Um passo histórico para portugueses e angolanos

Um forte dispositivo de segurança marcou a chegada do Presidente João Lourenço a Lisboa, onde hoje inicia a sua primeira visita de Estado a Portugal. António Costa considera que a visita do Presidente completa “um ciclo de normalização das relações” e Marcelo Rebelo de Sousa espera que Portugal e Angola estejam à altura do “desafio histórico”.

A chegada do chefe de Estado ao hotel no centro da capital portuguesa, onde ficará hospedado até domingo, ficou marcada por um forte aparato de segurança junto do estabelecimento e que envolveu duas dezenas de operacionais da Unidade Especial de Polícia (UEP) que bloquearam os acessos ao hotel, à chegada de João Lourenço. Com o Presidente angolano chegou uma comitiva distribuída por cerca de 20 veículos de apoio.

O Presidente da República de Angola, João Lourenço, inicia na hoje a sua primeira visita de Estado a Portugal. O programa prevê, durante três dias, deslocações ao Porto e à base naval do Alfeite, além de Lisboa, sendo a primeira deslocação oficial a Portugal de um chefe de Estado angolano em praticamente dez anos.

Em Fevereiro de 2009, José Eduardo dos Santos, então Presidente, foi recebido em Portugal pelo chefe de Estado, Cavaco Silva, que um ano depois, em Julho de 2010, retribuiu a deslocação e viajou para Luanda.

Os dois chefes de Estado acordaram então as bases de uma parceria estratégica que nunca saiu do papel, em grande medida devido ao desconforto de Angola com as investigações da Justiça, em Portugal, a elementos da elite angolana, próximos de José Eduardo dos Santos.

A crispação subiu de tom em 2017, ao avançar a acusação em Portugal contra Manuel Vicente, à data vice-Presidente da República de Angola, por suspeitas de corrupção sobre um magistrado português, quando era presidente da petrolífera Sonangol.

O desanuviamento das relações entre os dois países, e do episódio que ficou conhecido como o “irritante”, só chegou em Maio deste ano, com o Tribunal da Relação de Lisboa a enviar o processo de Manuel Vicente, que agora é deputado, para as autoridades judiciárias angolanas, como era pretensão do próprio chefe de Estado.

Além do chefe de Estado e da primeira-dama, Ana Dias Lourenço, a delegação de angolana integra vários ministros, com a perspectiva de assinatura de acordos bilaterais.

A visita de Estado de João Lourenço começa hoje em Belém, com cerimónias militares e a deposição de uma coroa de flores no túmulo de Luís de Camões, antes de uma visita guiada ao Mosteiro dos Jerónimos, sendo depois recebido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe do Estado angolano e o presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, discursam numa sessão solene da Assembleia da República e João Lourenço segue depois para a Câmara Municipal de Lisboa, onde irá receber a chave da cidade das mãos do presidente da autarquia, Fernando Medina.

Na sexta-feira, o Presidente angolano será recebido no Porto pelas autoridades locais antes de discursar no Fórum Económico e Empresarial Portugal/Angola, tal como o primeiro-ministro. Na Câmara Municipal do Porto João Lourenço receberá das mãos de Rui Moreira lhe as chaves da cidade.

João Lourenço é esperado cerca das 12:00 no Palácio da Bolsa para a assinatura de acordos e almoça com empresários portugueses e angolanos, antes de regressar a Lisboa. Já na capital, o presidente de Angola encontra-se com a comunidade angolana residente em Portugal.

No sábado João Lourenço visita a base naval do Alfeite e almoça com Marcelo Rebelo de Sousa, antes de pôr fim à visita oficial. O regresso a Luanda acontecerá domingo de manhã.

A perspectiva de António Costa

António Costa considera a visita do Presidente angolano o fim de “um ciclo de normalização das relações”, reconhece como “complexo” o problema da regularização das dívidas e admite reflexos para as empresas se a Sonangol se retirar das suas participações.

A visita oficial de João Lourenço “restabelece a normalidade de uma relação que é muito frutuosa de parte a parte e que tem de continuar e desejavelmente deve prosseguir sendo aprofundada”, afirmou o primeiro-ministro, citando o próprio presidente angolano.

Quanto ao problema da regularização das dívidas, o primeiro-ministro português admite que “é obviamente um processo complexo, muitas vezes moroso, mas que tem vindo a correr”, sendo importante que “a franqueza e a transparência se mantenham” entre as partes. Pela parte portuguesa, o processo é “pilotado” pela embaixada de Portugal em Angola.

“Muitas empresas têm visto já a sua situação regularizada, outras parcialmente regularizada, outras aguardam a regularização e outras aguardam ainda a certificação e o reconhecimento dos créditos que reclama”, diz António Costa, acrescentando que é um processo que está em curso e “felizmente, com bons sinais até agora”.

Para o primeiro-ministro luso, o importante para o Estado português é ter sido assegurado que, “em primeiro lugar, Angola reconheceria a existência de situações de dívida para com as empresas portuguesas e que haveria um processo transparente com participação das empresas portuguesas para o apuramento do montante dessas dívidas e a sua certificação”.

“Foi muito importante a forma muito franca como o ministro das Finanças angolano (…) expôs a questão de como havia um conjunto de dívidas reclamadas que não estavam registadas oficialmente na contabilidade das entidades devedoras e, portanto, era necessário certificar a sua existência e quais eram as dificuldades relativamente ao pagamento e ao cálculo designadamente cambial desses montantes”.

Segundo o primeiro-ministro, “isso foi essencial para restabelecer a confiança das empresas portuguesas para poderem investir em Angola”.

Questionado sobre o anúncio feito por João Lourenço de que a empresa angolana Sonangol iria retirar-se da participação das empresas portuguesas, o primeiro-ministro reconheceu que havendo essa decisão, [ela] “terá necessariamente reflexos nas empresas onde a Sonangol tem uma participação”.

“Mas não me compete a mim estar a pronunciar-me sobre as decisões de investimento da Sonangol. E são empresas que estão no mercado, estão abertas. Portanto, naturalmente, se houver alguma recomposição accionista, haverá seguramente outros accionistas que tomem a posição que eventualmente seja libertada pela Sonangol”, conclui António Costa.

A visão de Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República disse esperar que Portugal e Angola estejam à altura do “desafio histórico” que pode representar para os dois países a normalização das relações institucionais com a visita do chefe de Estado angolano.

“Tudo o que está previsto corresponde a uma expectativa que é muito importante para os dois países. Uma parte representa o virar de uma página em relação ao passado, a regularização de dívidas, em montantes muito elevados, de muitas empresas portuguesas que estão a actuar e a criar riqueza em Angola”, salientou Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado português considerou que a regularização de dívidas às empresas portuguesas “é muito importante para empresários, para trabalhadores, para as duas sociedades”.

“A celebração de muitos acordos nas matérias mais variadas, económicas, financeiras, sociais, culturais e educativas, isso significa de facto olhar para o futuro, já não é apenas o encerrar um capítulo do passado, é olhar para o futuro”, frisou o Presidente português.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, a normalização das relações entre os dois países representa também “uma aproximação e uma conjugação”, ou mesmo “uma cumplicidade, em termos políticos e diplomáticos”.

“Não esqueçamos que Angola vai ser presidente da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], não esqueçamos o peso que Portugal tem hoje em várias organizações internacionais, Nações Unidas, Organização Internacional para as Migrações”, sublinhou o chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa apontou ainda “o peso crescente de Angola na União Africana, mas também noutros continentes”.

“Portanto, há aqui um mundo de hipóteses a prosseguir e a aprofundar e eu espero que os dois países possam estar à altura deste desafio, porque é um desafio histórico aquele que se pode abrir num futuro imediato”, acrescentou.

Folha 8 com Lusa

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