“Utilidade pública”? É só
dizer o que o MPLA quer

A Rede Angolana das Organizações de Serviços de Sida (ANASO), organização não-governamental com 25 anos de actividade, queixou-se hoje da “não atribuição do estatuto de instituição de utilidade pública”, afirmando ser um órgão de “indiscutível participação social”. Isso acontece porque a organização se “esqueceu” de cumprir com o requisito “sine qua non”… ser apologista do MPLA.

Numa mensagem do presidente da mesa da assembleia-geral do órgão, apresentada hoje pela sua presidente de direcção, Teresa Cohen, na abertura de um encontro nacional da instituição, a ANASO lamentou que documentos com a pretensão de ascender àquele estatuto “continuem parados no Ministério da Justiça”.

“Apesar de estarmos a trabalhar há 25 anos e existirem outras organizações com menos tempo, menos influência social, menos intervenção e que já são instituições de utilidade pública, os nossos documentos continuam parados no Ministério da Justiça”, disse.

Com mais de duas décadas de actividades voltadas para a prevenção e combate ao VIH/Sida, que em Angola afecta 310.000 pessoas, entre adultos, crianças e mulheres grávidas, a organização não-governamental revelou igualmente que não tem sede própria.

“Não temos sede própria apesar de sermos o rosto visível na defesa dos direitos dos seropositivos, dando voz aos sem voz e nem sempre conseguimos das entidades públicas o suporte para realizar as actividades”, adiantou.

No encontro que será também marcado pela realização de uma assembleia de membros para eleição dos novos órgãos sociais, a ANASO analisa o seu relatório de contas de 2018 e o seu programa de acção para o quadriénio 2019-2023.

Em Maio de 2017 a ANASO rejeitou que a taxa de prevalência da doença no país fosse apenas 2,1%, conforme estimativa das autoridades governamentais, aludindo à mortalidade que se regista.

“Porque nós sabemos que morrem muitas pessoas em Angola com Sida e nós ainda não somos capazes de chegar aos sítios mais recônditos do país para o diagnóstico, aí onde a promiscuidade sexual existe”, disse então Teresa Cohen.

A responsável falava, em Luanda, durante a cerimónia de abertura de um seminário sobre liderança e gestão de projectos para as organizações da sociedade civil em Angola, organizado pela ANASO, tendo exortado ao empenho das organizações da sociedade civil angolana “para que a taxa de prevalência de Angola seja verdadeira”.

“Não acredito muito na taxa de prevalência de 2,1% para Angola”, apontou, explicando que para este número estar correcto devem estar a “morrer muitos” dos que nascem infectados.

O Instituto Nacional de Luta contra a Sida estimava na altura que cerca de 300.000 pessoas estavam a viver com o VIH entre homens, mulheres e crianças numa taxa de prevalência de 2,1% da população.

A ANASO, porém, estimava que a epidemia afectou já cerca de meio milhão de pessoas, sendo que apenas 215.000 estavam a ser acompanhadas e apenas 78.000 a beneficiar de terapia anti-retroviral.

Teresa Cohen disse estar “muitas vezes animada e outras desiludida” com os resultados das acções em torno do combate do VIH/SIDA em Angola, pelo facto de “esperar muito” da Comissão Nacional de Luta contra a Sida e da Lei da Sida, tendo ainda “lamentado” já nessa altura que passados mais de 20 anos de actividade, a ANASO não ter sido reconhecida com o estatuto de instituição de utilidade pública.

Só 10% das crianças são tratadas

A ANASO estimava que apenas 3.000 crianças infectadas com HIV-Sida em Angola estariam a fazer terapia anti-retroviral, o equivalente a cerca de dez por cento do total.

A informação foi prestada, em Março de 2017, por António Coelho, secretário-executivo desta ONG, assumindo a preocupação com o nível crescente de menores sem acesso a medicamentos ou tratamentos.

“Estamos a falar de um país com cerca de 26 milhões de habitantes, onde cerca de 30.000 crianças estão neste momento infectadas pelo HIV, e dessas apenas cerca de 3.000 estão a ser acompanhadas e fazem terapia, porque a taxa de cobertura do tratamento a nível das crianças ainda é muito baixa”, reconheceu o responsável.

António Coelho precisou que o nível do corte de transmissão vertical também é muito baixo, esclarecendo que entre 100 crianças filhas de mães seropositivas em Angola, 24 nascem igualmente seropositivas. “Portanto, o quadro também não é muito bom e neste particular temos de continuar a lutar para melhorar”, lamentou.

A ANASO revelou na altura que têm vindo a crescer em Angola os números da contaminação ou transmissão dolosa do HIV-Sida: “Continuamos a ter pessoas em Angola que, com alguma estabilidade financeira, vão passando de forma consciente o vírus para outras pessoas. Estamos preocupados porque em média recebemos entre cinco a 10 denúncias por dia, uma situação que tem estado a contribuir assustadoramente para o número de novas infecções”.

Apesar da lei que pune estes casos, António Coelho disse que a contaminação dolosa requer novos métodos e estratégias, defendendo por isso maior aposta na mudança de comportamento das pessoas, por considerar que “o processo é bastante lento e demorado”.

Angola vive desde finais de 2014, por incompetência do Governo, uma profunda crise económica e financeira decorrente da quebra para metade nas receitas petrolíferas, o que tem vindo a obrigar à contenção nas despesas públicas, com reflexos na situação socioeconómica das famílias.

A ANASO lamenta a diminuição de verbas para o sector da Saúde e revela que em consequência da crise no país existem adolescentes a iniciarem a actividade sexual de forma precoce e relatos de crianças a iniciarem actividade de prostituição com apenas nove anos, devido às dificuldades de sobrevivência.

“Estamos a receber relatos de pessoas que se estão a prostituir-se com nove, dez e onze anos, isso requer da nossa parte uma intervenção rápida no sentido de mudarmos o quadro, mas seguramente que isso tem outras factores. É preciso, de facto, criar condições para combater a pobreza”, explicou.

Folha 8 com Lusa

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