A verdade sobre a batalha do Kuito Kuanavale

É hoje um facto indesmentível que partimos mal como Estado independente em 1975. É costume dizer-se que errar é humano, mas persistir no erro torna-se perigoso sobretudo quando se trata da gestão da coisa pública e particularmente quando se trata de gerir um país com uma estrutura sócio-cultural complexa na sua constituição como é o caso dos países africanos.

Por Paulo Lukamba Gato

Quer queiramos admiti-lo como não, o nosso país vive hoje uma época histórica que devia ser melhor aproveitada para um exercício introspectivo honesto, profundo e inclusivo com vista a podermos identificar com precisão o que de facto está mal e dar-se um novo rumo ao nosso país, que como disse antes arrancou mal há 43 anos e os efeitos são por todos visíveis nos dias de hoje.

Há, portanto, que ter coragem para identificar esse mal e extirpa-lo definitivamente.

Ao preparar a minha intervenção fui pesquisar para encontrar a melhor definição possível de tolerância. Encontrei uma que acho que se adequa bem ao nosso caso. É da autoria de um político francês da história contemporânea que dizia e eu cito: ‘’a tolerância consiste na capacidade que os homens têm de relativizar o absoluto’’. Citei François Mitterrand.

O nosso país não se vai erguer com base na velha teoria do “único e legítimo representante do povo angolano”. Essa teoria já foi denunciada e desqualificada desde 1991, mas ainda resiste na mente de muitos de nós.

Quando trazemos hoje e para esta casa, o debate sobre um episódio da nossa guerra civil, uma guerra fratricida, estamos a querer enaltecer um efeito ou uma consequência do que chamei um arranque falhado da nossa República em 1975. É preciso, portanto rectificar e não enaltecer esse facto.

Afinal o que foi o Kuito Kuanavale?

O Kuito Kuanavale foi tão somente o palco da última grande batalha da nossa guerra civil fratricida em que cada uma das partes beligerantes alinhou os seus aliados para sustentar o seu ponto de vista.

Kuito Kuanavale foi o ponto de partida para ofender o território da Jamba e por esse facto se tornou simultaneamente a linha defensiva mais avançada para a defesa da Jamba.

Tenho dito que do ponto de vista filosófico, a Guerra não é um confronto militar entre exércitos. Ela é sim, um confronto entre “ideias força” sobre um projecto de sociedade. No caso de Angola havia um projecto articulado com base no sistema de partido único e do outro uma democracia multipartidária.

Felizmente e na sequência dessa famosa batalha estamos aqui hoje tentando implementar e aprofundar o sistema democrático. Considero por isso, que se vencedor houve, esse vencedor foi só o povo angolano que conseguiu conquistar ao preço de enormes sacrifícios um sistema democrático.

Dado o contexto internacional em que decorreu, a solução do nosso conflito foi igualmente objecto de tratamento global no quadro dos conflitos regionais no âmbito da guerra fria. Por essa razão o seu desfecho, potenciado pelo desmoronamento do império soviético, teve sérias e positivas repercussões na África do Sul e Namíbia.

O ambiente de distinção política criada com a queda do muro de Berlim e a não tomada da Jamba facilitou sobremaneira as negociações quadripartidas que culminaram com um Acordo Global, no quadro da política do engajamento construtivo, caro a Chester Chocker, então Sub-Secretário de Estado para os assuntos africanos. Esse acordo global determinou a retirada dos aliados estrangeiros de um lado e de outro da barricada; A independência da Namíbia, o fim do apartheid e as negociações directas entre os beligerantes angolanos, isto é, o governo e a UNITA.

Para refrescar a nossa memória colectiva relembro um facto histórico ilustrativo do que acabo de dizer:

No dia 13 de Dezembro de 1990, teve lugar no Departamento de Estado, uma reunião penta partida (US, URSS, Portugal, MPLA e UNITA). Lopo do Nascimento dirigiu a delegação do MPLA e Jeremias Chitunda a delegação da UNITA. As partes discutiram e assinaram um documento intitulado, “Conceitos para Resolver questões Pendentes entre o GRP de Angola e a UNITA”.

Na essência, este documento incluía:

a) o reconhecimento da UNITA como organização politica com direitos;

b) o compromisso do MPLA com o pluralismo;

c) aceitação da realização de eleições;

d) observação internacional do cessar fogo;

e) formação de um exercito nacional na base da paridade.

Mais do que este papel o Kuito Kuanavale não teve nem produziu outro resultado. Transforma-lo num lugar de peregrinação é deturpar a história e inverter valores. Eu tenho a certeza de que nem os sul africanos e nem o povo da Namíbia pensam assim. Senão não precisaríamos de organizar expedições a Kuito Kuanavale eles próprios seriam os promotores da ‘’batalha que os libertou.”

Acho que em nome da paz e da reconciliação que duramente conquistamos, devíamos sim promover símbolos que promovem a unidade Nacional na nossa diversidade. Devíamos lutar sempre para encontrarmos os mais amplos consensos em matérias de interesse Nacional.

Agindo assim, a nossa geração teria cumprindo com o seu papel histórico, a saber:

Dar um rumo diferente ao país nesta nova era histórica em que me parece haver intenção de alterar o paradigma da gestão da coisa pública.

Nota: Intervenção do General Paulo Lukamba Gato no Parlamento.

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