Justiça sem soberania de fundo pode afundar-se

O Tribunal Supremo de Angola negou provimento ao pedido de impugnação interposto por Jean-Claude Bastos de Morais sobre a sua prisão preventiva, mantendo a detenção ordenada pelo Ministério Público no âmbito do caso do Fundo Soberano.

Jean-Claude Bastos de Morais, cidadão suíço-angolano e sócio de José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, encontra-se em prisão preventiva desde 24 de Setembro de 2018, num caso ligado à suposta má gestão do Fundo Soberano de Angola.

No acórdão, datado de 14 de Dezembro de 2018, os juízes da primeira Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo negaram o recurso interposto justificando que a sua restituição à liberdade pode “perigar ou perturbar a instrução do processo”.

A informação sobre a medida de coacção aplicada foi divulgada em comunicado pela Procuradoria-Geral da República, em Setembro de 2018, dando conta que “pela complexidade e gravidade dos factos, com vista a garantir a eficácia da investigação, na sequência dos interrogatórios realizados, o Ministério Público determinou aplicação aos arguidos da medida de coacção pessoal de prisão preventiva”.

Fazendo uso de um “sui generis” conceito de transparência e precisão na matéria de facto em questão, no documento, publicado no site do Tribunal Supremo, nunca é referido o nome de Jean-Claude Bastos, mas os dados sobre a identificação do recorrente apontam para o mesmo.

De acordo com o acórdão, entre os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, contrariamente ao alegado pelo recorrente, foi verificado pelo juiz de turno “o perigo de perturbação da instrução do processo, que motivou a medida imposta pelo Ministério Público”, bem como o perigo de fuga, atendendo que Jean-Claude Bastos de Morais tem familiares a residir no estrangeiro.

Os juízes acrescentam ainda que ao perigo de fuga junta-se a multiplicidade de fronteiras existentes no país e a evidente escassez de meios para as controlar, bem como a fragilidade da cooperação judiciária.

“Entendemos que o perigo de fuga resulta ainda da sua confortável situação económica, que lhe permite viver num qualquer lugar, na medida em que essa realidade faz com que a fuga, que não está à disposição de todos, esteja à disposição do recorrente”, salientam os juízes.

Os argumentos do acórdão estendem-se ao facto de o recorrente ter dupla nacionalidade, o que acentua a insegurança de que em liberdade se mantenha à disposição da justiça.

Jean-Claude Bastos de Morais é acusado de vários crimes, nomeadamente o de associação criminosa, de recebimento indevido de vantagem, corrupção e participação económica em negócios.

O suíço-angolano é presidente e fundador da Quantum Global, empresa que geria os activos do Fundo Soberano de Angola, do qual foi presidente José Filomeno dos Santos, nomeado, em 2012, pelo pai e exonerado do cargo, em Janeiro de 2018, pelo Presidente da República, João Lourenço.

A Quantum Global acusa as autoridades angolanas de recorrerem à intimidação, coerção e violação dos direitos humanos para se desfazer da documentação entre a empresa e o Fundo Soberano, bem como do seu enquadramento legal em função do Governo da altura.

A empresa diz estar “profundamente preocupada” com a detenção do seu presidente Jean-Claude Bastos de Morais que disse estar preso em condições desumanas

A Quantum Global diz que Bastos de Morais tem estado sempre a colaborar com as autoridades angolanas, recordando que ele regressou ao país voluntariamente e faz notar que a medida de prisão preventiva foi aplicada com bases em transacções imobiliárias ocorridas em Angola e que nada têm a ver com a Quantum Global. Para além disso acrescenta que essas acusações são claramente infundadas.

Só se é bom quando se está no Poder

O Instituto de Fundos Soberanos (IFS) atribuiu em 2015 ao Fundo Soberano de Angola (FSDEA) oito pontos em dez possíveis, tornando-o no segundo mais transparente em África, a seguir à Nigéria, e nos melhores 30 dos cerca de 80 analisados. Das duas uma.

De acordo com a informação publicada no sítio na Internet deste Instituto, que serve de referência para este sector, o Fundo Soberano de Angola, obteve oito pontos em dez possíveis ao ser analisado através do Índice de Transparência Linaburg-Maduell.

O FSDEA conseguia inclusivamente ter uma melhor classificação do que o Fundo Pula, do Botswana, que é frequentemente citado como um exemplo de boas práticas nesta área.

Divido em dez alíneas que valem um ponto cada, o IFS analisa a transparência do Fundo, não classificando a qualidade nem a quantidade dos investimentos, mas sim aspectos como a disponibilização de informação sobre a história, as razões para a criação do fundo, a origem da riqueza, a estrutura de accionistas, os contactos e a morada, estratégias e objectivos claros, e valorização do portefólio, entre outros.

“Desde o lançamento em Outubro de 2012, o Fundo Soberano de Angola não perdeu nenhuma oportunidade para sublinhar o seu compromisso com a transparência, apesar de a nomeação de José Filomeno dos Santos, o filho mais velho do Presidente, como presidente executivo, ter estado a ser difícil de vender aos mercados e analistas”, que também olham com “inquietação” para a escolha de uma única empresa de gestão de activos, baseada na Suíça, e fundada por Jean-Claude Bastos de Morais, descrito pela Economist Intelligence Unit como “um privilegiado parceiro de negócios” do presidente do Fundo.

Num comunicado de imprensa colocado na sua página na Internet, relativamente a esta atribuição, o presidente do Fundo, José Filomeno dos Santos, afirmou que “a nota positiva do Índice de Transparência Linaburg-Maduell evidencia o compromisso do FSDEA com na aplicação dos princípios recomendáveis e as boas práticas de gestão, definidos pelos Princípios de Santiago, em todos os aspectos da sua governação e actividades” e acrescentava que “esta classificação é um marco importante para o Estado Angolano e demonstra o compromisso do FSDEA com a prestação de um serviço responsável e eficiente para o benefício das gerações actuais e futuras de Angolanos”.

Entre outros fundos lusófonos que aparecem na tabela, destaque para os nove pontos do Fundo brasileiro e para os oito obtidos pelo Fundo de Timor-Leste.

Dizia o líder do FSDEA que o país iria ter, em 2015, uma academia para formação no ramo da hotelaria, indústria crescente nos últimos anos, já em construção na província de Benguela.

O projecto, denominado Academia de Gestão da Hospitalidade Angolana, é de iniciativa do FSDEA em colaboração com a Lausane Hospitality Consulting (LHC), empresa suíça de consultoria de capacitação e aconselhamento à gestão, e da divisão de formação de executivos da École Hôtelière de Lausane (EHL).

Na mesma altura, José Filomeno dos Santos disse ao britânico Financial Times que 1,6 mil milhões de dólares serão investidos em infra-estruturas e hotelaria africanas para compensar a descida do petróleo e intensificar a diversificação das aplicações económicas.

José Filomeno dos Santos referiu que 1,1 mil milhões de dólares (cerca de 880 milhões de euros) seriam alocados a um fundo para investimentos em energia, transportes e outras infra-estruturas em projectos na África Subsaariana, reservando mais de 500 milhões (401 milhões de euros) para outro fundo de investimentos na hotelaria e em projectos ambientais.

No dia 20 de Novembro de 2008, o então Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, anunciou o estabelecimento de uma comissão especial no sentido de criar as bases para um novo Fundo Soberano de Riqueza (FSR) a fim de promover o crescimento, a prosperidade e o desenvolvimento socioeconómico em Angola.

Em 2011, o Fundo foi legalmente ratificado e oficialmente estabelecido como o Fundo Soberano de Angola em 2012, com uma dotação inicial de USD 5 biliões.

Com sede em Luanda, o Fundo gere uma carteira significativa de investimentos. Em conformidade com a política e as orientações de investimento do Fundo Soberano de Angola, a sua carteira de investimentos é distribuída gradualmente por várias indústrias e classes de activos, incluindo acções públicas e privadas; obrigações; moeda estrangeira; derivados financeiros; produtos base; títulos do tesouro; e fundos imobiliários e fundos de investimento.

Ao procurar investimentos que geram rendimentos financeiros e sustentáveis a longo prazo, o Fundo Soberano de Angola representará um papel importante na promoção do desenvolvimento socioeconómico de Angola através da criação de riqueza para o povo angolano.

Folha 8 com Lusa

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