Sem tiros mas com fome
nunca significa ter paz

O Governo do MPLA assumiu há dois anos (4 de Abril de 2016) o compromisso em “garantir os direitos humanos e as liberdades fundamentais”, ao recordar então os 14 anos sobre o fim da guerra civil. Balanço. Sem tiros, é certo, mas a paz deveria ser muito mais do que isso. Deveria, desde logo, ser dar de comer a quem tem fome. Pois é. Temos 20 milhões de pobres…

Em 2018, com seis meses de governação de João Lourenço, continuamos em cima de um tapete rolante que anda para trás. O Governo caminha em cima dele e quer convencer-nos que estamos a ganhar terreno. Na verdade, dado o movimento de rotação desse tapete, estamos no mesmo sítio. Isto, é claro, para além dos que na equipa do presidente acham que ele está enganado e andam ao contrário.

Há dois anos, na mensagem oficial do Governo, liderado por José Eduardo dos Santos, a propósito do Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, que se assinala para recordar o fim do conflito armado, o então Presidente disse que a paz foi “uma das maiores conquistas da nossa história recente e um dos bens mais preciosos do povo angolano”.

“O Governo reafirma igualmente o seu compromisso de garantir os direitos humanos e as liberdades fundamentais e de defender os princípios da dignidade e valor da pessoa humana e da justiça social, plasmados na Constituição da República de Angola”, referia o comunicado então divulgado.

Quando se garante (como acontece em qualquer Estado de Direito, que Angola não é) direitos humanos e liberdades fundamentais não é preciso andar, como faz o regime, a reafirmar constantemente esse compromisso. Aliás, ao invocar a Constituição (que não cumpria), o então Presidente da República (que esteve no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito), o então Titular do Poder Executivo, e o ainda hoje Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos) mais não fez do que passar um atestado de menoridade a todos os angolanos.

Durante praticamente três décadas, morreram cerca de meio milhão de angolanos, entre militares e civis, devido ao conflito armado.

“Essa dramática situação criou sérios obstáculos ao nosso desenvolvimento económico, social, político e cultural e constitui, por essa razão, um momento da nossa existência como Nação independente que o povo angolano não poderá esquecer, para que ela nunca mais se volte a repetir”, sublinhava o executivo, liderado pelo MPLA desde a independência.

O Governo diz há décadas (e o mesmo reiterou João Lourenço) que assume o “firme compromisso de continuar a combater a pobreza, a delinquência e a criminalidade”, mas também “promover a prosperidade e o bem-estar para todos, através da melhoria da educação e da saúde, da redução das desigualdades, da criação de emprego”, exortando os angolanos a uma reflexão “desapaixonada sobre o passado de guerra”.

“E a olharem com lucidez e objectividade o presente, de modo a poderem contribuir de forma consciente para consolidar a construção de um clima de harmonia e fraternidade, que sirva de exemplo para as gerações vindouras”.

Tudo isto quando o Povo angolano continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com… fome.

Que raio de paz é esta em que, pouco antes do discurso moralista de 2016 do Presidente José Eduardo dos Santos, Isabel dos Santos recebia de bandeja, por ordem do paizinho, uma obra 615,2 milhões de dólares (567 milhões de euros)?

A obra foi adjudicada (forma eufemística que significa doação) através de um despacho do rei Presidente José Eduardo dos Santos, para que a sua filha Isabel dos Santos faça as dragagens na zona costeira da marginal da Corimba, sul de Luanda, em parceria com uma empresa holandesa.

Assim, Isabel dos Santos, através da Urbeinveste Projectos Imobiliários, e uma empresa holandesa, Van Oord Dredging and Marine Contrators, “ganharam”, em consórcio, esse milionário contrato. Mais um. E ganharam, é certo, com a mesma transparência e honorabilidade como João Lourenço e o MPLA ganharam as eleições de Agosto do ano passado.

Embora dizer o que pensamos seja, quando não é o mesmo que o regime pensa (raramente isso acontece, assumimos), um crime contra a segurança do Estado e prova de tentativa de golpe de Estado ou a prova de que também somos uma organização de malfeitores, não é mau manter a memória alimentada pela verdade.

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