Após um encontro com o ministro do sector, gestores de órgãos de comunicação social privados angolanos referiram hoje que só um urgente apoio institucional pode “travar despedimentos e encerramento de empresas”. A estratégia de os jornalistas pedirem ajuda ao leão para derrotar o mabeco é um suicídio. O mabeco vai morrer e os jornalistas vão ser… comidos.
“A cho que é um princípio e estamos expectantes de resultados, no fundo o apoio (financeiro) que solicitamos é no cumprimento da Lei de Imprensa, foi dentro desse espírito”, afirmou hoje à Lusa a directora da rádio Luanda Antena Comercial (LAC), Maria Luísa Fançony, no final de encontro.
Segundo a mesma fonte, o encontro com o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, “foi importante e necessário”.
O ministro angolano, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) e os gestores dos órgãos privados abordaram hoje as dificuldades de tesouraria do sector.
Manutenção dos empregos e do funcionamento dos órgãos privados, com dificuldades para pagar salários, sobretudo nos últimos meses, devido à queda do pacote publicitário por conta da pandemia, são as principais preocupações dos jornalistas.
A directora da LAC realçou que saiu do encontro “crente em dias melhores” para o sector, porque, frisou, “realmente a situação não é nada boa e se não houver esse apoio institucional, haverá despedimentos”.
“E eventualmente algum órgão poderá fechar e isso não é bom para a nossa democracia”, notou.
Por seu lado, o presidente do Conselho de Administração da televisão angolana TVZimbo, Guilherme Galiano, também aplaudiu o encontro, referindo que apesar do período difícil, os gestores do sector também querem fazer “parte integrante na ajuda à resolução dos problemas”.
“Estamos a bater-nos por isso, todos nós queremos dias melhores, não só para a comunicação, mas para a nossa terra”, disse.
Os jornalistas manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, com “dificuldades para pagar salários”, será ultrapassada, após reunião com o ministro da Comunicação Social sob indicação do Presidente João Lourenço, sem as ordens do qual nada se faz.
“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, acrescentando que o actual cenário da imprensa privada “é crítico e emergencial”.
A necessidade da manutenção dos empregos e o funcionamento das empresas “fundamentalmente que os trabalhadores das empresas de comunicação social sejam capazes de sustentar as suas famílias” foram os pontos que nortearam o encontro.
O encontro, que decorreu na sede do MTTICS, em Luanda, surgiu na sequência de uma carta que um grupo de directores dos órgãos privados de comunicação e o SJA endereçou ao Presidente da República solicitando a sua intervenção para “acudir dificuldades financeiras do sector”.
“A situação já era de facto crítica, mas com a pandemia a situação agudizou-se, a única fonte de receitas dos órgãos de comunicação social, fundamentalmente privados, é a publicidade e não havendo publicidade as empresas não têm como sobreviver”, notou.
Esta “situação preocupante” dos órgãos privados, assinalou, “motivou-nos a lançar um grito de socorro ao Presidente da República e este orientou o senhor ministro das Telecomunicações, Tecnologia de Informação e Comunicação Social a trabalhar connosco”.
Teixeira Cândido observou que apesar da ausência de um horizonte temporal, a situação dos órgãos “é emergencial”, augurando que “as soluções surjam quanto antes porque a situação é crítica”.
“Sim, é emergencial, porque as empresas não têm capacidade, há empresas com atrasos salariais, o próprio grupo Média Nova tem empresas que não pagam salários, quase que não foram capazes de pagar o salário de Março”, realçou.
De acordo ainda com o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas há empresas inclusive que “não sabem como vão pagar os salários de Abril. Portanto a situação é crítica”, rematou.
Anteriormente à Lusa, o SJA e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA, na sigla inglesa) já haviam manifestado o “quadro sombrio” do sector privado da comunicação social angolana apontando a “redução da publicidade para mais da metade” como dos principais factores.
Memória (também) sem publicidade
A Proposta de Lei Geral da Publicidade, aprovada a 17 de Janeiro de 2017, proibia a publicidade que atente contra a Constituição de República de Angola ou a dignidade da pessoa humana. É claro que tal proibição não se aplicava a quem mais atentou contra a Constituição, José Eduardo dos Santos, nem a quem mais – hoje – atenta contra ela, João Lourenço.
O texto, que comporta seis capítulos e 48 artigos, previa uma série de deveres e proibições, com realce para a publicidade que estimule a violência ou a qualquer actividade ilegal ou criminosa, ou ainda instigue acções atentatórias à estabilidade e independência do Estado, segurança nacional e a ordem pública.
É um texto que, mais uma vez, foi beber toda a sua inspiração em duas das mais avançadas democracias do mundo com as quais, aliás, o regime (e, pela passividade, também a oposição) mantém uma relação de estreita amizade: Coreia do Norte e Guiné Equatorial.
O diploma considera a publicidade como mensagens ou comunicação produzidas e difundidas no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal, liberal ou similar (ou seja, tudo o que o regime quiser) e impede a veiculação de propaganda que associe bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais e dos partidos políticos.
Pondera a lei que a propaganda política é a difusão de qualquer mensagem que vise promover ideias ou princípios político-partidários destinados, de forma explícita e inequívoca, à obtenção de votos ou captação de novos membros para as entidades eminentes, nomeadamente partidos políticos e associações similares.
Por outro lado, considera publicidade do Estado (logo isenta deste âmbito sancionatório) ou institucional qualquer forma de comunicação feita por órgãos de soberania, organismos e serviços da administração central e local do Estado, institutos e fundos públicos, visando a promoção de serviços, utilidades ou iniciativas daquelas entidades.
De acordo com o diploma, a publicidade sujeita-se à livre concorrência, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, as normas correspondentes do direito comercial, e deve respeitar, na sua concepção e difusão, os valores morais, culturais, éticos, sociais e ambientais.
Deve, digamos, respeitar as “ordens superiores” que estabelecem o que são “os valores morais, culturais, éticos, sociais e ambientais”. Um exemplo: dizer que o “MPLA é Angola e Angola é o MPLA” é um acto que respeita esse diapasão moral e ético da lei. Já afirmar que a “UNITA é Angola e Angola é a UNITA” viola, para além de ser um plágio, todas “os valores morais, culturais, éticos, sociais e ambientais”.
Acresce que tudo quanto a oposição (lato sensu) faça é sempre um plágio. Desde logo porque tudo o que se inventou, descobriu, criou, etc. etc. em Angola (pelo menos desde que Diogo Cão por cá andou) foi obra do MPLA, mesmo que não tenha registado a respectiva patente.
O Executivo, proponente (leia-se mandante) desta Proposta de Lei, sugeria obrigações e proibições, cujo incumprimento é punível com multas que vão de 200.000 Kwanzas a 2.5000.000 Kwanzas. Poderia ir bem mais longe. Desde logo porque, de acordo com a interpretação que o Governo espera que os poderes instituídos imponham, os prevaricadores serão sempre as pessoas, instituições ou entidades que o regime considera dispensáveis na sua democracia de partido único.
Deste modo, o Titular do Poder Executivo indicou que o valor das multas aplicadas nos termos da Lei de implosão dos dissidentes reverte em 40% para a Conta Única do Tesouro, 35% para as instituições de formação dos jornalistas sob tutela da educação patriótica do departamento ministerial responsável pela Comunicação Social, e 25% para suportar os encargos administrativos com a instrução dos processos.
O texto, que fora aprovado por consenso na generalidade, durante a 2ª Reunião Plenária Ordinária da 5ª Sessão Legislativa da III Legislatura, realizada a 13 de Dezembro de 2016, foi anuído, na especialidade, por 35 votos a favor, nenhum contra e sete abstenções.
É caso para dizer, como Martin Luther King, que “o que mais nos preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem moral. O que mais nos preocupa é o silêncio dos bons”. Isto, é claro, se existirem bons…
Por fim, cá para nós, pode crer senhor Presidente João Lourenço, advogamos desde 1995 a tese de Thomas Jefferson: “Se me coubesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda opção”.