Ainda falta erradicar as sequelas do colonialismo?

O Presidente da República, João Lourenço, solenemente acompanhado (como nunca poderia deixar de ser) pelo Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, inaugurou hoje a Academia de Ciências Sociais e Tecnologias, uma instituição de ensino superior pública, que custou ao Estado 72,9 milhões de dólares, 90% dos quais financiados pelo Eximbank da China. Como dizia Agostinho Neto (em 1977), as nossas universidades devem “estar ao serviço da revolução e constituir um dos factores de combate às sequelas do colonialismo e para a implantação de uma democracia popular…”

O empreendimento construído no município de Belas, nos arredores de Luanda, segundo o director-geral do Serviço de Inteligência Externa de Angola, José Luís Caetano de Sousa, visa dar formação em serviços de informação a quadros de instituições estratégicas do Estado, sobretudo as que lidam com o estrangeiro, sendo-lhes ministrados os princípios dos modos de ser e de estar em missões de serviço de Estado no exterior do país.

A academia, que tem já acordos de cooperação com Portugal e Cuba, perspectivando-se também com universidades do Brasil, Espanha, França e África do Sul, tem os cursos de mestrados em Globalização e Segurança, Direito, Segurança e Inteligência, em Economia e Finanças Internacionais, Segurança de Redes de Comunicação, pós-graduações em Inteligência Estratégica, em Inteligência e Estudos de Segurança.

A academia tem ainda cursos de Língua Inglesa e Francesa, cursos de línguas regionais Lingala e Suaíli, prevendo-se ainda, no âmbito da cooperação com serviços homólogos da região, a formação de especialistas, incluindo em Língua Portuguesa, que tão maltratada é mesmo pelos mais altos dignitários de um país que, supostamente, é de língua oficial portuguesa.

Além dos cursos existentes, está previsto nos próximos três anos a inserção de cursos de mestrado nas áreas de Engenharias, Ciências Sociais, formações avançadas nas áreas de Inteligência e Segurança do Estado, bem como doutoramentos.

“A partir daí, a previsão será abrir o acesso ao público, como forma de aumentar a rentabilidade, sendo também possível a rentabilização mais cedo de parte do hotel, refeitório, cafetaria, área desportiva e de preparação de tiro”, referiu José Luís Caetano de Sousa.

A construção destas instalações, enquadrada no programa de investimento público, foi executada pela empresa chinesa CEIEC, no valor total de 72.998.580 de dólares (65,4 milhões de euros), dos quais 90% por financiamento externo, via Eximbank da China, e 10% via recursos ordinários do tesouro do Ministério das Finanças.

José Luís Caetano de Sousa referiu que o empreendimento foi edificado num espaço considerado reserva do Estado, mas que tem sido objecto de reivindicações por parte de camponeses, que reclamam por indemnizações no valor global de 266 milhões de kwanzas (729,5 mil euros, ao câmbio actual).

Segundo o director-geral do Serviço de Inteligência Externa, a academia é um órgão dependente da unidade orçamental do serviço de inteligência externa, que conta com a dotação orçamental, porém há necessidade de um reforço orçamental de cerca de 14 milhões de kwanzas (38,4 mil euros) mensais para suporte de despesas de manutenção das instalações.

Apesar de o contrato ter previsto o apetrechamento do edifício, há necessidade de equipamentos técnicos de laboratórios, nomeadamente de biomedicina, química e informática.

“Para a concepção e estruturação de uma instituição com estas características foram considerados como basilares os seguintes indicadores: contexto global do mundo cada vez mais influenciado pelo desenvolvimento científico e tecnológico, carácter cada vez mais complexo e agressivo das formas de manifestação das ameaças transversais à geopolítica mundial e a realização de crimes transnacionais”, salientou.

A necessidade de superação profissional permanente, em correspondência com a dinâmica das alterações das ameaças, a urgência em dotar os serviços de informação angolanos de quadros com a capacidade científica que potenciem as suas necessidades técnico-profissionais, a contribuição destes serviços para a avaliação dos fenómenos de natureza diversa com impacto na geopolítica mundial e no desenvolvimento científico e tecnológico do país, foram, igualmente, tidos em consideração na criação da academia.

Projecto lançado José Eduardo dos Santos

O Projecto de Decreto Presidencial que cria a Academia de Ciências Sociais e Tecnologias foi aprovado a 24 de Fevereiro de 2016 na 2ª Sessão do Conselho de Ministros realizada em Luanda sob orientação do Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos.

Na altura foi referido que a criação desta academia surgiu particularmente para dar resposta aos desenvolvimentos da rede privativa do estado, na governação electrónica e das ligações que são mantidas entre os governos provinciais com os municípios e comunas.

De acordo com o ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, José Carvalho da Rocha, pretende-se com este novo instituto fazer com que se possa de facto maximizar todas as infra-estruturas existentes no país, referindo que o mesmo visava também massificar o uso das tecnologias de informação na administração central e local do estado.

Acrescentou que o objectivo é procurar racionalizar todo esse investimento que o Estado realizou nas redes, nos datas centers e também fazer com que com ele se possa rapidamente promover a governação electrónica e continuar a prestar um serviço aos cidadãos.

Recorde-se que Angola vai enviar, anualmente, 300 licenciados para “as melhores universidades do mundo”, iniciativa governamental que vai permitir aos estudantes angolanos “beneficiarem do contacto com as experiências formativas e científicas e dos efeitos da aprendizagem em contexto de alta exigência”. A informação consta num decreto aprovado pelo Presidente João Lourenço, de 22 de Fevereiro de 2019.

O programa integra a Estratégia Nacional de Desenvolvimento de Recursos Humanos, do Programa Nacional de Formação de Quadros (PNFQ) e o Programa de Emprego e Formação Profissional, nos quais estão previstas acções direccionadas a “assegurar a formação e qualificação de recursos humanos que correspondam às necessidades de desenvolvimento do país”, ficando a sua coordenação a cargo do ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social e a sua execução pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Segundo o decreto presidencial, o Estado deverá identificar as “melhores instituições de ensino superior e de investigação estrangeiras, com o apoio das embaixadas angolanas”.

Abrangidos por este programa estarão angolanos a residir em Angola que tenham obtido mérito académico e angolanos no estrangeiro que frequentem pós-graduações em instituições de ensino superior de referência e não sejam beneficiários de bolsa de estudo por parte do Governo de Luanda.

Além da nacionalidade angolana, os interessados devem corresponder a um conjunto de requisitos, como ter até 30 anos, no caso de mestrado, ou 35 anos, no caso de doutoramento, ter completado o grau académico anterior àquele em que pretendem ingressar, uma média igual ou superior a 16 nos níveis académicos precedentes e, no caso dos candidatos do sexo masculino, ter a situação militar regularizada.

Aos candidatos seleccionados será concedida uma bolsa de estudo de acordo com os critérios de candidatura para as despesas no país de acolhimento.

“Elaborou-se uma estimativa de orçamento anual para 300 estudantes, multiplicando-se o valor por cinco anos, para o cumprimento da totalidade do programa, orçando em 10.930.555.382,50” kwanzas (cerca de três milhões de euros). Além deste valor, o Executivo calcula um valor anual de 200.000 dólares (cerca de 176.500 euros) destinados à componente da investigação científica e para a participação em eventos científicos.

A par de mais faculdades no país

O Governo do MPLA (o único que Angola conheceu desde que se tornou independente, em 1975) assume também a promessa de construir sete novas faculdades públicas até 2022 e elevar a mais de 33.000 o número de estudantes que anualmente saem formados das instituições de ensino superior do país.

A pretensão (promessa, demagogia) consta do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na actual legislatura.

Especificamente para “melhorar a rede de instituições de ensino superior”, o PDN incluiu um programa para “permitir o crescimento de cursos e de pós-graduações”, além de “melhorar a qualidade do ensino ministrado”. Nem mais nem menos. Vale tudo.

“Evidencia, ainda, a importância que o Executivo atribui ao desenvolvimento da investigação científica e tecnológica, nomeadamente através da carreira de investigador”, sublinha o plano elaborado pelo Governo do MPLA para os próximos anos e que, neste como noutros sectores, promete fazer até 2022 o que o MPLA não conseguiu fazer em 44 anos de independência. Nada de novo, portanto.

Frequentavam o ensino superior em Angola em 2017 cerca de 255.000 estudantes, um aumento de 5,6% face ao ano anterior, distribuídos por 24 universidades públicas e 41 privadas, segundo dados oficiais.

Entre as metas deste programa estão a formação, até 2022, de mais de 33.000 graduados em cada ano, bem como a abertura de sete novas faculdades, nove institutos e quatro escolas superiores, no mesmo período.

Está também previsto o apoio para formação de 772 novos mestres e 125 novos doutores, no exterior, até 2022, bem como a capacitação de 1.500 docentes universitários.

O Governo do MPLA quer ainda – de acordo com o seu calendários de promessas – 40 novos investigadores doutorados nas áreas da ciência e tecnologia e 300 projectos de investigação científica e tecnológica financiados até 2022, bem como financiar a reabilitação e apetrechamento de 26 laboratórios de investigação científica em Instituições de Ensino Superior.

A atribuição de “pelo menos” 6.000 bolsas de estudo a estudantes universitários, a construção de seis reitorias universitárias e a implementação da Academia de Ciências de Angola são outros dos objectivos do Governo assumidos no PDN.

O objectivo passa, desde logo, por “aumentar o número de graduados no ensino superior, em especial em áreas de formação deficitária”, mas também “dotar o corpo docente nacional com maiores níveis de qualificação”, para “melhorar a qualidade do ensino superior em Angola”.

Se João Lourenço manda dizer…

O Executivo vai dotar (diz) o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação de um mecanismo de financiamento para que as instituições e actores singulares possam candidatar-se à execução de projectos, acções e actividades de suporte ao Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, anunciou o Presidente da República, João Lourenço.

Se cumprirem (só) metade das promessas… Angola será um excelente país.

João Lourenço adiantou (26 de Fevereiro de 2018 em Saurimo) que a falta deste mecanismo de financiamento tem sido um dos maiores constrangimentos da prática da investigação científica em Angola, onde se verifica uma falta gritante de quadros altamente qualificados e com experiência comprovada.

Fica bem, de vez em quando, ser também o Titular do Poder Executivo a “inventar” a pólvora. E para constatar o óbvio não é necessária muita investigação científica. Basta olhar para o que o MPLA prometeu ao longo de dezenas de anos e nunca cumpriu.

Recém-chegado ao poder (só lá está há quase… 44 anos) o MPLA descobriu agora (entre outras pérolas) que Angola precisa de mais qualidade nas instituições universitárias.

João Lourenço lembra (mas se calhar não se lembra) que o país “continua a exportar as suas riquezas em estado bruto para o exterior” (exportar para o exterior não está mal, não senhor), para depois comprar de volta os produtos transformados a preços exorbitantes. Além disso, sublinhou, a atitude contribui para dar emprego aos operários de outros países em detrimento dos angolanos.

“Precisamos de encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessidade da formação massiva de quadros que o país precisa e o rigor na qualidade desses mesmos quadros superiores”, diz João Lourenço, para acrescentar: “Devemos encorajar e promover a cultura de premiar o mérito no ensino, o mérito no trabalho e em tudo o que fazemos”.

Ou seja, João Lourenço diz que os angolanos devem olhar para o que o MPLA diz mas não, é claro, para o que faz. Isto porque se no regime existisse de facto a cultura do mérito, muitos dos seus quadros, ditos superiores, estariam a cultivar loengos no deserto.

De acordo com o “querido líder” do MPLA, o crescimento que o país vive na construção de estradas, caminhos-de-ferro, barragens hidroeléctricas, fábricas, portos e aeroportos, hospitais e fazendas agrícolas, deve ser acompanhado de formação de quadros que possam garantir a continuidade e manutenção dos projectos. “Apesar da maior necessidade que o país tem na formação de quadros é necessário assegurar a sua qualidade a todos os níveis de ensino”, diz João Lourenço.

João Lourenço recorda (numa manifesta passagem de um atestado de matumbez aos angolanos) que o MPLA sempre estabeleceu como prioridade a educação e o ensino nos seus programas de governação, através de atribuição de bolsas de estudo para países como Cuba, Rússia, Portugal, França, Reino Unido, Itália, EUA, Nigéria e Marrocos.

“Foram milhares os quadros angolanos superiores formados em diferentes áreas do saber nesses países e que hoje contribuem para o desenvolvimento do nosso país”, disse.

Agostinho Neto, definiu assim a missão da Universidade de Angola (discurso proferido no dia 12 de Setembro de 1977): “(…) Estar ao serviço da revolução e constituir um dos factores de combate às sequelas do colonialismo e para a implantação de uma sociedade justa e progressista em Angola. A universidade deve gerar os quadros nacionais com uma nova mentalidade, capazes de funcionar como artífices de uma nova sociedade visando o triunfo da democracia popular”.

O “apelo” de Agostinho Neto de que a Universidade gerasse “quadros nacionais com uma nova mentalidade, capazes de funcionar como artífices de uma nova sociedade” já não foi ouvido pelos milhares e milhares de angolanos que, alguns meses antes (27 de Maio de 1977), ele próprio mandou assassinar.

Agostinho Neto “regou” com o sangue desses angolanos a sua “democracia popular”…

Folha 8 com Lusa

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