O (nosso) povo passa fome.
– O que jantou Presidente?

Cinquenta toneladas de trigo apodreceram nas comunas de Cachingues, Mumbuwe, Soma-Kwanza, Mutumbo e Malengue, município do Chitembro, província do Bié, por falta de meios de transporte, disse, na cidade do Lobito, o administrador da empresa de Cereais de Angola (Cerangola), Ecumbi David. E assim vai o país, presidente João Lourenço.

“A falta de mercado e de meios para transportar a produção de trigo estão na base da deterioração de mais de 50 toneladas de trigo no Chitembo, situação que está a levar os mais de 150 camponeses das comunas de Cachingues, Mumbuwe, Soma-Kwanza, Mutumbo e Malengue a ponderar o abandono da actividade”, alertou Ecumbi David.

No início deste mês, o ministro da Agricultura e Floresta, Marcos Nhunga, trabalhou na província do Bié, para avaliar a preparação da campanha agrícola 2018/2019., afirmando que o Governo pretende para esta campanha agrícola garantir a disponibilidade de sementes melhoradas e de alto rendimento, elevar a oferta de fertilizantes, intensificar a produção e o uso de calcário dolomítico para correcção dos solos e extensão das áreas de produção.

Também prometeu promover e intensificar o uso da tracção animal no sector familiar e a mecanização no sector corporativo e empresarial, figuram igualmente nos seus planos o aumento da produção e da produtividade. Nada disse (é claro) sobre as toneladas de trigo que apodreceram…

No passado dia 15 de Abril o “Jornal de Angola” revelou que “numa altura em que o país ainda recorre a importações para cobrir o défice de produção de cereais, cerca de seis mil toneladas de arroz e milho, resultantes da campanha agrícola 2015-2016, correm o risco de deteriorar-se em silos, por razões meramente burocráticas que impedem a sua comercialização”.

A acusação foi do presidente do Conselho de Administração da Gesterra, empresa que geria as fazendas de onde foram colhidas, sendo que “parte do arroz “esquecido” em silos foi produzido na comuna do Longa, Cuando Cubango, onde o Estado detém umas das maiores fazendas de cereais.

Carlos Augusto Dias Paim admitiu que, a julgar pelo tempo excessivo de armazenamento, o produto já perdeu parte do seu valor comercial. “A nossa maior preocupação prende-se com os resultados da campanha agrícola 2015-2016, da qual restam cerca de seis mil toneladas de cereais, que não foram comercializados e correm o risco de estragar-se”, disse.

Recuemos a uma notícia de 17 de Fevereiro de 2018 onde se dizia que o Pólo Agrícola da Quiminha, considerado o maior projecto integrado de agricultura em Angola, que resulta de uma parceria público-privada que junta especialistas israelitas, deverá atingir este ano a plena produção e prevendo já a exportação para a Europa.

Localizado a cerca de 50 quilómetros de Luanda, o projecto foi lançado em 2012, pelo Estado angolano, que avançou com a infra-estruturação dos 5.000 hectares de cultivo, onde hoje já trabalham 600 pessoas na produção de cerca de 30.000 toneladas anual de todo o tipo de legumes e frutas.

Como explicou na altura o director-geral do Projecto de Desenvolvimento Integrado da Quiminha, o israelita Regev Harosh, o objectivo é exportar ainda este ano, por via aérea, as primeiras quantidades de batata-doce e banana produzidas localmente.

Em 48 horas estarão à venda em lojas na Europa, de Portugal à Bélgica: “Planificamos arrancar com a exportação no mês de Outubro. A qualidade e quantidade dos produtos [batata-doce e banana] daqui é muito alta e há uma forte procura do mercado europeu, durante o ano todo”.

De pepino a tomates, passando pelas batatas, beringelas, cebolas, grãos e até 25 milhões de ovos anuais, recorrendo a 90.000 galinhas, a Quiminha é um projecto que em 2018 atinge a velocidade de cruzeiro.

“Até Outubro vamos ter 100% da capacidade de produção do projecto. Vamos atingir este ano as 40.000 toneladas”, avançou Regev Harosh, recordando que as técnicas ali utilizadas permitem a produção agrícola todo o ano, inclusive fora da época das chuvas.

Até Outubro, a produção da Quiminha, que já abastece Luanda e as principais cadeias de distribuição do país, deverá chegar a cerca de 60.000 toneladas de legumes e frutas, mas a meta final são 100.000 toneladas, na campanha agrícola que vai terminar em 2019.

Uma outra face do país

Recorde-se, para melhor compreender que os nossos governos trabalham quase sempre em cima dos joelhos (ou nem isso), que em Abril do ano passado o Governo da Zâmbia estava a equacionar a venda a Angola de 20.000 toneladas de milho das suas reservas, conforme pedido feito na altura pelo executivo de sua majestade o rei de então, José Eduardo dos Santos.

O assunto foi abordado num encontro entre a então embaixadora angolana na Zâmbia, Balbina Dias da Silva, e a ministra da Agricultura daquele país, Dora Siliya, com Angola a transmitir o pedido para disponibilização desta quantidade de milho “no menor tempo possível”.

A governante zambiana, que recebeu igual pedido da também vizinha República Democrática do Congo, neste caso para venda de 100.000 toneladas, não se comprometeu com a disponibilização das quantidades pretendidas, por a prioridade ser a exportação de farinha, para fomentar a produção local, mantendo-se a proibição de exportação de milho pelo país.

Ainda assim, admitiu que o Presidente zambiano, Edgar Lungu, estava “disposto a considerar” estes pedidos. “Quando a casa do seu vizinho está a arder, significa que até a sua casa é mais propensa a arder também”, disse a ministra Dora Siliya, citada pela imprensa zambiana.

A Zâmbia tem uma produção excedentária de milho, que chega a três milhões de toneladas por ano, com o Governo a comprar parte dessa quantidade para a Agência de Reserva Alimentar.

As necessidades angolanas em termos de milho ascendiam em 2017 a 5,5 milhões de toneladas, para consumo humano e ração animal, mas cerca de metade desta quantidade ainda é importada.

Mais de dois milhões de famílias angolanas vivem da agricultura, sector que emprega no país 2,4 milhões de pessoas e que conta com 13.000 explorações empresariais, segundo dados governamentais.

Numa produção em que o milho é o “rei”, seguindo-se o massango (milho-miúdo), massambala (sorgo) e o arroz, e em que começa a surgir também o trigo – Angola tem de importar anualmente mais de 700 mil toneladas deste cereal para produzir pão.

Há muito que se sabe que quando o petróleo espirra Angola entra em estado de coma. Mesmo assim, os peritos dos peritos do Governo, incluindo João Lourenço, olham sempre para o lado, não vão ser contaminados com essa epidemia da diversificação da economia.

As ligações económicas de Angola ao petróleo ilustram, aliás, um problema mais amplo em África; as nações produtoras que ligaram as suas fortunas exclusivamente ao crude encontram-se agora reféns da turbulência dos preços, correndo muitas o risco de um desastre colectivo de larga escala.

No tempo colonial

Por mera curiosidade que, contudo deve envergonhar o Governo e o MPLA, registe-se que, enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.

Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e Sã Tomé e Príncipe.

Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.

Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.

Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.

Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tombwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.

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