“Censura clara e explícita”

Luísa Rogério, na sua qualidade de presidente da Comissão da Carteira e Ética, órgão fiscalizador da actividade jornalística em Angola, lamenta o recuo da liberdade de imprensa no país, considerando ter havido “censura” no caso do jornalista Carlos Rosado de Carvalho. Censura que, segundo o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social angolano, Manuel Homem, “não existe”.

Em declarações à agência Lusa, Luísa Rogério, também membro da Comissão Executiva da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), afirmou que “não se respira a liberdade de imprensa” que existiu entre 2017 e 2019 e salientou que um dos seus pilares — a pluralidade — está ameaçado com a passagem do controlo (através do confisco) de órgãos privados para a esfera do Estado (leia-se, do MPLA).

São os casos das estações TV Zimbo e da Palanca TV onde o jornalista e economista Carlos Rosado de Carvalho viu recentemente travada a sua participação, numa rubrica semanal onde abordava assuntos de economia e actualidade e num debate sobre o ambiente de negócios em Angola, respectivamente.

“Foi censura clara e explícita”, destacou Luísa Rogério, afirmando que o comunicado da TV Zimbo sobre a decisão de impedir que Carlos Rosado de Carvalho abordasse na estação televisiva as alegações relativas ao chefe de gabinete do presidente João Lourenço, Edeltrudes Costa, veio “reforçar” a ideia.

“Sabemos que a Palanca TV e a Zimbo estão sob tutela de órgãos de gestão nomeados pelo executivo. O facto é que o Carlos Rosado foi barrado. Não havendo outra explicação melhor diria que isto é censura”, enfatizou a jornalista, acrescentando que não só organizações que representam os profissionais de comunicação social, mas também a Ordem dos Advogados, repudiaram a situação.

“Não tenho evidências [que tenha havido ordens superiores ou autocensura] mas é muita coincidência. Não havendo indícios do contrário estamos perante uma prática de censura”, disse, exortando os canais a voltarem a convidar o economista, “se não há censura”.

A responsável da Comissão da Carteira sublinhou que o Estado angolano (leia-se MPLA) devia arranjar mecanismos para assegurar o funcionamento dos meios privados e afirmou que a liberdade de imprensa “diminuiu substancialmente desde o ano passado”, altura em que existia maior participação de diferentes intervenientes no espaço público.

Um dos exemplos, é o facto de a televisão pública angolana (TPA) nunca ter entrevistado o líder do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista, UNITA, Adalberto da Costa Júnior, eleito em Novembro do ano passado.

Com eleições gerais marcadas para quando o MPLA quiser, em princípio poderão, talvez, ser em 2022, Luísa Rogério salientou que “o maior receio” é que os meios privados entregues ao Estado em Julho e Agosto não sejam entretanto reprivatizados.

“A privatização deveria acontecer até 2022, o meu maior receio é que isso só aconteça depois das eleições e/ou se feche algum dos órgãos como a TV Zimbo, isso seria complicado”, prosseguiu.

Manifestando “tristeza” ao constatar o “retrocesso”, a jornalista questionou também o facto de os titulares de cargos públicos ligados ao actual governo “não serem sujeitos ao mesmo tratamento” que tem sido dado a figuras ligadas ao anterior regime, liderado por José Eduardo dos Santos, “que delapidaram o erário público”.

Por sua vez, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social disse “não existir” qualquer censura nos órgãos públicos e privados confiscados pelo Estado, afirmando tratar-se de “factos que visam prejudicar as reformas” do sector.

“Eu não sei do que é que estamos a falar, nós ainda não assistimos nada relacionado com censura nos órgãos públicos ou privados, portanto esta é uma matéria que tem sido desenvolvida de forma intencional para prejudicar todo um trabalho que o executivo tem estado a fazer de reforma na comunicação social”, afirmou Manuel Homem.

Sem especificar quem, de “forma intencional”, tenta manchar as acções em curso no sector que dirige, o ministro referiu apenas que o assunto vem da “parte de quem tem estado a criar esses factos” que o Governo entende “que não existem”.

Na quarta-feira, o jornalista Carlos Rosado de Carvalho anunciou, através das suas redes sociais, ter sido barrado novamente numa estação de televisão angolana, desta vez na Palanca TV, cinco dias depois de ter sido impedido de abordar o caso Edeltrudes Costa na TV Zimbo.

A Palanca TV era um órgão privado ligado ao antigo ministro da Comunicação Social do ex-presidente José Eduardo dos Santos que ficou sob controlo do Estado angolano.

Carlos Rosado de Carvalho acusou recentemente a TV Zimbo, outro órgão privado que passou para o Estado (leia-se, obviamente, MPLA), de censurar a sua participação na rubrica Directo ao Ponto onde pretendia abordar, no sábado passado, as alegações relacionadas com o chefe de gabinete do presidente João Lourenço que terá sido favorecido, segundo uma reportagem da televisão portuguesa TVI (que repescou um assunto já há muito divulgado por outros órgãos), em contratos com o estado angolano, tendo transferido milhões de dólares de uma empresa sua para o estrangeiro, que serviram para comprar casas e outros bens de luxo.

A TV Zimbo, a Rádio Mais e o jornal O País, todas do grupo Media Nova, foram confiscados pelo Estado/MPLA no final de Julho, no âmbito do processo de recuperação de activos criados com fundos públicos, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Os órgãos de comunicação social eram detidos por três homens fortes do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, hoje a braços com a justiça: os generais Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, ex-chefe do Serviço de Comunicações, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, antigo chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos e o seu ex-vice-presidente, Manuel Vicente. O Serviço Nacional de Recuperação de Activos entregou depois as empresas ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social que nomeou uma comissão de gestão para a TV Zimbo.

A Palanca TV, órgão integrante do grupo Interative – Empreendimentos Multimédia, que incluía ainda a Rádio Global e Agência de Produção de Programas de Áudio e Visual passou para as mãos do Estado a 28 de Agosto, no âmbito do processo de recuperação de activos constituídos com fundos públicos.

E se o Governo/MPLA diz que não existe censura, é porque não existe. Se diz que Agostinho Neto é o único herói nacional, é porque é. Se diz que os massacres de 27 de Maio de 1977 foram apenas um incidente, é porque foram. Se diz que Jonas Savimbi foi um terrorista, é porque foi. Se diz que José Eduardo dos Santos é um marimbondo que deixou os cofres de Angola vazios, é porque é verdade. Se diz que em Angola não há fome, é porque não há.

Censura? Não. Ditadura? Não. Fim da liberdade de expressão? Não. Então? Então é o reino do MPLA no seu melhor. Há 45 anos que o partido de João Lourenço garante que todos têm liberdade de expressão, desde que seja para estarem de acordo com as suas ordens. Há 45 anos que só censura os que não estão de acordo. Há 45 anos que, como qualquer sólida ditadura, implantou no reino a sua regra de ouro: “O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”.

Folha 8 com Lusa

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