A pólvora de Cravinho

O ministro da Defesa de Portugal, João Gomes Cravinho, vai propor hoje, na conferência ministerial na Organização das Nações Unidas (ONU), a formação de militares da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para missões de paz. Portugal gosta mesmo, num orgasmo canibalesco, de gozar com a chipala da malta lusófona. Este é mais um exemplo.

João Gomes Cravinho disse em entrevista à Lusa, em Nova Iorque, que a participação portuguesa de hoje na Conferência Ministerial sobre Operações de Manutenção de Paz, vai incluir “uma proposta nova” de trabalho conjunto na CPLP para a contribuição com militares em missões da ONU.

“Vamos avançar com uma proposta nova (…) para trabalharmos juntos no âmbito da CPLP, para a formação de militares para missões de paz”, disse o ministro, sugerindo também a “criação de oportunidades de trabalho conjunto” para os nove países-membros.

O governante partilhou a “expectativa de que a CPLP possa vir a ser (…) uma instituição promotora, exportadora de paz e estabilidade para outras partes do mundo”.

João Gomes Cravinho considerou que a CPLP tem “uma diversidade grande e uma riqueza grande de experiências em matéria de operações de paz”.

Os argumentos para a proposta de formação de militares da CPLP são a participação de países lusófonos em missões de paz pelo mundo e também da experiência dos países que já receberam operações de paz das Nações Unidas nos seus territórios.

Quatro países da CPLP já tiveram assistência das Nações Unidas nos processos de transição de poder e na cessação de conflitos: Moçambique (ONUMOZ, entre 1992 e 1994), Angola (UNAVEM de 1989 a 1995 e MONUA de 1997 a 1999), Timor-Leste (UNTAET de 1999 a 2002 e UNMISET de 2002 a 2005) e Guiné-Bissau (UNOGBIS a partir de 1999, actualmente UNIOGBIS até Março de 2020).

Os nove países CPLP são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Felino da farsa ou a farsa do Felino?

O exercício militar Felino 2016, inserido nesse paquiderme branco que dá pelo nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizou-se em Setembro de 2016 na Praia, Cabo Verde, com a participação de 90 militares dos nove países que integram a organização dita lusófona.

O exercício, que tem como objectivo desde que nasceu há 19 anos a preparação de uma força conjunta da CPLP, optimizando a sua capacidade de intervenção em missões humanitária e de paz. Ou seja, tem o mesmo objectivo que a criatura João Gomes Cravinho agora desfralda junto da ONU. É preciso ter lata? É. Mas isso é coisa que sobre em Portugal.

O exercício decorreu no continente fictício (tal como a CPLP) “Gama”, “instalado” em três pisos do edifício do Estado Maior General das Forças Armadas (EMFA) e onde, ao longo de duas semanas, os militares foram confrontados com situações simuladas de incidentes para testar a capacidade de reacção das diversas forças.

Todas as acções foram executadas com recurso a mapas, cartas e meios de comunicação e, os cenários simulados no formato Exercício em Carta (EC), foram depois aplicados na modalidade Exercícios com Forças no Terreno (EFT).

“Encontrámo-nos perante um dos mais importantes eventos da CPLP, a realização de um exercício militar multinacional, que evidencia a determinação dos nossos países em desenvolver um esforço comum no sentido de conferir maior projecção e visibilidade às capacidades da comunidade em matéria de segurança colectiva e cooperativa”, defendeu o então Chefe de Estado Maior das Forças Armadas de Cabo Verde (CEMFA), Anildo Morais.

Anildo Morais falava na cerimónia de abertura do Felino 2016, perante os militares das delegações de Angola (9), Brasil (17), Guiné-Bissau (5), Guiné Equatorial (7), Moçambique (2), Portugal (10), Timor-Leste (10) e São Tomé e Príncipe (2).

Tretas habituais e pouco inovadoras

Sabemos que essa coisa da memória é uma constante chatice. Mas por ser assim tão chata é que a continuamos a alimentar. Por outro lado, a coluna vertebral e outros “instrumentos” são cada vez mais decorativos. Mas, mesmo assim, respeitando todos aqueles, e são cada vez mais, que não têm esses predicados, continuamos a valorizá-los como membros de uma minoria.

Recordamo-nos que o, na altura, chefe do Estado Maior General das Forças Armadas portuguesas (CEMGFA) considerou em 24 de Setembro de 2008 estarem criadas as bases da doutrina militar para o emprego de uma força conjunta da CPLP.

Luís Valença Pinto regozijou-se na altura com a participação, pela primeira vez, de forças de todos os países que compõem a CPLP no exercício FELINO concluído então na área militar de S. Jacinto, em Portugal.

No balanço que fez desse exercício conjunto, o CEMGFA considerou que o Felino 2008 permitiu lançar as bases de doutrina militar para criar uma força conjunta que possa ser activada para missões de paz, sob a égide das Nações Unidas.

“Portugal ensinou e aprendeu muito e a conduta táctica permitiu recolher referências para essa doutrina militar, cujas bases deverão ser testadas em 2009, em Moçambique”, disse Luís Valença Pinto, acrescentando que a construção dessa doutrina militar é condição de base para o emprego comum de forças da CPLP, já que há países de dimensão muito diferente e com realidades distintas das de Portugal, como elemento da NATO.

O CEMGFA salientou que, devido à cooperação militar, seria viável até aqui uma intervenção bilateral ou trilateral, mas não a oito, do ponto de vista militar, dada a necessidade de harmonizar conceitos, técnicas e tácticas, que foi o objectivo do Felino 2008.

No terreno desde 2000, os Felino visam treinar o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação de resposta a uma situação de crise ou guerra não convencional, por parte das Forças Armadas dos estados-membros da CPLP.

Em teoria, e é só disso que vive a CPLP, as forças Felino poderiam actuar por livre iniciativa da CPLP quando a situação é de crise num dos seus estados-membros.

Em termos políticos, de acordo com o especialista angolano em Relações Internacionais Eugénio Costa Almeida, “o grande problema da CPLP é não ter, ao contrário da britânica Commonwealth ou da Communauté Française, um Estado com capacidade de projecção e liderança que defina e determine as linhas de actuação da Comunidade, tal como faz Londres ou Paris”.

O facto, “ainda não ultrapassado e se calhar de difícil solução, de a CPLP não falar a uma só voz, de não ter uma voz de comando que determine o rumo a seguir, leva a que, em situações de crise num dos seus membros, sejam terceiros a resolver o problema”, disse Eugénio Costa Almeida ao Folha 8 em 2016.

E, assim, enquanto os militares da CPLP brincam aos… militares, recorrentemente na Guiné-Bissau os militares, ou similares, vão-se exercitando com as AK-47 e por falta de alvos convencionais… matam-se uns aos outros.

Como nota de rodapé refira-se que este João Gomes Cravinho, novo ministro português da Defesa, comparou em Novembro de 2005, em entrevista ao Expresso, Jonas Savimbi (que tinha morrido três anos antes) a Hitler.

Artigos Relacionados

Leave a Comment