentos de dívida que o país tem de fazer entre 2020 e 2022.
Para além da China, Angola procura também aumentar o valor da ajuda financeira dada pelo Fundo Monetário Internacional, acrescentando 730 milhões de dólares [616 milhões de euros] aos 3,7 mil milhões de dólares [3,1 mil milhões de euros] já acordados no final de 2018.
“As autoridades angolanas esperam receber 1,4 mil milhões de dólares [1,1 mil milhões de euros] do FMI este ano, juntamente com mais 700 milhões de dólares [591 milhões de euros] do Banco Mundial e 160 milhões de dólares [135 milhões de euros] do Banco Africano de Desenvolvimento, e a somar a isto tencionam também recorrer ao Fundo Soberano para levantar 1,5 mil milhões de dólares [1,2 mil milhões de euros]”, segundo o analista.
As necessidades de financiamento só em juros relativamente aos Eurobonds, as emissões de dívida pública em moeda estrangeira, estão estimadas em 700 milhões de dólares [591 milhões de euros] anualmente, “mas os outros pagamentos sobre os empréstimos chineses e outros são significativas, representando em média 3,5 mil milhões de dólares [2,9 mil milhões de euros] entre 2020 e 2023 e quase duplicando para 6,2 mil milhões de dólares [5,2 mil milhões de euros] em 2023”, acrescentou.
Neste contexto, a S&P coloca o rácio da dívida pública face ao Produto Interno Bruto em 143% este ano, descendo até aos 106% em 2023, ano em que a economia de Angola deverá crescer 2,8%, depois de taxas de crescimento de 3% em 2021 e 2% em 2022.
Não pagar o fiado é a grande estratégia
Angola poderá deixar de pagar 2,6 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) em pagamentos de dívida só este ano, o que corresponde a 3,1% do PIB do ano passado. A Fitch Ratings considera, aliás, que Angola será o país mais beneficiado com uma possível extensão da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) do G20, podendo “poupar” 4,3% do PIB só este ano.
De acordo com os dados dos pagamentos devidos, publicados pelo Banco Mundial, só cinco dos 22 países que a Fitch avalia e que são elegíveis para participar na DSSI, veriam os requisitos de financiamento para este ano reduzidos em mais de 1%, sendo o benefício para Angola, com 4,3%, o mais elevado, de longe.
A Fitch Ratings diz que destes países (Angola, Moçambique, República do Congo e Laos), apenas o Laos não se candidatou à iniciativa organizada em Abril e que pretende suspender os pagamentos de dívida oficial bilateral até final deste ano, e que em Novembro poderá ser prolongado para final de 2021 devido aos efeitos da pandemia nas economias mais fragilizadas.
Angola poderá deixar de pagar 2,6 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) em pagamentos de dívida só este ano, o que corresponde a 3,1% do PIB do ano passado.
“Uma extensão da DSSI do G20 para os países dos mercados emergentes é provável, possivelmente na reunião de Novembro, o que amplificaria os benefícios desta iniciativa”, escrevem os analistas da Fitch Ratings, detida pelos mesmos donos da consultora Fitch Solutions.
Até agora, foram mais de 40 os países, incluindo os lusófonos Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola, que pediram para participar nesta iniciativa, que não abarca a dívida a credores privados, que teria de ser tratada separadamente.
“O G20 encorajou os investidores do sector privado para darem alívio de dívida em linhas similares às do alívio providenciado ao abrigo da DSSI, mas isto não é um requisito para a participação”, nota a Fitch, acrescentando que “até agora nenhum dos países que participam na DSSI disse publicamente que iria tentar ter um tratamento similar dos credores privados, o que reflecte, em parte, as preocupações sobre o acesso aos mercados financeiros”.
À excepção da Moody’s, as outras duas principais agências de notação financeira consideram que a participação na iniciativa não implica necessariamente uma descida do rating, mas a Moody’s argumenta que a participação implica um enfraquecimento da posição financeira e, por conseguinte, uma descida no rating.
“A DSSI foca-se apenas na dívida aos credores oficiais, que não é coberta pela definição de default (incumprimento) da Fitch”, salientam os analistas.
Recorde-se que a consultora EXX Africa considera que Angola tem um risco “cada vez maior” de entrar em Incumprimento Financeiro (‘default’), mesmo depois de receber a terceira tranche do programa de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional.
“Angola enfrenta um risco cada vez maior de entrar em incumprimento financeiro devido aos elevados pagamentos de dívida e forte dependência das receitas petrolíferas, mesmo depois de receber a terceira tranche do programa de assistência financeira do FMI”, no valor global de 3,7 mil milhões de dólares (3,4 mil milhões de euros), diz a EXX Africa numa análise à economia de Angola.
No documento, os analistas liderados por Robert Besseling escrevem que “o custo de servir a dívida deverá aumentar, apesar de já representar 56,8% do orçamento, e a dívida pública deverá ter ficado nos 111% do PIB no final do ano passado, parcialmente devido à depreciação da moeda”.
O problema, sublinham os analistas, “é que os indicadores da dívida vão continuar elevados num contexto em que os preços do petróleo vão continuar em níveis mínimos”.
Assim, alertam, “Angola pode juntar-se à onda de Incumprimentos Financeiros soberanos este ano a não ser que os empréstimos sejam reestruturados ou ‘perdoados’”.
O custo de transaccionar a dívida de Angola com maturidade a Novembro de 2025 subiu para quase 30% no final de Março, quando no princípio deste mês estava nos 7%, lembra a EXX Africa, e durante Abril tem estado sempre acima dos 20%, de acordo com os valores apresentados pela agência de informação financeira Bloomberg.
No documento, os analistas deixam, ainda assim, uma nota de optimismo devido ao ímpeto reformista mostrado pelo actual Governo que, contudo, está cada vez mais próximo de ser um tiro de pólvora seca: “Há algum potencial para as reformas económicas, que são desesperadamente necessárias serem aplicadas, em resposta à crise económica, apesar de algumas das alterações exigidas pelo FMI, como mais cortes na despesa, estarem agora suspensas devido à pandemia”.
No entanto, concluem, o FMI “vai insistir que as privatizações e as reformas favoráveis ao investimento continuem, pelo que a venda de activos da Sonangol será fundamental, porque qualquer sinal de que o Governo quer inverter as reformas ou alinha com a elite para beneficiar os mais influentes vai anular boa parte dos ganhos económicos do programa” do Fundo.
Folha 8 com Lusa