Augusto Tomás deve dizer quem são os tais ministros
e generais donos da máfia

O ex-ministro dos Transportes angolano disse hoje, em Luanda, que o seu julgamento está envolto em “outros factores” ligados a funções antigas que exerceu, que resultaram no desmantelamento de redes mafiosas em portos e aeroportos do país. Boa. Já há sons a sair do trombone o que significa que Augusto Tomás pôs a boca no instrumento. Mas será que vai levar a sinfonia até ao fim?

Augusto Tomás começou hoje a ser interrogado no julgamento, que decorre no Tribunal Supremo, desde sexta-feira passada, num processo referente a supostos desvios de fundos públicos do Conselho Nacional de Carregadores (CNC), órgão superintendido pelo Ministério dos Transportes.

No período entre 2008 a 2017, Augusto Tomás, que está a ser julgado com outros quatro co-réus, à data dos factos administradores do CNC, é acusado e pronunciado da apropriação para si de 1,5 mil milhões de kwanzas (mais de quatro milhões de euros), mais 40,5 milhões de dólares (36 milhões de euros) e outros 13,8 milhões de euros, factos que negou “peremptoriamente” em tribunal, por não estarem provados nos autos.

O réu negado a maioria das acusações feitas, salientando que tudo o que fez, nomeadamente a aquisição de participações em sociedade privadas, o frete de aviões, o pagamento de despesas com funcionários do Ministério dos Transportes, como subsídios de alimentação, assistência médica no exterior do país, e outros fora do ministério, o pagamento de facturas de telecomunicações, foram todos realizados com conhecimento e autorização das autoridades e para suprir falhas orçamentais que se verificaram sobretudo a partir de 2014.

O ex-governante admitiu que as despesas foram feitas para o Ministério dos Transportes e “não para o cidadão Augusto Tomás e sua família”, sublinhando que nunca fez uso desse tipo de práticas em toda a sua vida e não tem necessidade de fazer isso.

Para o réu, a sua presença em tribunal e a situação que enfrenta actualmente tem a ver com funções que ocupou num passado recente, designadamente quando foi nomeado, em 2007, secretário de Estado para as Empresas Públicas.

Segundo Augusto Tomás, sempre defendeu, desde 1995, que era necessário uma reestruturação das empresas públicas, que considerava “um dos fundamentais buracos da economia angolana”, pelo seu funcionamento irregular e deficitário.

Já como secretário de Estado, contou que começou a trabalhar para o diagnóstico económico e financeiro das empresas públicas estratégicas mais importantes, nomeadamente a Sonangol, petrolífera estatal, a Endiama, diamantífera do Estado, bancos públicos.

“É assim que eu saio deste órgão. Quando começamos a meter o dedo na ferida surgiram anticorpos contra a minha pessoa, é assim que este órgão é extinto e eu vou parar ao Ministério dos Transportes, como ministro dos Transportes”, explicou.

O sector dos transportes é o que tem mais empresas públicas, actualmente com 14 empresas e sete institutos, avançou Augusto Tomás, sublinhando a magnitude do sector que é transversal ao desenvolvimento da economia do país.

O antigo ministro dos Transportes, que se encontra em prisão preventiva desde 21 de Setembro de 2018, disse que reestruturou as empresas públicas, criando um modelo de governação de duas camadas, de gestores executivos e não executivos, e criando um sistema de monitorização dos indicadores de gestão, recursos humanos, económicos e financeiros e técnicos operacionais.

“Em função disso criámos de facto problemas sérios, tendo em conta que, como é de domínio público, havia um congestionamento portuário de cerca de 90 navios encalhados no Porto de Luanda, com despesas diárias por navio de 25 mil dólares, com despesas anuais de mais de 2,5 mil milhões de dólares, que revertiam para a população em geral e era necessário desmantelar essa rede mafiosa que era dirigida pela máfia do shipping internacional”, referiu.

“E o senhor Augusto Tomás foi escolhido para liderar essa luta e desmantelamos essa rede em menos de três meses. Porque Angola tinha o frete mais caro do mundo, como Angola tem o combustível mais caro de aviação do mundo”, acrescentou o réu, realçando as várias diligências internacionais feitas, com Angola a acabar por aderir a Convenções internacionais em relação à aviação civil.

Para evitar que o aeroporto internacional de Luanda fosse parar à lista negra e Angola visse inviabilizada a sua aviação civil, Augusto Tomás lembrou que foi necessário “tomar medidas bastante duras”.

“É lógico que tivemos que meter no chão, por exemplo, 12 companhias aéreas de ministros de Estado, de generais e de ministros, foi necessário também nessa altura tomar medidas para reverter o quadro anormal que havia no aeroporto de Luanda. Impedir que as pessoas que tinha as companhias aéreas fossem com as suas viaturas até aos aviões. Fechámos 17 entradas, com betão, no aeroporto de Luanda e um colega general ameaçou explodir o aeroporto de Luanda. O Presidente José Eduardo [dos Santos] disse: eles pensam que eles é que mandam”, contou.

Sobre estes detalhes que avançou em audição, Augusto Tomás disse que foram apenas “para dar a entender quem é a pessoa que neste momento está a ser julgada”.

“Porque há outros contornos à volta da minha prisão. Portanto, não é por acaso que eu permaneci dez anos no Ministério dos Transportes, porque é uma luta titânica de uns contra gigantes, é lógico que tinha que terminar assim”, disse.

Ao terminar, Augusto Tomás recorreu a um adágio de Cabinda, província de onde é natural, para dizer que “às vezes as pessoas confundem a essência com a aparência”.

“O papagaio tem o bico preto, o sardão tem o bico vermelho, há dendê e quem come o dendê é o papagaio, mas quem tem o bico vermelho é o sardão, quer dizer que por vezes as aparências iludem”, referiu.

O Tribunal Supremo está a julgar além de Augusto Tomás, os co-réus Isabel Bragança, acusada de se ter apropriado indevidamente de 34,1 milhões de kwanzas (91,5 mil euros), mais 110.493 dólares (98 mil euros) e 276.500 euros, Rui Moita acusado de se ter apropriado de 5,5 milhões de kwanzas (14,7 mil euros), 37.000 dólares (32,9 mil euros) e 1.000 euros, Manuel Paulo acusado de ter ficado com 7,2 milhões de kwanzas (19,3 mil euros), 32.100 dólares (28,6 mil euros) e 8.000 euros, e Eurico da Silva acusado de ter beneficiado de 325.000 dólares (289 mil euros), 10 milhões de kwanzas (26,8 mil euros) e outros 195.000 dólares (173 mil euros).

Os réus são acusados dos crimes de peculato, associação criminosa, branqueamento de capitais, abuso de poder, compulsão, participação económica em negócio, recebimento indevido de valores e de violação das normas do plano de execução de orçamento, com uma responsabilidade solidária na apropriação de 507 milhões de dólares (452,4 milhões de euros) e 3,4 milhões de euros.

Folha 8 com Lusa

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