O jornalista e activista angolano Rafael Marques disse esta segunda-feira esperar que o julgamento, em que é arguido e cujo início foi hoje adiado “sine die”, confirme as acusações de corrupção que fez ao ex-procurador-geral de Angola, general João Maria de Sousa.
“Eu sou arguido e neste país aqueles que lutam contra a corrupção é que são os arguidos e não os corruptos”, disse o jornalista, acusado de supostos “crimes de injúrias e ultraje de soberania”, reiterando que mais uma vez vai comparecer em tribunal para “afirmar que ele [João Maria de Sousa] é corrupto” e apresentar as provas daquilo que escreveu.
“O julgamento está marcado e tem de acontecer, tem de haver uma condenação ou uma absolvição. Agora, como é que eu tendo denunciado uma corrupção sou acusado de cometer crimes contra a segurança do Estado”, questionou, considerando o facto “um abuso”.
O início do julgamento foi adiado após o procurador do Ministério Público (MP) ter requisitado o processo, informou a defesa.
Segundo o advogado Horácio Junjuvili, a defesa foi avisada na sexta-feira, por telefone, que o julgamento tinha sido adiado “sine die”, contudo, optaram por comparecer hoje no Tribunal de Luanda porque não foram notificados oficialmente.
“Como é incomum sermos informados por via telefónica, não tínhamos identificado o número do celular que ligou para nós, ainda assim preferimos vir à hora marcada até aqui ao tribunal e o que nos foi dito é que o julgamento foi de facto adiado “sine die”, porque o processo foi requisitado pelo procurador junto do tribunal”, explicou Horácio Junjuvili.
Rafael Marques é visado por ter publicado em 2016 um artigo no seu portal de investigação jornalística Maka Angola, onde levanta suspeitas e apresenta provas de corrupção pelo então Procurador-Geral da República, general João Maria de Sousa.
A acusação, que abrange ainda o director do jornal angolano “O Crime”, Mariano Lourenço, que (como muitos outros, entre os quais o Folha 8) republicou a notícia em causa, refere a “violação” de princípios da “ética e da deontologia profissional”, que se traduzem em “responsabilidade civil, disciplinar e/ou criminal”.
Rafael Marques prometeu reafirmar, quando for ouvido judicialmente, a “corrupção do ex-procurador-geral da República e provar, em tribunal, que é corrupto e que quem devia estar aqui a ser julgado é ele”.
Sobre o processo, o jornalista considerou que é “má-fé, é vilania, é abuso do sistema judicial, para favorecer os poderosos”.
“E é contra isso que teremos de lutar se queremos ter uma sociedade verdadeiramente democrática e justa. Eu tenho provas, apresentei provas e se estivéssemos num país sério, ele teria sido demitido já naquela altura por causa dos actos que tem estado a cometer, porque são ilícitos e que são vários que tenho estado a denunciar desde 2009”, frisou.
Acrescentou que não são novas as denúncias que tem feito, tendo até escrito ao ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, a fazer o relato dos actos ilícitos do antigo magistrado.
“Aqui em tribunal vamos apenas reafirmar aquilo que escrevemos e reforçar a ideia de que são os corruptos que devem estar a ser julgados e não aqueles que denunciam a corrupção e que denunciam os abusos de poder”, salientou.
O artigo de Rafael Marques denuncia o negócio ilícito, realizado pelo ex-procurador de Angola, envolvendo um terreno de três hectares em Porto Amboim, província do Cuanza Sul, para a construção de um condomínio residencial.
“Ao longo do exercício da função de Procurador-Geral da República, o general João Maria Moreira de Sousa tem demonstrado desrespeito pela Constituição, envolvendo-se numa série de negócios”, referia o texto de Rafael Marques, acrescentando que esse “comportamento” tem contado “com o apadrinhamento do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que lhe apara o jogo”.
“Aqui aplica o princípio informal e cardeal da corrupção institucional em Angola, segundo a qual uma mão lava outra”, escreve a acusação do Ministério Público (MP), citando o texto da autoria de Rafael Marques.
O texto deu origem a uma participação criminal contra o jornalista e, refere a acusação do MP, no decurso das diligências realizadas foi possível apurar junto do departamento do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA) no Cuanza Sul que o ofendido, o Procurador-Geral da República, “efectivamente requereu e lhe foi deferido o título de concessão do direito de superfície” do terreno em causa a 25 de Maio de 2011.
Contudo, “passado um ano, por falta de pagamento dos emolumentos, o contrato atrás referido deixou de ter validade, tendo deste modo o ofendido João Maria Moreira de Sousa perdido o título de concessão do direito de superfície a favor do Estado”, diz a acusação.
A notícia em causa aludia a uma eventual violação do “princípio da dedicação exclusiva” estabelecido pela Constituição angolana e que impediria que os magistrados judiciais e do MP exerçam outras funções públicas ou privadas, excepto as de docência e de investigação científica de natureza jurídica.
Diz o Artigo 187 (Estatuto) da Constituição no seu ponto 4: “Os magistrados do Ministério Público estão sujeitos às mesmas incompatibilidades e impedimentos dos magistrados judiciais de grau 67 correspondente, usufruindo de estatuto remuneratório adequado à função e à exclusividade do seu exercício.”
Como se vê, o MP não conseguiu desmentir que ele não comprou o tal terreno. O que dizem agora é que não pagou os emolumentos e portanto o terreno já não é dele. Ou seja, o texto mantém toda sua validade.
“Levaram estes meses todos para apresentar este argumento, mas isso não altera absolutamente nada. O problema não é se ele continuava com o terreno ou não, o problema é que adquiriu o terreno de forma ilegal”, acrescentou Rafael Marques.
Folha 8 com Lusa