O julgamento do antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos “Zenú”, começa amanhã, segunda-feira, na Câmara Criminal do Tribunal Supremo. Inicialmente marcado para 25 de Setembro, o julgamento sofreu um adiamento a pedido do advogado do co-réu Valter Filipe Duarte da Silva, ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), que alegou indisponibilidade naquele período.
O pedido do defensor de Valter Filipe Duarte da Silva foi aceite pelo Tribunal Supremo, que anuiu em remarcar o julgamento. Sob “Zenú” dos Santos pesam as acusações de branqueamento de capitais e peculato. No mesmo processo são arguidos Jorge Gaudens Pontes Sebastião e António Samalia Bule Manuel.
Na base do processo está, segundo a acusação, uma transferência ilegal de 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola para uma conta no Crédit Suisse de Londres, Inglaterra.
A transferência seria uma espécie de pagamento avançado para uma empresa criada pelos arguidos, a fim de montar uma operação de financiamento para Angola, no valor de 30 mil milhões de dólares.
O plano assentava na constituição de um suposto Fundo de Investimento Estratégico e na utilização da empresa Mais Financial Services, S.A. como instrumento de actuação.
José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente da República, esteve detido e será julgado sob a acusação de má gestão do Fundo Soberano de Angola, que dirigiu entre 2012, nomeado para o cargo pelo seu pai, e 2018, altura em que foi exonerado das funções por João Lourenço, actual chefe de Estado angolano, e ex-ministro de José Eduardo dos Santos.
A gestão do fundo, no valor de cinco mil milhões de dólares (4,35 mil milhões de euros), encontrava-se sob gestão da Quantum Global, dirigida pelo sócio de José Filomeno dos Santos, o empresário suíço-angolano, Jean-Claude Bastos de Morais, que também esteve detido, em Luanda, mas que foi igualmente posto em liberdade.
Nesse dia, a Procuradoria-Geral da República indicou em comunicado que “o Ministério Público angolano decidiu não mais prosseguir criminalmente contra o senhor Jean-Claude de Morais Bastos, tendo-lhe sido restituída a liberdade”, depois de o Estado angolano ter recuperado parte dos cinco mil milhões de dólares daquele fundo constituído por receitas petrolíferas para investimentos em projectos sociais e infra-estruturas.
Na nota, a PGR avançou que conseguiu recuperar activos financeiros no valor de 2,35 mil milhões de dólares (2,04 mil milhões de euros), que se encontravam domiciliados em bancos do Reino Unido e das Maurícias.
Paralelamente, foi passado para o Estado angolano todo o património imobiliário de Jean-Claude Bastos de Morais em Angola e no exterior, como empreendimentos hoteleiros, minas de ouro, fazendas e estâncias turísticas.
Na mesma altura foi também anunciado que o grupo Quantum e o Fundo Soberano de Angola chegaram a um acordo para colocar fim às disputas existentes, resultando na libertação do seu presidente e fundador, Jean-Claude Bastos de Morais.
“O Grupo Quantum Global anunciou que foi celebrado um acordo de confidencialidade entre o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) e o Sr. Jean-Claude Bastos de Morais, Presidente e Fundador do Grupo, e as partes da Quantum”, adiantou em comunicado o grupo do empresário suíço-angolano.
Bastos de Morais, que aguardava em prisão preventiva desde Setembro, foi libertado e as autoridades angolanas retiraram as acusações de vários crimes, nomeadamente o de associação criminosa, de recebimento indevido de vantagem, corrupção e participação económica em negócios.
“Na sequência da decisão das autoridades angolanas de não apresentarem acusações, as autoridades mauricianas [onde corre outro processo] retiraram a decisão de congelamento das contas bancárias da Quantum Global e do Sr. Bastos. Além disso, a Comissão de Serviços Financeiros restabeleceu as licenças do Grupo”, adiantou aquele grupo, no mesmo comunicado.
O acordo divulgado estabelece que nenhuma das partes continue qualquer processo nos tribunais contra a outra, abrangendo desde o processo do FSDEA em jurisdições internacionais, incluindo Angola, Maurícias, Suíça e no Reino Unido.
Assim, também a Quantum Global e Jean-Claude Bastos de Morais assumem o compromisso de desistir dos processos por danos contra o FSDEA no Reino Unido, e vão suspender as disputas comerciais contra o FSDEA nas Maurícias.
“Estamos muito satisfeitos por ter chegado a este acordo amigável que resolve todas as disputas nos tribunais”, disse uma fonte do grupo à Lusa.
Julgamento… jurídico ou… político?
Habilmente, embora sem efeitos práticos, João Lourenço conseguiu nos dois primeiros anos de (suposta) governação cativar a simpatia de velhos “inimigos” do MPLA. Bastou-lhe, para isso, pôr a correr pelo mundo que iria liderar um sério e decisivo combate à corrupção. A isso juntou um alvo preferencial – Isabel dos Santos. Foi a cereja no topo do bolo. Ligeiramente abaixo estava o seu irmão Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais.
Francisco Louçã, economista e político português que dirigiu o Bloco de Esquerda, entende que Isabel dos Santos perdeu relevância, não tanto em Portugal, mas certamente em Angola. “Ela tem um investimento significativo em Portugal, tanto no BCP como na EFACEC, entre outros sectores, e isso creio que continuará. Qual a estratégia que ela vai seguir no futuro não sabemos e é muito importante que haja alguma definição, mas os empresários portugueses, angolanos, chineses ou norte-americanos têm que cumprir as mesmas regras”, disse Francisco Louçã à DW África.
Meio mundo (nós estamos no outro meio) acredita que João Lourenço vai aniquilar a “mulher mais rica de África”, reduzindo-a (eventualmente) a uma simples empresária. Para esses novos apologistas do ex-ministro de José Eduardo dos Santos e que foi por este escolhido para ser Presidente da República, pouco importa se Isabel dos Santos se tornou no que é graças, também, à ajuda e conivência do actual Presidente da República. Para eles, o mais importante não é a sociedade que se quer construir mas, apenas, a sociedade que se quer destruir.
Nesta ofensiva contra a (suposta) corrupção em Angola, é inevitável mexer nos interesses de Isabel dos Santos, afirmou à DW África João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) de Portugal.
“Justamente porque os grandes investimentos que Isabel dos Santos fez em Portugal ao longo dos últimos anos foram feitos sob uma suspeita basilar sobre a origem do dinheiro que ela trouxe para Portugal. Portanto, muitos dos investimentos, nomeadamente na Galp, mas, enfim, em todos os outros, foram feitos ou com empréstimos de empresas públicas angolanas ou com capital adquirido através dos negócios de favor que ela fez com o Estado angolano”, explicou João Paulo Batalha, acrescentando que, “por isso, todo o império de Isabel dos Santos, numa lógica de transparência e de combate à corrupção, fica posto em causa, incluindo as ramificações desse império em Portugal”.
O presidente da TIAC reconheceu que as medidas que o Presidente João Lourenço têm vindo a tomar para esclarecer a origem da fortuna de Isabel dos Santos também terão implicações em Portugal.
“Deve ser um aviso para as autoridades portuguesas, quer as autoridades judiciais quer as autoridades políticas, para, no momento em que querem inaugurar uma nova fase de boas relações com Angola, fazermos nós próprios, aqui em Portugal essa investigação à origem dos capitais e à lisura dos negócios de Isabel dos Santos para que possamos assistir o Estado angolano numa potencial reversão de capitais de Isabel dos Santos para o Estado angolano. Porque, verdadeiramente, o dinheiro que ela tem trazido para Portugal é dinheiro que pertence ao povo angolano”, lembrou.
João Paulo Batalha acrescentou que o poder político em Portugal sempre teve “uma relação oportunista” com Angola, privilegiando ligações com a elite angolana, independentemente, de considerações sobre corrupção ou abusos dos Direitos Humanos.
É exactamente isto que João Lourenço espera, foi exactamente isto que aprendeu com o seu grande mestre e mentor, José Eduardo dos Santos. Isto é, que os seus principais “advogados” de defesa sejam aqueles que acusam quem está dentro do galinheiro a roubar as galinhas (dos ovos de ouro), esquecendo os que estão, ou estiveram, à porta.
Mas a verdade é que, até agora, João Lourenço não ganhou a guerra e, aliás, tem estado a perder uma série de batalhas importantes. Veja-se o caso da ex-ministra das Pescas escolhida por João Lourenço, Victória de Barros Neto, que tem as contas bancárias bloqueadas por ordem da Procuradoria-Geral da República, ao mesmo tempo que contra ela foi instaurado um processo-crime.
João Lourenço quis caçar leões, preparou toda a comitiva, mostrou armamento pesado e atiradores de alto gabarito. Todos, ou quase, acreditaram que seria desta que os leões virariam troféus. Chegados ao local, os leões apareceram, os caçadores fizerem pontaria e puxaram o gatilho.
Resultado? Os leões comeram os caçadores. Porquê? As armas de elevado calibre não tinham balas…