As “fake news” só o são se não agradarem ao Poder

Órgãos de comunicação social angolanos consideraram que, “apesar de incontornáveis”, as falsas notícias, podem ser “acauteladas”, defendendo a “verificação e fundamentação contínua” das notícias que circulam, sobretudo nas redes sociais, antes da sua publicação.

Recordemos o ponto 6 do Código Ético e Deontológico dos Jornalistas do Folha 8: «O Jornalista do Folha 8 assume sempre a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, e deve ser rápido na rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas.»

Segundo a directora adjunta de informação da Televisão Pública de Angola (TPA), Fernanda Manuel, a questão das ‘fake news’ é “complicada e delicada” de lidar, sobretudo quando há uma “ânsia de publicar a informação em primeira-mão”.

Mas, observou, deve ser “preocupação constante” dos órgãos de informação verificar sempre toda e qualquer informação ao seu alcance, porque, referiu, as redes sociais “tomaram conta hoje do quotidiano das sociedades”.

“Há todo um cuidado que tem de haver em verificar tudo o que nos chega. Aqui, na TPA, nós, direcção de informação, temos todo um cuidado para evitar lançar para o ar notícias que depois não são verdadeiras”, afirmou.

Em declarações à Lusa, Fernanda Manuel sublinhou que as cautelas na verificação das notícias “devem ser diárias”, considerando que “há sempre mecanismos” para verificar as informações que surgem sob pena de se ser “arrastado para situações complicadas”.

“Tem de haver este cuidado, não há outra maneira de se evitar isso”, realçou. Segundo a directora adjunta de informação da TPA, o órgão público agora redobra os cuidados na abordagem com as informações que circulam, pelo facto de também já ter divulgado notícias falsas.

“Acabamos por ser arrastados por uma situação que, depois, veio a revelar-se que não era exactamente assim como tínhamos noticiado. A partir daí, redobramos a nossa atenção nos cuidados que temos de ter em relação a tudo que nos chega”, sustentou.

Fernanda Manuel entende mesmo que, apesar de “inevitáveis”, sobretudo com a velocidade das redes sociais, as sociedades devem jogar um “papel primordial”, pois têm de ter também “o cuidado e a capacidade de filtrar” as ‘fake news’ para evitar que haja um “pânico generalizado”.

Por seu lado, o chefe de redacção da rádio Luanda Antena Comercial (LAC), Pedro Fernandes, que também já replicou uma falsa notícia, a temática das ‘fake news’ “preocupa não apenas os jornalistas angolanos, mas grande parte das sociedades de muitos países”.

“É uma matéria que está aí, que temos de lidar com ela. Sei que, em Angola, já há casos desses. Penso que deverá ser produzida matéria legislativa para acautelar que muitos de nós incorram na divulgação das ‘fake news'”, disse.

Segundo o jornalista, a LAC pauta-se pelo equilíbrio e os princípios elementares na elaboração da notícia, com a preocupação em cruzar sempre as fontes, no sentido de divulgar uma notícia fundamentada.

“Com o recurso às plataformas digitais temos também de ter essa preocupação, uma vez que toda a notícia que é produzida e é difundida tem de estar devidamente fundamentada para não incorrermos em situações que possam macular a credibilidade da nossa informação”, argumentou.

Para Pedro Fernandes, pelo facto de as ‘fake news’ serem “incontroláveis”, esta deve ser a razão para o devido cuidado e cautela para evitar que, face à velocidade da informação, os jornalistas angolanos “não sejam ingénuos”.

“Temos de procurar que essa informação seja devidamente fundamentada de forma a que a notícia seja fundamentada”, justificou.

“Eu próprio também já fui e já incorri numa situação de ‘fake news’ naquele afã de querer dar a notícia e vi, mais tarde, que a notícia não correspondia à verdade”, admitiu.

Como é o Jornalismo no Folha 8

Gostamos (por defeito de fabrico) de manter viva a peregrina ideia gerada e nascida em Angola, de que não se é Jornalista sete horas por dia a uns tantos kwanzas, dólares ou euros por mês, mas sim 24 horas por dia… mesmo estando desempregado.

Reconhecemos, contudo, que essa é uma máxima cada vez menos utilizada e, até, menosprezada por muitos dos que mais recentemente chegaram a esta profissão e, até, pelos que há muito vagueiam pelas redacções mas que só agora estão (se é que estão) a chegar ao jornalismo.

Angola vive agora uma velha – mas sempre nova – realidade que, contudo, é corrente em diversos países ditos evoluídos. Os jornais (é claro que também as rádios e as televisões) não são um produto feito à medida dos jornalistas e/ou dos consumidores mas, isso sim, dos interesses comerciais, políticos, politiqueiros, partidários em jogo.

No caso angolano começam a ser, cada vez mais, um negócio ou, melhor, uma forma de comércio. São apenas mais um produto em que os seus fazedores (na circunstância catalogados de jornalistas) são escolhidos à e por medida pelos donos do poder, seja ele apenas político ou político e económico.

E, como tal, os jornalistas angolanos tendem a ser forçados a obedecer às regras da oferta e da procura. Mais do que informar, mais do que formar, têm de ajudar a vender tudo, de políticos a generais.

E se em Portugal, por exemplo, os jornalistas são os montadores que, de acordo com o mercado, alinham as peças de um crime, de um comício, de um atentado ou de um buraco na rua, em Angola são comprados, presos ou ameaçados para que possam assinar textos que ajudem a vender o partido do Governo para que se perpetue no Poder.

Angola vive, aliás, a fase em que os jornalistas têm a sobrevivência no fio da navalha que é manipulada por generais políticos ou por políticos generais. Se teimarem em ser Jornalistas acabam nas prisões, no estômago dos jacarés ou chocam contra uma bala de borracha que depois de disparada para o ar se transforma em chumbo.

E porque, naturalmente, todos queremos sobreviver e ter uma vida digna, resta aos que têm preço (mas não têm valor) integrar as linhas de montagem que, como muito bem sabem os generais políticos e os políticos generais, não precisam de jornalistas. Apenas precisam de autómatos. E desde que estes façam tudo o que o dono do poder quer, até poderão ostentar a designação profissional de jornalista.

As “fake news” e o Governo

Oministro da Comunicação Social afirmou n o dia 13 de Novembro de 2018 que, tendo como pano de fundo as chamadas “fake news”, “parece estranho discutir o tema ‘boas notícias’”, sendo esse um desafio da comunicação social no mundo e também em Angola.

E o que são boas notícias? Algo milimetricamente coincidente com a propaganda.

João Melo falava, enquanto moderador, numa mesa redonda organizada num hotel em Talatona, arredores de Luanda, pelo Ministério da Comunicação Social, subordinado precisamente ao tema “Boas Notícias”, que contou com um painel de três jornalistas, entre eles o português Ferreira Fernandes, director do Diário de Notícias, e angolano Reginaldo Silva.

Salientando os esforços empreendidos no último ano pelo Governo angolano para abrir a comunicação social em Angola (o que significa desde logo que ela estava fechada nas celas do MPLA – o único partido no poder há 44 anos), João Melo admitiu que os desafios provocados pelo fenómeno das redes sociais trazem “novos desafios à comunicação social”.

Um deles, exemplificou fazendo uma analogia com o futebol, está ligado aos “milhares de treinadores de bancada”, pois as redes sociais permitem agora a qualquer pessoa comentar seja qual tema for, sabendo-se de antemão que “o que vende” são notícias sobre “crimes, tragédias, mortes e guerras”.

Sobre o tema, Reginaldo Silva, jornalista angolano e um dos oradores na mesa redonda, considerou o tema pertinente, lembrando que, após a independência de Angola, em 1975, o jornalismo militante, com base no “Partido Estado” (qua ainda hoje impera, acrescente-se), foi preponderante na divulgação de boas notícias, “orientadas pelo MPLA”. Tal como hoje continua a acontecer.

“As boas notícias eram também as únicas, pois a propaganda assim o exigia. Fizeram época e ai de quem não escrevesse boas notícias. Hoje, todos percebem de tudo, temos a nossa razão como ‘treinadores de bancada’, como referiu o ministro, mas faz todo o sentido falar das boas e más notícias, embora uma notícia possa ser boa para uma pessoas e má para outra”, realçou.

Outro jornalista, Carlos Rosado de Carvalho, director do semanário económico Expansão, defendeu, por seu lado, que “não há boas nem más notícias”.

“Há notícias. Aquelas que cumprem as regras do jornalismo, bem escritas, cumprindo o contraditório e a ética profissional, pelo que a mensagem se torna secundária. As notícias têm de ser bem feitas. Um jornalismo responsável é aquele em que se diz a verdade. Mas uma boa notícia também não tem de ser necessariamente propaganda”, afirmou.

Para Rosado de Carvalho, apesar de o sector da comunicação social em Angola ter crescido significativamente nos últimos anos, o grande problema ainda reside na formação e na falta de preparação para a profissão, onde se nota sobretudo a falta de especialização, por exemplo, no de cariz económico.

José Ferreira Fernandes, por seu lado, destacou que escrever “boas notícias” e “escrever com base em propaganda” não são a mesma coisa, mas voltou a levantar a questão de que uma boa notícia para uma determinada personalidade ou pessoa, pode ser o oposto para outra.

Segundo Ferreira Fernandes, natural de Luanda, um exemplo de “boas notícias” é o facto, “pouco realçado”, de que Angola tornou-se “unida” após o final da guerra, em 2002, e que o conflito civil “acabou mesmo” – “isto é pouco contado e serve de exemplo para o resto”.

O activista social Fernando Pacheco, agrónomo de formação e comentador frequente nas páginas dos jornais angolanos, destacou, por seu lado, o actual clima de abertura na comunicação social em Angola, realçando que o modo como está a apresentar o país “é o instrumento mais importante da governação”.

“Abre portas a outras conquistas, abre a porta a debates na comunicação social. Se isso são boas ou más notícias isso já é diferente. Falta preparação aos profissionais”, concluiu.

“Jornalismo” servil

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, é o que o ministério da Comunicação Social pretende para Angola. A tese (adaptada do tempo de partido único) é do secretário de Estado do sector, Celso Malavoloneke.

Convenhamos, desde logo, que só a própria existência de um ministério da Comunicação Social é reveladora da enormíssima distância a que estamos das democracias e dos Estados de Direito. De quanto longe estamos do Jornalismo e do quanto perto permanecemos da propaganda, se bem que esta também tenha evoluído.

O Ministério da Comunicação Social quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico.

Quem é o secretário de Estado, ou o ministro, ou o próprio Titular do Poder Executivo, para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?

Esta peregrina ideia de Melo, Malavoloneke e companhia foi categoricamente manifestada no dia 27 de Fevereiro de 2018, na cidade do Huambo, na abertura do seminário dirigido aos jornalistas das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango.

Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke informou que o Ministério da Comunicação Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.

Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Celso Malavoloneke lembrou – e muito bem (as palavras voam mas os escritos são eternos) – que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar. É que ministros e secretários de Estado também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminhas que o Presidente exige.

Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.

Sejam implementadas as teses do ministro João Melo, que ao fim e ao cabo pouco diferem das anteriores, a não ser na embalagem, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.

Dar voz a quem a não tem? Isso é que era bom! Não é para isso que temos um Ministério da Comunicação Social e uma Entidade Reguladora da Comunicação Social.

Alguns leitores perguntaram-nos por que razão o Folha 8 (como outros) não é convidado para estes eventos, ainda por cima sendo eles pagos com o dinheiro de todos nós. Não somos convidados porque os donos da verdade oficial (Melo, Malavoloneke e Cª) entendem que não somos “patriotas”, não aceitam a nossa tese de que se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil, e de que se sabe o que se passa e se cala é um criminoso.

Folha 8 com Lusa

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