O jornalista angolano William Tonet critica estratégia do Presidente João Lourenço de repatriamento coercivo de capitais. O Director do Folha 8 diz também que Isabel dos Santos só devia prestar contas à justiça angolana.
Por João Carlos
Deutsche Welle
A forma como o Presidente angolano João Lourenço lançou o desafio de combate ao cancro da corrupção deu alguma esperança aos angolanos. Mas hoje, na opinião de William Tonet, esse combate “é um engodo, não deu nada. O país parou, está no fundo aliado a uma forte crise mundial.”
O jornalista angolano é crítico à governação do Presidente João Lourenço, tal como foi em relação ao regime do seu antecessor, José Eduardo dos Santos. Afirma que a adopção de medidas coercivas para a recuperação de activos angolanos ilícitos no exterior foi um erro estratégico.
“Se o Presidente tivesse a humildade de ouvir, de perguntar o que é que se passa no mundo, como é que o mundo está, se a retoma da economia mundial vai ser possível durante o seu mandato, o que é que devemos fazer, ele teria agido de forma diferente. Ele cometeu erros que são insanáveis. A ideia de punibilidade quase inquisitória não dá resultados quando os autores fazem parte do mesmo covil”, critica.
O director do Jornal Folha 8 considera que, além de um prazo, era preciso condenar quem beneficiou do erário público a trabalhar cinco vezes mais em prol do desenvolvimento nacional. O jornalista não acredita que Angola consiga recuperar o total dos referidos activos. Defende que, na sua estratégia de reformas, João Lourenço devia rodear-se das melhores inteligências e fazer um pacto de regime.
Tonet entende que o exemplo de transparência na gestão do bem público deveria começar no seio do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder, por ser uma formação transversal em todas estruturas do Estado.
“Até porque o partido que tem mais corruptos por metro quadrado no mundo deve ser o MPLA. Quem conhece como se rouba é capaz de tapar todos os canais do roubo, é quase uma heresia a consciência intelectual dos demais”, sublinha. Este cenário, acrescenta o jornalista, cria uma imagem de descrédito e não é favorável à atracção de investimento estrangeiro.
Embora seja prematuro fazer uma avaliação completa e concreta da governação de João Lourenço, Zeferino Boal, militante do MPLA em Portugal, aplaude as reformas lançadas pelo Presidente angolano, de uma clara rotura com o passado. “Não é fácil que alguém que, mesmo que queira assumir uma rotura com o passado recente cujo sistema do qual fez parte, como ele próprio diz, tenha à sua volta muitos tentáculos de resistência ou de resiliência”, alega.
O dirigente associativo angolano concorda ser imperioso o combate à corrupção. No entanto, corrobora com o princípio de que este não pode ser o primeiro objectivo da governação. Por outro lado, Boal avalia o facto do combate à corrupção não ter começado primeiro no seio do próprio MPLA: “Eu percebo o ponto de vista da acção de João Lourenço. Se a sua teia de interesses que o elegeu estava dentro do partido, ele foi buscar a força do povo para modificar. Portanto, ele tem procurado que seja o povo a forçar a mudança, não só do MPLA.”
De certo modo, sem questionar o método coercivo usado pelo Executivo de João Lourenço, Zeferino Boal está optimista quanto a recuperação de grande parte do dinheiro do Estado angolano depositado no estrangeiro: “Acredito que sim, mas as coisas vão demorar ainda muito tempo. Vai demorar provavelmente muito tempo a recuperar pelo menos grande parte. Até porque muito da jurisprudência de Angola, para não dizer toda, assenta nos maus princípios e conduta que também os portugueses têm.”
O militante do MPLA tem confiança no actual procurador-geral da República de Angola, Hélder Pitta Grós, e, por considerar que “ninguém é intocável”, aplaude a justiça angolana, que fez bem começar por atacar figuras de topo como Isabel dos Santos, denunciada no âmbito da operação “Luanda Leaks”.
“Se se começasse por pessoas menos sonantes o povo não iria aceitar. O combate à corrupção tinha que começar por muitos dos nomes sonantes como prova para muitos perceberem e acreditarem que país tem de ser outro, a nação tem que mudar. Tinha que ser feito dessa maneira. Não se podia começar por pequenos crimes e deixar durante muito tempo estas pessoas sem serem incomodadas”, argumenta.
A propósito da colaboração entre a justiça angolana e portuguesa, que investiga crimes de branqueamento de capitais e de corrupção envolvendo figuras da elite angolana, William Tonet considera que o combate à corrupção não deve circunscrever-se a Isabel dos Santos, Augusto Tomás ou a Manuel Vicente, ex-vice presidente de Angola, que goza de imunidade parlamentar.
“O problema não é de Manuel Vicente. O problema é a estrutura que foi colocada em Angola [por José Eduardo dos Santos]. O problema de Angola em relação à corrupção só vai acabar quando o Presidente de Angola não for do MPLA. A corrupção, José Eduardo praticou, João Lourenço há de praticar por serem presidentes do MPLA”, diz.
Para o jornalista, é uma estupidez atacar a empresária angolana e justifica: “Quem é que ganha com isso é só Portugal. E é uma atitude antipatriótica de Angola. Ora, não pode uma Procuradoria vir atacar uma sua cidadã no exterior. Ela tem problemas é com Angola. Quando você vem atacar investimentos em Portugal, para além de ser um pouco imiscuição, você sabe que de Portugal ainda pende o pedido de repatriamento há mais de 35 anos das riquezas de Mobutu aqui depositadas. E não foram”, critica Tonet.
Tonet não acredita que Portugal ponha em causa os postos de trabalho e empresas como a Efacec e o banco EuroBic, onde Isabel dos Santos tinha activos. O jornalista aponta um erro que considera crasso dos corruptos africanos que, desde 1950 até então, não criaram nenhum banco da corrupção em África, para que o dinheiro que roubassem nos respectivos países ficassem depositados no continente e escrutinados sob os seus olhares.
“Eles roubam em África e vêm alojar esse dinheiro na Europa. E este dinheiro quando vem à Europa todo o europeu sabe que é dinheiro ganho ilicitamente. Mas alojam e dão a maior cobertura possível”, lembra.
William Tonet diz que Angola tem que se reencontrar; a estratégia de desenvolvimento social e económico tem que mudar. Insiste que João Lourenço ainda “tem tudo nas suas mãos” para corrigir os erros cometidos, “se abandonar a raiva e o ódio, se puser o país acima de todos os seus interesses ele ainda vai e pode sair com um capital.”
Zeferino Boal lembra que as mudanças não se fazem num único mandado e afirma que, apesar da crise económica, João Lourenço tem outros problemas maiores e prementes a enfrentar: “Tem de haver políticas para as questões sociais, para a questão da educação, para a questão da saúde, porque o combate à corrupção é importante mas não pode ser o principal objectivo do Estado. Neste momento urge tomar medidas e quero acreditar que ele possa continuar mais um mandato para que não haja uma alteração substancial desta linha [por ele] seguida.”