Ressurreição

Venho por este meio informar que decidi ressuscitar. Arrependi-me profundamente de ter morrido a rir quando vi e ouvi, na Televisão “Púbica” da República da Angola do MPLA, um presidente de um país da África Austral, que se diz defensor da democracia, a elogiar a ditadura comunista de Cuba. Ri tanto, tanto, tanto que faltou-me o “oxigénio”, inventado pelo Luvualu, e sucumbi por falta de ar. Foi muito precipitado da minha parte não ter resistido à falta de “oxigénio”.

Por António Kaquarta

Houve quem caracterizasse esse meu comportamento como falta de educação patriótica, traição à Pátria, um desrespeito pelas reformas que estão a ser implementadas no país. Tentei explicar que não aderi às reformas decididas pela Presidência, recusando optar pela aposentação, porque não sou rico, não enriqueci roubando o Estado. Ninguém quis acreditar.

A esses críticos do meu comportamento ainda disse: agora que há democracia na República da Angola do MPLA os cidadãos são livres para morrer como muito bem lhes apetecer: de fome, devido às epidemias, a rir… Quem optar por morrer devido a uma epidemia deverá especificar qual a preferida, porque a variedade é muitíssimo grande.

A enorme contrariedade e o elevado stress que senti com a minha morte, por rir demasiado tempo e com gargalhadas muito profundas, aconteceram quando um general, Raptor de Mortos, soba da casa civil da Presidência da República, teve conhecimento da ocorrência. Imediatamente iniciou uma procura desenfreada para tentar encontrar e raptar os meus ossos. Foi ao Moxico, mas não me encontrou. Foi ao Bié, mas não me encontrou. Esteve emboscado uma semana no Andulo mas não me encontrou. Foi a Lopitanga, mas não me encontrou.

Eu, o falecido que morreu a rir por ver e ouvir as notícias e reportagens da Televisão “Púbica” da República da Angola do MPLA, decidi não sair de casa porque, na condição de morto, não me apeteceu andar pelas ruas a cheirar mal. Também avisei a família para não me fazer um funeral, por correr o risco de ser raptado, durante a procissão, pelo Sebastião, o soba da casa civil da Presidência da República, e por saber que tenho sete vidas, como o gato, e o dom especial de ressuscitar sempre que me apetecer.

Durante essas minhas férias necrológicas, houve um dia em que escutei demasiado ruído na rua. Fui à janela para ver o que estava a acontecer. Era o poeta Monteiro, aquele que enganou os meninos do Huambo dizendo que as estrelas eram do povo quando, na realidade, eram todas pertença dos generais do MPLA, o que colaborou nos fuzilamentos do 27 de Maio e à noite escrevia poemas de amor, dedicados ao Agostinho Neto, e hinos de paz e fraternidade, dedicados aos povos oprimidos pelo capitalismo imperialista internacional. O Monteiro estava a declamar um poema dedicado ao António Kaquarta, eu, acusando-me de traidor, muito feliz porque, segundo ele, eu tinha morrido em combate na batalha do Coito-Carnaval, a tentar defender a UNITA, os sul-africanos e os opositores dos regimes da Venezuela, de Cuba, da Rússia, do Azerbaijão, do Cazaquistão e do Tajiquistão. Eu não desmenti essa lírica porque pretendi manter-me no anonimato e ainda não me encontrava com forças suficientes para ressuscitar.

Só decidi ressuscitar quando soube que o general Sebastião, o Raptor de Mortos, contratou os serviços secretos de Cuba e os SINFOs para tentarem encontrar os meus ossos.

Nesse momento eu disse para mim mesmo: Ei rapaz… pára aí, a situação está a tornar-se demasiado perigosa! Ressuscita já e regressa com mais moderação a rir após os discursos daquele presidente de um país da África Austral, o que diz defender a democracia mas faz discursos laudatórios à ditadura comunista de Cuba.

O general Sebastião, o soba da casa civil da Presidência da República, continua à procura dos meus ossos. Eu farto-me de rir, moderadamente para não voltar a morrer devido às gargalhadas, ao vê-lo passar cheio de calos e bolhas de água nos pés, porque tem os sapatos demasiado apertados para protegerem o local onde ele tem o cérebro, democrática e equitativamente repartido pelos dez dedos.

Os SINFOs e os serviços secretos de Cuba desistiram de me procurar. Concluíram que eu fui visitar o satélite Ago-Rússia 1, mais conhecido pelo nome El Deficiente por ser surdo e mudo, que anda perdido no espaço.

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