Se fosse o Povo a escolher as vítimas das minas…

O governo angolano necessita, segundo revelação feita hoje (27 de Agosto de 2019), de 300 milhões de dólares (269,7 milhões de euros) para se ver livre de minas até 2025, quando ainda tem cerca de 1.220 áreas do seu território afectado por este tipo de artefactos explosivos. No dia 7 de Junho de 2019, o mesmo responsável do CNIDAH afirmou: “As autoridades angolanas reconhecem que o país ainda apresenta um “alto nível de contaminação de minas”, sendo necessários pelo menos 300 milhões de euros para libertar anualmente, até 2025, 450 áreas ainda afectadas. No repetir é que está o ganho?

Segundo disse hoje o chefe do gabinete de Intercâmbio e Cooperação da Comissão Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária (CNIDAH), Adriano Gonçalves, as províncias do Cuando Cubango, Moxico, Cuanza Sul e Bié são ainda as mais afectadas do país.

Adriano Gonçalves, que falava à margem do seminário sobre a Estratégia Nacional do Sector de Acção Contra Minas em Angola, disse que os apoios para o processo de desminagem angolano vêm decrescendo há dez anos.

O mesmo responsável realçou que “Angola ainda não é um país livre de minas”, possuindo ainda “105 milhões de metros quadrados afectados” por este tipo de material explosivo.

De acordo com Adriano Gonçalves, há 12 anos, Angola tinha 3.600 áreas minadas e hoje conta com apenas 1.220 áreas, salientando que há províncias que já podem ser consideradas livres de minas, nomeadamente Malanje, Namibe e Huambo.

Actualmente, equipas de controlo de qualidade estão a realizar um trabalho de reverificação nessas províncias angolanas.

Regressemos a 7 de Junho de 2019. “Estamos entre os países considerados com alto nível de contaminação e ainda não saímos dessa área”, disse nesse dia, em Luanda, Adriano Gonçalves, do gabinete de Cooperação e Intercâmbio da Comissão Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária (CNIDAH) de Angola.

Em declarações aos jornalistas à margem de um encontro de Coordenação e Avaliação do Programa de Desminagem em Angola, tendo em conta a Agenda 2025, estabelecida para os países concluírem a desminagem, assumiu que, “realisticamente, Angola não poderá atingir a meta”.

Segundo o responsável, nos últimos dez anos o sector tem registado um “decréscimo de financiamento” a nível dos doadores, entre o Estado angolano e os parceiros internacionais, que já atingiu um “nível de quase 90%”.

“O que levou a que muitos operadores que estavam a fazer um trabalho muito valioso em Angola tiveram de se retirar e os que permanecem estão com níveis muito baixo de actividades, em termos de recursos humanos e materiais”, adiantou.

Além de um operador nacional, a The Halo Trust, a Mine Advisory Group (MAG) e a Ajuda Popular da Noruega são os operadores internacionais que mantêm a sua actividade em Angola.

“Estamos conscientes de que esta data [2025] não será tão realística para nós, porque precisaríamos de 350 milhões de dólares [308 milhões de euros] para libertar cerca de 450 áreas afectadas por ano, que seriam cerca de 15 milhões de metros quadrados por ano, para que chegássemos, em 2025, e tivéssemos o problema completamente resolvido”, referiu.

Adriano Gonçalves recordou que em 2017 Angola fez um pedido de extensão do prazo, mas o mesmo ficou limitado a 2025, admitindo que o seu alcance é “quase impossível” devido às “limitações de recursos humanos e financeiros”.

“O que nos satisfaz é que estamos num bom caminho, estamos a fazer todo esforço para que pelo menos ao chegarmos a esta data tenhamos o máximo possível feito”, disse.

De acordo com o membro do gabinete de Cooperação e Intercâmbio do CNIDAH, as províncias angolanas do Cuando Cubango, com cerca de 267 áreas afectadas, seguida do Moxico, Cuanza Sul e Bié registam “maior incidência” de minas no país.

Referiu também que o organismo ainda não declarou províncias livres de minas, um processo, realçou, que deve acontecer em breve, porque, argumentou, “já temos algumas províncias como Malanje e Huambo em que na nossa base de dados central não comportam áreas afectadas”.

“Mas isso, ainda carece de algum trabalho que temos estado a fazer nos últimos tempos, em que estamos a juntar todos os intervenientes daquelas áreas e algumas individualidades para nos darem mais informações”, concluiu.

Advocacia em torno da luta contra as minas terrestres e outros engenhos explosivos remanescentes de guerra, destruição de minas terrestres armazenadas, assistência e reinserção às vítimas de minas terrestres foram alguns dos temas abordados no referido encontro.

Acreditamos em quem? No Governo não, certamente

Angola “limpou” mais de 2.000 campos de minas desde 2002, quando acabou a guerra civil, estando ainda identificados outros mil, razão pela qual o Landmine Monitor ainda classifica como “grave” a situação, segundo o director do INAD angolano.

O director do Instituto Nacional de Desminagem (INAD) angolano, brigadeiro José Domingos de Oliveira, referiu em Maio de 2019 que o processo de desminagem em Angola já custou, desde 2002, mais de 500 milhões de dólares (446 milhões de euros).

Domingos Oliveira ressalvou que, apesar da diminuição no número de campos com minas de diversas tipologias, o Landmine Monitor coloca ainda Angola no grupo de países com a classificação “grave”, devido ao elevado número de campos minados, cerca de 1.000, no país, fruto da guerra civil (1975/2002).

Além do milhar de campos de minas, prosseguiu, existem também outras zonas que, pelo seu historial, não oferecem a segurança necessária para a implementação de projectos de reconstrução e desenvolvimento nacional.

“Ao contrário do que muita gente pensa, ainda há muito trabalho para ser feito, porque o solo angolano foi densamente minado”, acrescentou.

Domingos Oliveira realçou que, só em 2018, as minas provocaram 28 acidentes, que causaram a morte a 19 pessoas, oito delas crianças, e ferimentos, alguns deles graves, noutras 45, um terço delas, 30, também crianças.

O processo de desminagem em Angola, que teve início em 2002 com o fim da guerra civil, começou em zonas identificadas como prioritárias para o relançamento da agricultura, pecuária, indústria e turismo, visando permitir a livre circulação de pessoas e bens.

O processo conta com o desempenho de cerca de 5.000 técnicos de desminagem (sapadores), entre militares e civis, que ainda não têm seguro de vida, usufruindo apenas do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais, lamentou Domingos Oliveira.

A 20 de Novembro de 2018, após a divulgação, em Genebra, de um relatório do Landmine Monitor, Angola pediu uma extensão do prazo até Janeiro de 2026 para eliminar 1.465 áreas minadas, totalizando 221,4 quilómetros quadrados.

Em 2017, cinco países que apoiam financeiramente processos de desminagem apresentaram pedidos de extensão de prazos para completar as suas obrigações ao abrigo do Artigo 5 (Destruição de minas antipessoal em áreas minadas) em que cada país se compromete a assegurar a destruição de todas as minas em áreas minadas.

Segundo o relatório do Landmine Monitor, elaborado pela organização não-governamental Campanha Internacional para a Abolição de Minas (ICBL – Internacional Campaign to Ban Landmines), os cinco países solicitaram que Angola fornecesse um plano de trabalho actualizado e detalhado, proporcionando maior clareza sobre a quantidade de terrenos e marcos contaminados.

Em Novembro de 2018, na 17ª Reunião dos Estados Partes, Angola comprometeu-se a apresentar esse plano de trabalho actualizado.

Angola continua entre os cerca de 11 países com maior área contaminada – mais de 100 quilómetros quadrados do total do território.

Em Abril de 2018, Angola reportou um total de 147,6 quilómetros quadrados de áreas minadas – 89,3 quilómetros quadrados de áreas perigosas confirmadas e 58,3 quilómetros quadrados de áreas suspeitas perigosas, indica o relatório.

A Campanha Internacional para a Abolição de Minas é uma rede global com presença em cem países e com o objectivo de erradicar minas antipessoais e explosivos remanescentes de guerra.

Criada em 1992, a ICBL recebeu em 1997 o Prémio Nobel da Paz pelo reconhecimento do seu esforço para colocar em prática um tratado internacional para banir as minas.

Em 2017, os Estados Unidos da América anunciaram a doação de quatro milhões de dólares para o programa de desminagem de Angola, mas o país precisava – segundo estimativas então feitas – de 246 milhões de dólares para cumprir o objectivo de concluir a limpeza até 2025.

O anúncio da disponibilização desta verba pelo Departamento do Estado, a aplicar em 2017, foi feito no Huambo por Constance Arvis, ministra conselheira da embaixada norte-americana em Luanda, no âmbito das cerimónias evocativas dos 20 anos da visita de Diana de Gales àquela província, colocando então Angola em destaque nas necessidades internacionais de desminagem.

“Esta assistência, implementada através de organizações não-governamentais e em parceria com o Governo de Angola, permite a mais e mais angolanos voltar a casa em segurança, reconstruir as suas comunidades e cuidar das suas plantações”, enfatizou a diplomata.

Numa altura em que as doações internacionais para a desminagem em Angola caíram 80%, Constance Arvis recordou que os EUA são “parceiros empenhados nessa luta” e que desde 1995 já tinham investido mais de 124 milhões de dólares no programa angolano de remoção e destruição de minas terrestres, engenhos não detonados e munições.

Além de vários acidentes mortais que se continuam a registar no país, sobretudo com crianças, estes campos minados impedem a livre circulação em várias comunidades ou acesso a alguns campos de cultivo.

Presente no dia 14 de Janeiro de 2017 no Huambo, o general britânico James Cowan, director-geral da Halo Trust, uma das maiores organizações não-governamentais internacionais da área da desminagem, disse que o país ainda tinha necessidades estimadas de 246 milhões de dólares de financiamento internacional para conseguir cumprir a meta de concluir a desminagem do país até 2025, conforme a convenção de Otava, a que Angola aderiu.

Apesar de se tratar de uma verba “elevada”, o responsável da Halo Trust, que assegurava a desminagem em várias províncias do centro e sul de Angola, afirmou que, “dividida pelos próximos anos, por vários países doadores e pelo Governo angolano”, é uma “meta alcançável”.

Como exemplo, a Halo Trust apontou o caso do Huambo, onde se registaram intensas actividades militares durante a guerra civil, e que poderia ser a primeira província do país a ser declarada como totalmente livre de minas, já em 2018.

A Halo Trust promoveu a limpeza de 270 campos de minas no Huambo, desde 1994, restando apenas 18, mas a falta de financiamento fez a organização reduzir de 80 para 13 o total de equipas no terreno, para operações de desminagem e investigação.

“Temos aqui atrás de nós veículos parados que podiam estar a ser utilizados”, lamentou o general James Cowan.

Desde a visita de Diana de Gales ao Huambo, a 15 de Janeiro de 1997, alvo na altura de uma cobertura mediática internacional, Angola garantiu mais de 100 milhões de dólares de financiamento para desminagem, 60% proveniente dos EUA.

Actualmente, além do apoio norte-americano, o financiamento chega a Angola também da Suíça e do Reino Unido – cujas representações diplomáticas também estiveram nas cerimónias no Huambo -, com a Halo Trust a multiplicar os apelos ao reforço dos donativos internacionais, sob pena de o processo de desminagem poder parar.

“Em memória da princesa Diana, deixem-nos acabar o trabalho”, concluiu James Cowan.

Quebra no apoio financeiro internacional

O apoio financeiro internacional às operações de desminagem em Angola e Moçambique diminuiu 80 e 70%, respectivamente, segundo o Relatório Minas Antipessoais 2016.

Quando comparado com 2014, o apoio que os doadores internacionais canalizaram para a região da África subsariana em 2015 diminuiu mais de 40%, contabilizava o relatório da Campanha Internacional para Eliminar as Minas Terrestres (ICBL, na sigla em inglês).

Se se olhar para os resultados de cada país da região, essa diminuição era mais visível em dois Estados de língua portuguesa: Angola (-80%) e Moçambique (-70%), ambos signatários do Tratado sobre a Proibição das Minas Antipessoais, em vigor desde 1999.

O relatório alertava que as acções de desminagem sofreram “uma redução acentuada de financiamento em 2015” e que, em Angola, essa situação é considerada “um desafio” ao cumprimento dos prazos estabelecidos no Tratado sobre a Proibição das Minas Antipessoais, que conta com 162 Estados signatários.

Angola — que está entre os países de “contaminação generalizada” (mais de 100 quilómetros quadrados do total do território) — foi o beneficiário que mais apoio internacional perdeu.

Para além disso, “a crise económica resultante da redução dos preços do petróleo” traduziu-se num corte dos fundos de assistência estatal angolanos, que “quase pôs fim à maioria dos programas de assistência a vítimas”, destacava o relatório.

“O governo [angolano] remodelou algumas clínicas ortopédicas e de reabilitação, mas falhou em fornecer os produtos e materiais necessários para prestar os serviços”, concretizam os autores.

Essa diminuição “resulta grandemente do menor apoio estatal ao programa de desminagem nacional”, que, em 2015, arrecadou metade do montante de 2014.

O relatório indicava que, em 2015, 33 Estados e territórios sofreram uma diminuição, em mais de 20 por cento, do financiamento obtido em 2014, em resultado quer de mudanças nas prioridades dos doadores internacionais, quer de alterações nos contextos locais.

Ora, até Outubro de 2016, 64 Estados e territórios estavam ameaçados por minas antipessoais, um aumento em relação a 2015, resultado da entrada de Palau e do regresso à lista de Moçambique – que se declarou “livre de minas antipessoais” em 2015 – e Nigéria.

Os autores do relatório sugeriam que Moçambique – onde surgiram dados sobre contaminações anteriores, que contestam o estatuto “livre de minas” – pedisse um novo prazo para cumprir com os compromissos de desminagem estabelecidos no tratado internacional.

Tanto Angola como Moçambique surgiam entre os 15 Estados que não fornecem “um panorama completo da dimensão da contaminação” por minas antipessoais.

Moçambique, tal como a Guiné-Bissau, referida apenas a este propósito, não dispõe de um mecanismo autónomo de assistência às vítimas de minas antipessoais.

Aliás, os autores reconhecem que “os recursos financeiros insuficientes são um dos principais desafios à execução de actividades de assistência às vítimas” em Moçambique.

Folha 8 com Lusa

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