A Renamo, principal partido da oposição em Moçambique, entregou hoje um recurso à Comissão Nacional de Eleições (CNE) destinado ao Conselho Constitucional (CC), pedindo a anulação dos resultados das eleições gerais, e classificou o escrutínio como um “circo”. Será que o termo “circo” tem patente registada? É que também se pode aplicar ao que o MPLA faz em Angola…
“N ós queremos a anulação das eleições, porque elas não foram eleições. Foram uma caricatura, uma exibição circense”, declarou Venâncio Mondlane, mandatário da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) junto dos órgãos eleitorais, que falava aos jornalistas quando a Renamo entregou na CNE o recurso dos resultados eleitorais.
“Nós fizemos o levantamento das gravíssimas irregularidades, dos ilícitos e até dos crimes que ocorreram durante o recenseamento eleitoral, a campanha, votação e, por último, a vergonha superlativa que aconteceu no dia do apuramento dos resultados”, afirmou Venâncio Mondlane.
No recurso que submeteu hoje, prosseguiu, a Renamo juntou 155 queixas que apresentou nos tribunais distritais contra ilícitos eleitorais, acrescentou Mondlane.
Entre os ilícitos, inclui-se o recenseamento de menores, o registo eleitoral de estrangeiros e múltiplas inscrições de eleitores na província de Gaza, sul de Moçambique.
O enchimento de urnas com boletins de voto fora do controlo dos órgãos eleitorais e a inutilização de outros a favor da oposição são também apontados no recurso.
“O dia da votação foi o grande espectáculo. Por exemplo, em Meconta, aconteceu tudo: enchimento de urnas, inutilização dos boletins da oposição, detenções ilegais e agressões da polícia aos nossos delegados de candidatura”, enfatizou Venâncio Mondlane.
O mandatário da Renamo considerou nulo o apuramento e centralização dos resultados das eleições gerais feitos pela CNE no dia 25 deste mês, defendendo que devia ter sido feito na presença dos mandatários dos partidos políticos, jornalistas e eleitores interessados.
“A sessão que aprova a deliberação é uma sessão ilegal e ilegítima, foi uma sessão nula e de nenhum efeito”, considerou Venâncio Mondlane.
Os resultados eleitorais anunciados pela CNE no domingo em Maputo deram larga vantagem à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder desde a independência, cujo candidato, Filipe Nyusi, foi reeleito à primeira volta para um segundo mandato como Presidente, com 73% dos votos.
A Frelimo conseguiu eleger 184 dos 250 deputados, ou seja, 73,6% dos lugares, cabendo 60 (24%) à Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e seis assentos (2,4%) ao Movimento Democrático de Moçambique (MDM), anunciou a CNE.
O Movimento Democrático de Moçambique (MDM, terceira força parlamentar) já anunciou que também vai recorrer ao Conselho Constitucional dos resultados das eleições gerais.
Frelimo copia o MPLA ou é ao contrário?
No dia 17 de Agosto de 2017, o antigo dirigente socialista português, João Soares, considerou que as eleições gerais angolanas de 23 de Agosto iriam ser uma “fraude de uma ponta à outra”, acusando o governo do MPLA (no poder há 42 anos, na altura) de não querer um escrutínio limpo. Acertou em cheio.
“Em Angola, (as eleições) nunca foram limpas e decentes. E estas (as eleições gerais de 23 de Agosto) continuam no mesmo modelo, não há observação eleitoral internacional, não há cadernos eleitorais decentes, não há presença dos partidos de oposição nas estruturas da direcção do processo eleitoral”, acusou João Soares, que participou em várias missões internacionais, inclusivamente em África, para acompanhar votações.
No dia 23, “não vai haver controlo dos votos, em lado nenhum, nunca houve e vai continuar a não haver”, acusava João Soares, que foi próximo da UNITA, segundo partido mais votado e uma das partes na guerra civil que dividiu o país durante mais de 20 anos.
Desde o processo de democratização, na década de 1990, “as eleições no país são sempre uma fraude, uma fraude equivalente à ladroagem de que aquela nomenclatura é responsável em Angola”, afirmou o antigo ministro da cultura português, que criticou a falta de atenção dada pelos ‘media’ portugueses.
“Uma campanha eleitoral que vai ter lugar no dia 23 deste mês em toda a Angola, não saiu notícias praticamente nenhumas nem lá (Angola) e nem cá (em Portugal)”, acusou, justificando logo de seguida: “É possível que uma campanha daquela importância num país como Angola mereça a indiferença que tem tido aqui? Aquilo é uma fraude montada de uma ponta à outra”.
“Durante muitos anos foi um poder de partido único, num regime comunista como do leste da Europa e depois passou a ser um regime pluripartidário, com a presença de vários partidos políticos, mas nunca houve eleições legítimas e sérias”, salientou João Soares.
“O MPLA está no poder desde a independência de Angola e José Eduardo dos Santos está à frente do Governo angolano há quase 40 anos, só ficando atrás do Presidente da Guiné Equatorial” (Teodoro Obiang, que subiu ao poder em agosto de 1979 e o Presidente angolano assumiu o posto em Setembro de 1979), concluiu.
Das copas das árvores sem Bilhete de Identidade
O MPLA (tal como a Frelimo) tem de facto no seu ADN o fenómeno típico dos cobardes que é o de atirar a pedra e esconder a pata. Daí o seu Boletim Oficial (Jornal de Angola) criticar assiduamente o estado das relações com Portugal, aproveitando para criticar forte e feito, pelas costas, João Soares não só pelo que ele pensa e diz mas, também, por ser filho de Mário Soares.
Daí já estarmos habituados a ler textos intitulados “Contornos de uma conspiração”, em que o regime enxovalha o “filho de Mário Soares” (como se este não tivesse nome), descarregando nele todo o ódio gerado por um símio e atávico complexo de inferioridade relativo a Mário Soares.
“A mesma personagem percorre os canais de televisão portugueses disparando insultos e calúnias contra titulares dos órgãos de soberania de Angola. Afirma reiteradamente que os investimentos angolanos em Portugal provêm de fundos roubados. Fala em ‘cleptocratas de Luanda’ com a maior desfaçatez. E nunca se esquece de lembrar a sua condição de membro do CFSIRP (Conselho de Fiscalização do Sistema Serviços de Informações da República Portuguesa) para chancelar as suas mentiras e calúnias”, apontava um editorial do Boletim Oficial do regime do MPLA, de Novembro de 2014.
Constou na altura, hipótese que não se concretizou, que João Soares, mesmo estando longe dos jacarés do Bengo, para além de reforçar a sua segurança pessoal estava a pensar refugiar-se na… Jamba.
Acrescentava o pasquim, que um “deputado da Nação [portuguesa] que se entretém diariamente a chamar ladrões aos titulares dos órgãos de soberania em Angola” sem que “os seus pares” se “demarquem de tão graves crimes”, é “evidente que está mandatado para assim proceder”.
Ladrões? Constou igualmente na altura que os ladrões que estavam detidos nas cadeias de Portugal iam, também eles, intentar uma acção judicial contra o Jornal de Angola por ofensa ao seu bom nome ao serem comparados aos seus “homólogos” do regime do MPLA.
“E não venham dizer-nos que estamos perante o exercício da liberdade de expressão. Não façam de nós indigentes mentais. O filho de Mário Soares, deputado do Partido Socialista, está a exercer aquilo que ele considera ser o seu direito de conspiração contra Angola. Todos estes dislates ultrapassam o mero exercício do direito a emitir opiniões. A liberdade de expressão tem limites. E no caso do fiscalizador do SIS, esses limites são ainda mais estreitos”, enfatizava o editorial do Boletim Oficial, escrito por alguém do Departamento de Informação e Propaganda do Bureau Político do Comité Central do MPLA e assinado por um dos seus sipaios, certamente convicto que, por essa via, chegaria a chefe de posto.
Defendia o “Avante” do MPLA que, “sempre que o filho de Mário Soares fala em dinheiro ilegal exportado de Angola, de ladrões, de corruptos e cleptocratas”, a opinião pública portuguesa “acredita porque pensa que ele tem informações secretas fornecidas pelos serviços secretos que é suposto fiscalizar”.
Nada disso. A opinião pública portuguesa, como a angolana, acredita porque sabe que é verdade. Apenas por isso.
“Nós sabemos que não. Tudo o que ele diz são mentiras e calúnias. Todas as suas afirmações são peças da conspiração que o ministro do Interior [de Angola] denunciou. Disso não temos dúvidas”, lê-se num texto não assinado e que, originalmente, terá tido a impressão digital do autor, conseguida através das velhas técnicas coloniais usadas por quem não sabia assinar.
Num segundo editorial consecutivo em que aludia a estas “ameaças” ao “regime democrático” angolano e à interferência de sectores portugueses, o Boletim Oficial do MPLA afirmava que recentes “cumplicidades” tornadas públicas, nomeadamente com a Operação Labirinto e o envolvimento de responsáveis do Serviço de Informações de Segurança (SIS), “são inquietantes e exigem um esclarecimento urgente por parte das autoridades de Lisboa”.
“A Operação Labirinto em Portugal levou à detenção de altas figuras do Estado. Mas também trouxe à luz do dia uma situação insólita em qualquer parte do mundo, mesmo no país do filho de Mário Soares, da filha do senhor Gomes, deputada europeia do Partido Socialista, ou do filho do senhor Louçã, líder escondido do Bloco de Esquerda”, lia-se no mesmo texto.
Ao menos, o pasquim sabia quem eram os pais dos visados. Isso, contudo, não acontece com os mercenários do Jornal de Angola, alguns recentemente saídos das copas das árvores directamente para as latrinas que guardam os restos da gamela do poder, na altura com José Ribeiro à cabeça.
Face à alegada intervenção do SIS no caso dos vistos gold, recordada pelo jornal do MPLA, o editorial insurgia-se: “Nós temos o direito de suspeitar que os mesmos serviços varrem o quintal dos amigos e atiram com o lixo para a porta de Angola, servindo-se do livre acesso do filho de Mário Soares a todos os canais de televisão portuguesa”.
Têm esse direito. Têm, aliás, direitos que negam aos outros. Mas isso é mesmo assim quando se vive numa espécie de socialismo de sanzala, como diria o ilustríssimo bajulador, sipaio condecorado e mercenário de honra, Artur Queiroz.
O editorial terminava com uma garantia: “Uma coisa é certa: qualquer ataque contra o regime democrático está votado ao fracasso”.
Bem visto. Por muito que isso custe aos filhos da… mãe Ribeiro, Queiroz, Carvalho e sucedâneos, se o regime angolano é democrático, o “querido líder” Kim Jong-un é um paradigma da liberdade, da transparência e – é claro – da democracia.
Folha 8 com Lusa