Condomínios nos musseques?

O porta-voz da Polícia Nacional, Valdemar José, avisa que os cidadãos que não se apresentaram voluntariamente para fazer os testes à Covid-19, em particular os “que se escondem” em condomínios de Luanda, vão ser “recolhidos coercivamente” nas próximas horas. Há condomínios nos musseques?

“O s indivíduos que tiveram contactos com suspeitos contaminados ou casos activos, por favor ajudem a denunciá-los”, apelou o subcomissário Valdemar José, no balanço sobre a situação epidemiológica do novo coronavírus no país.

Nesta situação estão alguns residentes de condomínios de Luanda, “devidamente identificados”, que se “escondem” com a conivência dos familiares, disse o porta-voz da Polícia, pedindo que se apresentem às autoridades sanitárias, sublinhando que estão até a condicionar a livre circulação nesses locais.

“Nas próximas 48 horas, se esses cidadãos continuarem a manifestar resistência a fazer um teste voluntário, nós vamos recolhê-los coercivamente”, avisou Valdemar José, sublinhando que se trata de “um grupo muito limitado” que coloca em risco a vida da colectividade. O representante do Ministério do Interior (Minint) garantiu: “Isso não vai ser permitido”.

Valdemar José adiantou que não resta outra solução do que ser “mais energético” quando se verificam incumprimentos, lamentando a desobediências às regras do estado de emergência, nomeadamente o distanciamento social e limitações à circulação, sublinhando que o país ainda está a tempo de “evitar as mortes”.

O responsável do Minint apontou, como exemplo a não seguir, os muitos países europeus que ignoraram a doença e onde os cidadãos “não ficaram em casa”. E, acrescentamos nós, não existe no mundo quem melhores exemplos dá ao mundo do que nós, sobretudo os que mandam (por o terem comprado) no país. Por alguma razão vemos nas nossas ruas carros militares de combate, ao contrário do que acontece nesses atrasados países como Itália, Espanha ou… Portugal.

As autoridades angolanas continuaram a registar números elevados de desrespeito pelo estado de emergência, incluindo táxis colectivos com excesso de lotação ou preços especulativos, tentativas de ludibriar a Polícia para atravessar a cerca sanitária da província de Luanda, vendedores ambulantes a praticar a actividade em dias proibidos ou cidadãos que usam falsas credenciais para alegar necessidade laboral para a deslocação.

Nas últimas 24 horas foram detidos 107 cidadãos por desobediência, dos quais 53 por violação de fronteira e 54 por desacato à autoridade e 143 indivíduos que circulavam de forma injustificada, afirmou Valdemar José, salientando que as “medidas coercivas só serão aplicadas se o cidadão não der alternativa”.

Angola não registou casos positivos de infecção pelo novo coronavírus nas últimas 24 horas, mantendo os 27 já diagnosticados, indicou o secretário de Estado para a Saúde Pública, Franco Mufinda.

Foram processadas até agora 2.598 amostras, 27 positivas, 2.088 negativas e 483 em processamento e 719 pessoas encontram-se em quarentena institucional.

Hoje foram colhidas mais de 200 amostras de passageiros de voos de 17 de Março, que chegaram a Luanda provenientes de Lisboa, pouco antes de Angola fechar as fronteiras aéreas, sendo os resultados apresentados nos próximos dias, disse Franco Mufinda.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 217 mil mortos e infectou mais de 3,1 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Perto de 860 mil doentes foram considerados curados.

A lei da força é a única que conta

Em Outubro do ano passado, Valdemar José afirmou que os serviços de inteligência angolanas estavam atentos às manifestações previstas para esse mês e avisou para as consequências das mesmas, se a lei fosse violada. Qual lei? A do MPLA. E o que é que ela diz? Diz o que, a cada momento, der jeito ao… MPLA.

Ainda bem que avisa. Assim se comprova, mais uma vez, que segundo o MPLA a única forma de não violar a lei é não fazer manifestações. Mas, mesmo não as fazendo, podem estar a violar a lei porque, segundo a tese do partido que nos governa há 45 anos, não fazer manifestações pode ser entendido como uma forma de… manifestação.

O subcomissário da Polícia Nacional (do MPLA), que então falava no canal público do MPLA, a TPA, denunciou interesses “inconfessos” de criar instabilidade ao país e sublinhou que os angolanos têm o direito de se manifestar, mas devem cumprir a lei, depois dos apelos veiculados nos últimos dias pelas redes sociais, mobilizando a população angolana para ficar em casa. Ficar em casa… e ainda não havia Covid-19.

No entanto, os apelos ao protesto pacífico contra o governo de João Lourenço não tiveram efeitos visíveis em Luanda, segundo os relatos de alguns meios de comunicação social, a Lusa incluída. Esquecem-se que só o simples facto de o Presidente do MPLA (por sinal também Presidente da República e Titular do Poder Executivo) ter sido impelido a falar da manifestação comprovou que a mobilização, mesmo que só simbólica e académia, foi um êxito.

Primeiro, com um discurso duro do Presidente da República, na abertura do congresso da JMPLA (órgão juvenil do MPLA), com João Lourenço, a acusar supostos militantes do seu partido (que, como convém, não identifica), o MPLA, de usarem dinheiros públicos desviados para pagar uma campanha contra Angola. Desviados, provavelmente, também quando João Lourenço era vice-presidente do MPLA e até ministro de José Eduardo dos Santos.

Depois, num programa informativo especial na televisão estatal (ou seja, do MPLA), a TPA, sobre o tema “Liberdade de manifestação vs. Estabilidade Social onde os quatro participantes (um representante do Ministério do Interior, um pastor, em empreendedor e um sociólogo) apresentaram – sem contraditório como é regra em qualquer ditadura que se preze – as suas razões para que os angolanos não se juntassem ao movimento.

No programa, Valdemar José, avisou para as consequências das manifestações previstas, algumas das quais pretenderiam chegar aos órgãos de soberania, o que é proibido pela lei angolana, considerou que alguns destes protestos são “para provocar”. Estranho. Se não for para provocar, alguém protesta? Os sipaios do MPLA lá sabem.

Os cidadãos podem manifestar-se “se respeitarem os pressupostos prévios”, incluindo comunicarem às autoridades, não se aproximarem a menos de 100 metros dos órgãos de soberania e cumprirem os dias e horas definidos, acrescentou, indicando que a Policia (que é do MPLA e não do país) “não pode permitir que os manifestantes destruam bens públicos ou ponham em causa a segurança dos cidadãos”.

O responsável da Polícia disse que alguns instigadores do movimento “já estiveram no aparelho de Estado” e têm interesses “inconfessos” de criar “instabilidade ao país”. Será que foram formados por Jonas Savimbi? Provavelmente sim.

Sobre a manifestação silenciosa que estava prometida, Valdemar José afirmou que seria “um barómetro” para ver quem iria aderir às próximas manifestações. Não está mal. Portanto, que ninguém fique em silêncio, de modo a que a Polícia saiba que quem fala não faz manifestação…

No caso de outras manifestações, considerou que todas violam a legislação se se realizarem durante o dia e durante a semana, já que a lei angolana permite apenas manifestações em dias úteis, a partir das 19:00, e durante o dia, só ao sábado a partir das 13:00. Agora, provavelmente com o inestimável contributo de Norberto Garcia, deverá surgir nova legislação por parte do MPLA para que as manifestações só se possam realizar uma vez por mês, mas com várias excepções e com dias estabelecidos. Ou seja: Fevereiro dia 30; Abril dia 31; Junho dia 31; Setembro dia 31 e Novembro dia 31.

“Querem fazer durante o dia, só para provocar”, insistiu a criatura Valdemar José, dando assim cumprimento democrático às ordens superiores.

Valdemar José apelou à população para não aderir a protestos cujo propósito “não é só manifestarem-se, mas sim desestabilizar o país”, avisando ainda que “quase todas as manifestações acabam em violência”.

Será que esta rapaziada do MPLA não consegue ser mais original e não se limitar a debitar as palavras, as frases, as ideias do chefe do posto, tal e qual ele as usa?

O porta-voz do Ministério do Interior admitiu que “há problemas sociais, mas salientou que o executivo angolano “está a trabalhar para ultrapassá-los” e questionou “que benefícios” trazem movimentos com o apelo a ficar em casa para o país. Não. Não adiante explicar. Valdemar José teria de se descalçar para conseguir contar até 12 e isso seria inconveniente.

Folha 8 com Lusa

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