(Des)ordem na concorrência

O Governo angolano considera que a institucionalização da Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) é um “passo decisivo” para a criação de uma “efectiva política de concorrência” e de práticas que melhorem o ambiente de negócios. Se o ministro das Finanças, que já o era no Governo de José Eduardo dos Santos e continua a ser no de João Lourenço de Angola, Archer Mangueira, o diz…

“U m passo que se insere na acção do executivo para dotar o país das instituições e das práticas que melhorem efectivamente o ambiente de negócios, aspecto essencial para atrair e fixar o investimento necessário ao desenvolvimento sustentável”, disse o ministro Archer Mangueira.

Falando, em Luanda, durante a cerimónia de tomada de posse da administração da nova Autoridade Reguladora da Concorrência de Angola, referiu que a entidade surge também para promover a “competitividade e a eficiência na produção e distribuição de bens e serviços”.

Aos recém-empossados, Archer Mangueira considerou que os espera “uma missão que é tão exigente quanto é importante ao serviço de uma economia mais dinâmica e competitiva em benefício do consumidor”.

Devem, portanto, intervir, observou, “com a autoridade que a lei confere e de forma eficaz e dissuasora perante todas as práticas que possam conduzir para um ambiente de concorrência imperfeita”.

A ARC, órgão afecto ao Ministério das Finanças, emana da Lei da Concorrência, aprovada em 2018, dando como extinto o então Instituto de Preços e Concorrência, órgão que regulava, fixava e supervisionava os preços em Angola.

A presidente do Conselho de Administração da Autoridade Reguladora da Concorrência de Angola, Eugénia Chela Pontes Pereira, admitiu em declarações aos jornalistas ser um “grande desafio” dirigir o novo órgão, garantindo “zelo e dedicação” durante a missão.

“No primeiro ano do nosso conselho, a nossa acção será preventiva mais do que punitiva, a lei será educativa, preventiva e vamos trabalhar com todas as entidades reguladoras sectoriais para então promovermos a sã concorrência no nosso marcado”, disse.

Eugénia Chela Pontes Pereira deu conta ainda que algumas atribuições do extinto Instituto de Preços e Concorrências passaram para esta nova Autoridade, porque, adiantou, no seu estatuto orgânico “ainda tem algumas atribuições de supervisão de preços”.

Na cerimónia, Archer Mangueira deu igualmente posse aos conselhos de administração das empresas de distribuição de águas das províncias angolanas de Cabinda, Lunda Sul e Cuanza Norte e ao delegado das Finanças da província de Malanje.

Dará uma boa lei bons resultados?

Situações de abuso de posição dominante, de dependência económica e práticas colectivas proibidas em Angola vão passar a ser fiscalizadas pela ARC, no âmbito da primeira Lei da Concorrência. Isto, é claro, quando as leis (e a Constituição) do país forem para cumprir. Só falta saber quando é que isso irá acontecer e se irá acontecer.

A Lei da Concorrência visa introduzir, pela primeira vez no ordenamento jurídico angolano (que do ponto de vista académico e teórico até é de bom nível), um sistema de defesa da concorrência, princípios e regras de sã concorrência, na moralidade e na ética.

Em concreto, a ARC, actuará “com autonomia e isenção”, na defesa do “interesse público de promoção e de defesa da concorrência”. Contudo, contrariamente à pretensão inicial do Parlamento, aquele organismo não será fiscalizado pelos deputados. Ou seja, a lei contra as posições dominantes está imune e blindada à fiscalização daqueles que foram eleitos.

Desde logo, a ARC terá de emitir posição, de não oposição, para a concretização de qualquer concentração de empresas que atinja uma quota de mercado, volume de negócios ou facturação anual ainda a regulamentar.

Entre outras sanções, as empresas infractoras (as excepções serão, certamente, para as empresas pertencentes aos altos dignitários do regime) podem ser excluídas da participação em procedimentos de contratação pública por um período até três anos.

A instituição de uma lei da concorrência foi anunciada pelo Presidente, em Outubro de 2017, no seu primeiro discurso sobre o estado da Nação, após as eleições gerais, inserindo-se no anunciado e mediatizado quadro legal facilitador da criação e funcionamento das empresas privadas.

Segundo João Lourenço, este quadro “vai criar um ambiente mais favorável que promova e defenda a livre iniciativa, a competitividade e a sã concorrência, com vista a salvaguardar a salutar defesa dos consumidores”. O objectivo é, será (supostamente) enfrentar “situações de imperfeições do mercado ainda existentes na nossa economia”.

Estas situações, segundo o Presidente, provocam “monopólios, cuja actuação tem consequências negativas na vida dos consumidores”, indicando mesmo os sectores do cimento e das telecomunicações como exemplos dessa concentração.

A nova legislação define que constituem “práticas lesivas à concorrência, independentemente da culpa”, actos que resultem em abusos de posição dominante e de dependência económica. Ainda práticas colectivas proibidas, nomeadamente “acordos restritivos da concorrência”, práticas concertadas e decisões de associações de empresas lesivas à concorrência.

Estabelece ainda que há posição dominante no mercado de determinado bem ou serviço quando uma – ou duas empresas de forma concertada – actua, sem concorrência significativa. O abuso dessa posição surge quando, entre outras condições, a empresa vende injustificadamente mercadoria “abaixo do preço de custo ou importa abaixo do custo praticado no país exportador”.

Para efeitos da nova legislação, verifica-se o estado de dependência económica quando uma ou mais empresas “utilizam o poder de mercado, ou ascendente de que dispõem relativamente a outra empresa, ou cliente, que se encontrem em relação a elas num estado de dependência, por não disporem de alternativa equivalente para o fornecimento dos bens ou prestação dos serviços em causa”.

Nesse sentido, é entendimento da lei que uma empresa não dispõe de alternativa equivalente quando o fornecimento do bem ou serviço em causa, nomeadamente o serviço de distribuição, for assegurado por um número restrito de empresas ou quando a empresa não pode obter condições idênticas por parte de outros parceiros comerciais “num prazo razoável”.

Já o abuso da dependência económica, também consagrado na nova legislação, acontece quando uma empresa tenta “impor de forma directa ou indirecta preços de compra, venda ou outras condições de transacção não equitativas”, usando para tal o ascendente sobre outras empresas dependentes.

Também são proibidos os acordos e concertações entre empresas e as decisões de associações de empresas que “tenham por objectivo ou como efeito falsear ou restringir de forma sensível a concorrência, no todo ou em parte, do mercado”, como pela fixação de preços de compra e venda ou interferir na sua determinação, mas também por “limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado”.

O (excelente) exemplo da Probidade Pública

Certamente que esta lei terá excelente resultados, tal como teve a Lei da Probidade Pública número 3/10, de 29 de Março, inscrita no Diário da República, I Série nº 57, um diploma que (supostamente) iria reforçar os mecanismos de combate à cultura da corrupção, por forma a garantir o prestígio do Estado e das suas instituições públicas.

“A lei reflecte a vontade e o esforço do Estado angolano em moralizar o exercício das funções públicas e combater a corrupção”, afirmou, em Luanda, o magistrado do Ministério Público, Luís de Assunção Pedro da Mota Liz, durante uma palestra sobre este diploma.

Trata-se de uma norma deontológica que se for integralmente observada não haverá terreno para corrupção no país, asseverou em Novembro de 2011 o assessor do Procurador-Geral da República, precisando que a lei prescreve princípios e deveres a serem observados pelos servidores públicos na sua prestação.

Como todos sabemos, o resultado desta lei foi excelente, a ponto de Angola continuar a ser um dos países mais corruptos do mundo.

Mota Liz acrescentou que o diploma estabelecia um conjunto de normas que devem pautar a actuação de todos os agentes públicos, destacando-se o da igualdade, da probidade pública, da competência e do respeito pelo património público.

Continha (contém) igualmente princípios da imparcialidade, da prossecução do interesse público, da responsabilidade e responsabilização do titular, do gestor, do responsável, do funcionário, da urbanidade, da lealdade às instituições, entre outros servidores.

Mota Liz referiu igualmente que a probidade pública, enquanto princípio, estabelece que o agente público pauta-se pela observância de valores de boa administração e honestidade no desempenho da sua função.

Ou seja, acrescentou, nesta condição o servidor não pode solicitar, para si ou para terceiros, quaisquer ofertas que ponham em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo, bem como a credibilidade e a autoridade da administração pública.

Folha 8 com Lusa

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